Há alguns anos,
a Harvard Business School elegeu
o melhor modelo de negócios do ano:
a pirataria Somali.
Praticamente ao mesmo tempo,
descobri que existiam 544 marinheiros
mantidos como reféns em navios
muitas vezes ancorados ao largo da costa da Somália
à vista de todos.
E ao saber destes dois factos, pensei:
o que está a acontecer no transporte marítimo?
E pensei: seria possivel que isto acontecesse em qualquer outra indústria?
Será que veríamos 544 pilotos comerciais
sequestrados nos seus jatos jumbo
numa pista durante meses ou durante um ano?
Veríamos 544 motoristas dos autocarros Greyhound?
Não aconteceria.
Então comecei a ficar intrigada.
E descobri outro facto,
que para mim foi mais surpreendente,
mais por não ter tido conhecimento disso antes
de ter 42, 43 anos de idade.
É o facto de como ainda dependemos fundamentalmente do transporte marítimo.
Talvez porque o público em geral
pensa no transporte marítmo como uma indústria antiga,
algo trazido por veleiro
com Moby Dicks e Jack Sparrows.
Mas o transporte marítimo não é isso.
O transporte marítimo é tão importante para nós como sempre foi.
Os navios trazem-nos 90% do comércio mundial.
O transporte marítimo quadruplicou em volume desde 1970.
Somos mais dependentes dele agora do que nunca.
E ainda assim, para uma indústria tão grande
– existem uns 100 000 navios de transporte no mar –
tornou-se praticamente invisível.
Parece absurdo dizer isto em Singapura,
porque aqui o transporte marítimo é tão presente
que colocaram um navio no topo de um hotel.
(Risos)
Mas, noutras partes do mundo,
se perguntarmos às pessoas o que é que elas sabem
sobre navios mercantes e quanto comércio é transportado por mar,
vamos ter basicamente um rosto sem resposta.
Se perguntarmos a alguém na rua
se já ouviu falar da Microsoft,
eu suponho que diga que sim
porque as pessoas sabem que eles fazem software
que vai para os computadores,
e que de vez em quando funciona.
Mas se perguntarmos se eles ouviram falar da Maersk,
duvido que obtenhamos a mesma resposta,
apesar da Maersk,
que é apenas uma companhia de navegação entre muitas,
tenha praticamente as mesmas receitas que a Microsoft.
[€45 mil milhões]
Porque é que isto acontece?
Há alguns anos,
o Primeiro Lorde do Mar do Almirantado Britânico
– chamam-lhe o Primeiro Lorde do Mar,
embora o chefe do exército não seja chamado um Lorde da Terra –
ele disse que nós
– as nações industrializadas do Ocidente –
sofremos de cegueira do mar.
Somos cegos para o mar
como um lugar de indústria ou de trabalho.
É apenas algo sobre o qual voamos,
um retalho azul num mapa de uma companhia aérea.
Nada para ver, seguimos em frente.
Eu quis então abrir os meus próprios olhos
à minha própria cegueira do mar,
e por isso fugi para o mar.
Há alguns anos, fiz uma viagem
no Kendal da Maersk,
um navio de médio de transporte de contentores,
carregando quase 7 000 contentores,
e parti de Felixstowe,
na costa sul de Inglaterra,
e cheguei aqui a Singapura
cinco semanas depois,
com consideravelmente menos jet-lag do que agora.
E foi uma revelação.
Viajámos através de cinco mares,
dois oceanos, nove portos,
e aprendi muito sobre o transporte marítimo.
E uma das primeiras coisas que me surpreendeu
quando embarquei no Kendal
foi: onde estavam todas as pessoas?
Eu tenho amigos na marinha que me dizem
que navegam com 1 000 marinheiros de cada vez,
mas no Kendal, havia apenas uma tripulação de 21.
E isto porque o transporte marítimo é muito eficiente.
A utilização de contentores tornou-o muito eficiente.
Os navios têm agora automação.
Podem trabalhar com pequenas tripulações.
Mas também significa que, nas palavras
de um capelão de porto que uma vez conheci,
o marinheiro médio, que vamos encontrar
num navio de contentores,
ou está cansado ou exausto,
porque o ritmo do transporte moderno
é bastante pesado para o que o transporte marítimo chama de
o seu elemento humano,
uma expressão estranha que eles não parecem entender
que soa um pouco desumana.
A maioria dos tripulantes que agora trabalham nos navios porta-contentores
tem muitas vezes menos de duas horas no porto.
Não têm tempo para relaxar.
Estão no mar durante meses seguidos,
e mesmo quando estão a bordo,
não têm acesso ao que
um menino de 5 anos toma por garantido: a Internet.
E outra coisa que me surpreendeu quando embarquei no Kendal
foi quem estava sentado ao meu lado
– não a rainha; não consigo imaginar porque me colocaram debaixo do seu retrato –
mas na mesa de jantar na sala de oficiais,
estava sentada ao lado de um birmanês,
em frente a um romeno, um moldavo, um indiano.
Na mesa ao lado estava um chinês,
e, na sala de tripulação, eram só filipinos.
E isso foi num navio de trabalho normal.
Agora, como é isso possível?
Porque a grande mudança dramática
no transporte marítimo nos últimos 60 anos,
quando a maioria das pessoas pararam de lhe dar atenção,
foi algo chamado um registo aberto,
ou uma bandeira de conveniência.
