KIKI SMITH: Não existem esculturas
comemorativas para bruxas.
Então eu pensei: nossa eu quero
fazer essas mulheres nas fogueiras.
Seus braços estão dizendo, tipo: Cristo,
por que me abandonaste?
Elas deveriam estar em todas essas cidades
da Europa.
Sabe? ninguém quis uma em sua cidade
por enquanto,
(RISOS)
mas eu pensei que poderia
apenas fazê-las mesmo assim.
Arte é algo que sai de dentro de você e
que vai até o mundo físico,
e ao mesmo tempo é apenas uma
representação do que há dentro de você
de uma maneira diferente.
Basicamente, eu acho que arte é
apenas um modo de pensar.
Sabe? É como sentir o vento
e permitir que ele te leve em qualquer
direção que quiser.
E ele começa a falar presta atenção nisso,
faça aquilo.
Eu acho que na época da escola, pra mim
era muito difícil aprender a ler.
Então eu tive que aprender olhando para as
coisas.
Eu vi uma imagem da Geneviève no Louvre
sentada com os lobos e os cordeiros.
E a Geneviève é tipo a salvadora de Paris.
Então eu desenhei minha amiga, Geneviève,
como a Geneviève.
Então cortei e fiz mais desenhos dela.
E depois as esculpi.
Primeiro eu fiz uma da Geneviève em pé,
ao lado de um lobo.
Depois eu esculpi "rapture", onde a mulher
está saindo do lobo.
É um tipo de ressureição.
Eu tenho esse inventário de imagens que eu
consigo misturar.
E se criá-las como um personagem
Elas se tornam vivas de novo.
Elas conseguem ter mais do que
apenas uma versão de suas vidas.
Eu tenho uma Geneviève em pé.
E eu fiquei insculpindo e insculpindo, de
novo e de novo, sabe?
Reconfigurando e a lapidando.
Talvez é bom esquentá-la um pouco.
Só para nivelar uma coisinha ou outra.
Muita das vezes eu usava moldes
e fazia esculturas de papel-machê
que daí você consegue recortá-las
facilmente
e juntá-las de volta, sabe?
E cera é muito mais complicada,
porque daí a gente gasta
uma quantidade infinita de tempo tentando
arrumar.
De certa maneira seria muito mais rápido
moldar novamente e recomeçar, mas,
sei lá, pra mim é divertido fazer com que
tudo venha da mesma escultura.
Essa aqui eu vou finalizar em alumínio.
E elas vão nessa muleta de madeira.
e ficam meio...
e ficam meio inclinadas assim
e daí elas ficam tipo que flutuando no ar.
Para mim tem algo interessante sobre
esculturas ficarem
pairando no chão, ou tendo essa
relação diferente com o chão.
Pode ser assim. Ou assim.
Homem: cerca de cinco minutos
Kiki: Ah, isso é ótimo.
Esse vai ser uma bruxa morta por baixo de
uma
pilha de madeiras.
Aí eu pensei na
bruxa malvada, do Mágico de Oz,
porque ela fica embaixo da casa.
Mas ao invés disso eu fico debaixo
de uma pilha de madeiras.
Quando eu era criança meu pai tinha a
máscara mortuária da minha avó.
Ela morreu cerca de vinte anos antes
de eu nascer.
E então, quando meu pai morreu,
eu e minha irmã Bebe fizemos uma máscara
mortuária de sua cabeça e de suas mãos.
E quando minha irmã morreu,
eu fui e fiz uma máscara mortuária de suas
mãos e sua cabeça.
Então agora eu tenho três gerações de
máscaras mortuárias.
Ficou muito bom.
V.O da Kiki: Nós eramos um pouco como a
Família Addams.
Vivíamos nessa casa imensa, com uma lousa
com o nome da família em frente à casa,
com uma escultura enorme nos
fundos da casa.
Kiki: E nós éramos bem malvistos
e as crianças diziam que eu era uma bruxa.
A gente era bem...
E meu pai tinha barba e um Porsche
e nós morríamos
de vergonha dele ter um carro como aquele
ao invés de uma boa e velha perua.
fazíamos principalmente modelos de papel
para ele.
Tipo, milhares de modelos de papel de
tetraedros e octaedros,
daí a gente sentava e montava juntos,
todo dia, depois da escola.
A morbidez sempre foi presente na
minha família.
Meu pai sempre dizia que era algo do
catolicismo irlandês.
