O presente mais importante que a vossa mãe e o vosso pai alguma vez vos ofereceram foram dois conjuntos de 3 mil milhões de letras de ADN que compõem o vosso genoma. Mas como qualquer coisa com 3 mil milhões de componentes, esse presente é frágil. O sol, o fumar, uma alimentação pouco saudável, até mesmo erros naturais das vossas células, tudo provoca mudanças no vosso genoma. O tipo mais comum de mudança no ADN é a troca simples de uma letra, ou base, como um C, por uma letra diferente, como um T, um G ou um A. Num dia comum, as células do corpo acumularão, no seu conjunto, milhares de milhões dessas trocas de uma letra, também chamadas de "mutações pontuais". A maioria dessas mutações é inofensiva. Mas de vez em quando, uma mutação pontual perturba uma aptidão importante numa célula, ou faz com que uma célula tenha um comportamento nocivo. Se essa mutação fosse herdada dos vossos pais, ou ocorresse cedo o suficiente no vosso desenvolvimento, então o resultado seria que muitas, ou todas as vossas células, conteriam essa mutação nociva. Então, vocês estariam entre as centenas de milhões de pessoas com uma doença genética, como a anemia falciforme, a progéria, a distrofia muscular ou a doença de Tay-Sachs. As doenças genéticas graves causadas por mutações pontuais são especialmente frustrantes porque sabemos frequentemente a exacta alteração de letra que causa a doença o que, em teoria, poderia curar a doença. Há milhões de pessoas a sofrer de anemia falciforme porque têm mutações pontuais de um A para um T em ambas as cópias do seu gene da hemoglobina. As crianças com progéria nascem com um T numa posição única no seu genoma, onde nós temos um C, com a devastadora consequência de estes miúdos maravilhosos e brilhantes envelhecerem muito rapidamente e falecerem por volta dos 14 anos. Ao longo da história da medicina, não temos tido uma forma de corrigir eficazmente as mutações pontuais em sistemas vivos, para mudar aquele T, que os adoece, para um C. Talvez até agora, porque recentemente o meu laboratório conseguiu desenvolver essa capacidade, a que nós chamamos "edição de bases". A história de como desenvolvemos o editor de bases começou, na verdade, há três mil milhões de anos. Nós pensamos nas bactérias como fontes de infecção, mas as bactérias propriamente ditas também são propensas a ser infectadas, em particular por vírus. Então, há cerca de 3 mil milhões de anos, as bactérias desenvolveram um mecanismo de defesa para combater a infecção viral. Esse mecanismo de defesa é agora mais conhecido por CRISPR. E a bomba do CRISPR é esta proteína roxa que age como uma tesoura molecular para cortar o ADN, quebrando a hélice dupla em duas partes. Se o CRISPR não conseguisse distinguir entre ADN bacteriano e viral, não seria um sistema de defesa muito útil. Mas a característica mais incrível do CRISPR é que a tesoura pode ser programada para procurar, ligar e cortar apenas uma sequência específica de ADN. Quando uma bactéria encontra um vírus pela primeira vez, ela pode armazenar um pequeno fragmento do ADN desse vírus para ser usado como um programa para direccionar a tesoura CRISPR para cortar essa sequência de ADN viral durante uma infecção futura. Cortar o ADN de um vírus perturba a função do gene viral cortado e, portanto, interrompe o ciclo de vida do vírus. Pesquisadores extraordinários, incluindo Emmanuelle Charpentier, George Church, Jennifer Doudna e Feng Zhang mostraram, há seis anos, como a tesoura CRISPR poderia ser programada para cortar sequências de ADN à nossa escolha, inclusive sequências no vosso genoma, em vez das sequências de ADN viral escolhidas pelas bactérias. Mas os resultados são semelhantes. Cortar uma sequência de ADN no vosso genoma normalmente, também perturba a função do gene cortado, geralmente gerando a inclusão e a exclusão de misturas aleatórias de letras de ADN no local do corte. A interrupção de genes pode ser muito útil para algumas aplicações. Mas, para