Os navios podem agora hastear a bandeira de qualquer nação
que forneça um registo de bandeira.
Podem obter uma bandeira de uma nação sem litoral:
da Bolívia, ou da Mongólia,
ou da Coreia do Norte, embora isso não seja muito popular.
(Risos)
Por isso temos estas tripulações muito multinacionais,
tripulações móveis e globais nos navios.
E isso foi uma surpresa para mim.
E quando chegámos a águas com piratas,
no estreito de Bab-el-Mandeb e no Oceano Índico,
o navio mudou.
E isso também foi chocante porque, de repente,
compreendi que, como o capitão me disse,
tinha sido louca por escolher
atravessar águas de piratas num navio de contentores.
Já não éramos autorizados no convés.
Havia vigias duplas a piratas.
E, nessa altura, havia aqueles 544 tripulantes mantidos como reféns,
e alguns deles ficaram reféns durante anos
devido à natureza do transporte e à bandeira de conveniência.
Nem todos, mas alguns deles estiveram,
porque para a minoria de donos de navios sem escrúpulos,
pode ser fácil esconder-se atrás
do anonimato oferecido por algumas bandeiras de conveniência.
O que mais faz a nossa máscara de cegueira do mar?
Bem, se formos para o mar num navio
ou num navio-cruzeiro, e olharmos para a chaminé,
vemos uma fumaça muito preta.
Isso é porque o transporte marítimo
trabalha com margens muito apertadas, e querem combustível barato,
por isso usam algo chamado combustivel naval,
que me foi descrito por alguém do setor petroleiro
como a escória da refinaria,
ou apenas um passo acima do asfalto.
E o transporte marítimo é o método mais ecológico de transporte.
Em termos de emissões de carbono por tonelada por quilómetro,
emite cerca de um milésimo da aviação
e cerca de um décimo do transporte rodoviário.
Mas não é benigno, porque há muito.
Portanto as emissões do transporte marítimo são cerca de três a quatro por cento,
quase as mesmas que a aviação.
E se colocarmos as emissões marítimas
numa lista das emissões de carbono por país,
viriam em sexto lugar,
próximo da Alemanha.
Calculou-se em 2009 que os 15 maiores navios
poluem em termos de partículas e fuligem
e gases nocivos
tanto como todos os carros do mundo.
E a boa notícia é que
as pessoas agora falam sobre transporte sustentável.
Há iniciativas interessantes a acontecer.
Mas porque levou tanto tempo?
Quando é que vamos começar a falar e a pensar
em milhas marítimas, como fazemos com as milhas aéreas?
Viajei também até ao Cabo Cod para observar
a situação da baleia-franca-do-atlântico-norte,
porque para mim isto foi uma das coisas mais surpreendentes
do tempo que passei no mar,
e que me fez pensar.
Nós conhecemos o impacto do homem no oceano
em termos de pesca e de pesca excessiva,
mas na realidade não sabemos muito sobre
o que está a acontecer debaixo de água.
E, na verdade, o transporte marítimo tem um papel a desempenhar aqui,
porque o ruído dos navios tem contribuído
para danificar os habitats acústicos das criaturas do oceano.
A luz não penetra abaixo da superfície da água,
por isso as criaturas do oceano como as baleias e os golfinhos
e mesmo 800 espécies de peixes
comunicam através do som.
E uma baleia-franca-do-atlântico-norte
pode comunicar a centenas de quilómetros.
Uma baleia-de-bossa pode transmitir um som
através de todo um oceano.
Mas um superpetroleiro também pode ser ouvido
a atravessar um oceano inteiro,
e porque o ruido que as hélices fazem debaixo de água
tem, por vezes, a mesma frequência que as baleias utilizam,
pode danificar o seu habitat acústico,
e elas precisam dele para se reproduzirem,
para encontrarem áreas de alimento,
para encontrarem companheiros.
E o habitat acústico da baleia-franca-do-atlântico-norte
foi reduzido em cerca de 90%.
Mas ainda não existem leis que regulem a poluição acústica.
E quando cheguei a Singapura,
e peço desculpas por isto, mas eu não queria sair do meu barco.
Adorei realmente estar a bordo do Kendal.
Fui bem tratada pela tripulação,
tive um capitão tagarela e divertido,
e ter-me-ia alegremente inscrito para mais cinco semanas,
algo sobre o que o capitão também disse
que eu estava louca.
Mas eu não estive lá durante nove meses seguidos
como os marinheiros filipinos estiveram.
Quando lhes pedi para me descreverem o seu trabalho,
chamaram-no de "dólar para a saudade."
Tinham bons salários,
mas a vida deles ainda é difícil e isolada
num elemento perigoso e muitas vezes difícil.
Mas, neste ponto, desejo duas coisas,
porque quero saudar os marinheiros
que nos trazem 90% de tudo
e recebem pouco agradecimento ou reconhecimento por isso.
Quero saudar os 100 000 navios
que estão no mar
a fazer esse trabalho, chegando e partindo
todos os dias, trazendo-nos aquilo de que precisamos.
Mas também quero ver o transporte marítimo,
e nós, o público em geral, que sabe tão pouco sobre isso,
a termos um pouco mais de escrutínio,
a sermos um pouco mais transparentes,
a termos 90% de transparência.
Porque acho que poderíamos todos beneficiar
ao fazer algo muito simples,
que é aprender a ver o mar.
Obrigada.
(Aplausos)