Um parte inteira da nossa casa tinha,
as roupas dos pais de meu pai,
todas do final dos anos 1800...
e os dentes também, dentaduras.
Havia muita morte, por todo canto.
Eu passei alguns anos desenhando
animais mortos.
Eu tinha essas visões de que eu deveria
fazer outra arca de Noé,
porém de animais mortos.
Essa é de quando meu gato morreu,
eu fiz todos essas "Pietà",
tipo um "Pietà" de autorretrato minha
segurando meu gato morto.
E eu fiz tipo, 50 bilhões de gravuras
de animais mortos,
e as vezes eu penso: hum, como pode eu
ainda ter todas essas gravuras?
(RISOS)
Meu grande investimento para
o futuro
Calma, Gorgeous.
Muito fácil pegá-la.
Não, era pra você descer, seu pássaro
estúpido
Eu simplesmente amo muito gravuras.
É esse movimento de risca,
risca, risca...
que eu gosto tanto.
BILL: A lâmina está tão quente que está
secando esse negócio de cara.
BILL: Você tem que entender que a maneira
como ela trabalha
é normal, porque cada fibra de seu corpo..
é para a arte.
Ela não sabe fazer outra coisa senão isso.
Meu pai nos ensinou a confiar na nossa
intuição.
Minha mãe sempre dizia para confiarmos
em nossa intuição
e que sempre dá problema quando
você não dá ouvidos à ela.
E eu não acho que em outros aspectos da
minha vida pessoal e dia a dia eu
faça isso
mas sempre faço com minha arte.
Às vezes eu não gosto da direção que
minha obra está tomando mas eu sei que...
E às vezes eu me pergunto por que que
estou fazendo isso,
isso é constrangedor e tudo mais,
mas eu sempre confio que é isso que devo
fazer.
Eu sempre estou tentando ter o
máximo de experiências possíveis
meio que brincando de outras maneiras.
Eu amo a vida doméstica, tipo,
guarda-louças, panos e pratos.
O primeiro pano de prato que fiz aqui.
Foi uma bruxa com seus conhecidos e
seus animais.
Kiki: Daí eu pensei que poderia ser
uma imagem de uma mulher com animais.
Eu sou muito fã da Virgem Maria.
Catolicismo é muito sobre storytelling,
sobre reiterar e reiterar, de novo e de
novo
essas histórias mitológicas.
Bonecas e tal estão no campo da ficção.
Eu levo elas por aí e eu
acabo quebrando suas pernas
ou suas cabeças acabam batendo em alguma
coisa e caindo e tal,
mas afinal não se importam com isso,
mas pra mim isso é muito importante
Esse tipo de coisa me deixa apreensiva.
Porque é muito específico.
Tipo uma história, eu não quero ser tão
assertiva.
Eu prefiro fazer algo que fique em aberto,
que faça sentido pra mim,
mas que também faça sentido para outra
pessoa à sua maneira.
Kiki: Ah, não tem problema.
Olá! Tudo bem?
Eu não tenho um dom em fazer as
coisas fisicamente,
então eu realmente preciso aprender
e tentar fazer,
e pra mim isso que é o satisfatório.
Um filho de um amigo meu morreu,
e fui no funeral, em uma igreja Batista,
e eu nunca tinha ido à uma igreja Batista.
E todas as mulheres estavam de uniforme
de enfermeira,
todas as madrinhas
e elas estavam paradas,
segurando lenços de papel.
Foi muito tocante ver todas essas
enfermeiras de Deus,
todas essas mulheres lá apenas com
lenços de papel.
Foi tão simples e bonito.
E eu pensei em santas,
pequenas esculturas de santas ou coisa
assim.
E eu fiz cada uma ser única.
Quanto mais você mexe nela, mais vida você
a põe.
Eu acho que as pessoas não gostam quando
você diz que
não tem habilidades inatas,
geneticas, em alguma coisa,
elas dizem: ah não, isso não é verdade,
você têm sim.
As pessoas têm essa ideia de que artistas
estão criando,
ou...
ou inspirados
a todo instante e tal.
Então pra mim, eu acho que é disso que eu
gosto, é que é um trabalho.
Noventa por cento disso é que
você precisa vir e
corrigir seus erros e coisas assim.
Ou te dá essa liberdade enorme em...
em ajustar e fazer isso por várias horas,
tipo, eu sempre sei oque fazer.
Em nenhum momento da vida
eu me vejo
não sabendo oque fazer.
Eu sempre sei que tem algo a ser
alterado.