a maioria das mutações pontuais que causam doenças genéticas, o simples corte do gene que já sofreu mutação não beneficiará os pacientes, porque a função desse gene precisa de ser restaurada, não ainda mais perturbada. Assim, cortar esse gene da hemoglobina que já sofreu mutação e que causa a anemia falciforme não restaurará a capacidade dos pacientes de produzir hemácias saudáveis. Embora, às vezes, possamos introduzir novas sequências de ADN nas células para substituir as sequências de ADN ao redor de um local de corte, infelizmente esse processo não funciona na maioria dos tipos de células, e os consequentes genes perturbados ainda predominam. Como muitos cientistas, sonhei com um futuro em que conseguiríamos tratar, ou até mesmo curar, doenças genéticas humanas, mas vi a inexistência de uma forma de corrigir as mutações pontuais, que causam a maioria das doenças genéticas humanas, como um grande obstáculo. Como sou químico, comecei a trabalhar com os meus alunos para desenvolver formas de usar a química directamente numa base de ADN individual e realmente corrigir, em vez de interromper, as mutações que causam doenças genéticas. Os resultados de nosso esforço são máquinas moleculares chamadas "editores de bases". Esses editores usam o mecanismo de busca programável da tesoura CRISPR, mas, ao invés de cortar o ADN, convertem directamente uma base em outra sem perturbar o restante do gene. Se pensarmos em proteínas CRISPR naturalmente existentes como tesouras moleculares, podemos pensar nos editores de bases como lápis, capazes de substituir directamente uma letra de ADN por outra, reorganizando realmente os átomos de uma base de ADN para, em vez disso, se tornar numa base diferente. Os editores de bases não existem na natureza. Na verdade, projectámos o primeiro editor de bases, mostrado aqui, a partir de três proteínas independentes que nem sequer vêm do mesmo organismo. Começámos por pegar em tesouras CRISPR e desactivar a capacidade de cortar ADN, mantendo, porém, a sua capacidade de procurar e ligar uma sequência de ADN de uma maneira programada. A essas tesouras CRISPR alteradas, mostradas a azul, anexamos uma segunda proteína, a vermelho, que realiza uma reacção química na base C do ADN convertendo-a numa base que se comporta como T. Terceiro, tivemos de anexar às duas primeiras proteínas a proteína mostrada a roxo, que evita que a base editada seja removida pela célula. O resultado final é uma proteína manipulada de três partes que nos permite, pela primeira vez, converter Cs em Ts em localizações especificadas no genoma. Mas mesmo nesta fase, o nosso trabalho estava apenas a meio, porque, para ser estável nas células, os dois filamentos de uma dupla hélice de ADN têm de formar pares de bases. Como C faz par apenas com G, e T só faz par com A, a simples mudança de um C para um T, num filamento de ADN, cria uma incompatibilidade, um desacordo entre os dois filamentos de ADN que a célula tem de resolver decidindo o filamento a substituir. Percebemos que poderíamos, além disso, projetar essa proteína de três partes para sinalizar o filamento não editado como aquele a substituir pelo corte desse filamento. Esse pequeno corte engana a célula para substituir o G não editado por um A, uma vez que recria o filamento cortado, completando assim a conversão do que costumava ser um par de bases C-G num par de bases T-A estável. Após vários anos de trabalho árduo liderado por uma das pós-doutorandas do laboratório, Alexis Komor, conseguimos desenvolver esta primeira classe de editor de bases, que converte Cs em Ts, e Gs em As, em posições específicas à nossa escolha. Entre as mais de 35 mil mutações pontuais conhecidas, associadas a doenças, os dois tipos de mutações que esse primeiro editor de bases pode reverter são, juntos, responsáveis por cerca de 14% ou cerca de 5 mil mutações pontuais patogénicas. Mas corrigir a maior fracção de mutações pontuais causadoras de doenças exigiria o desenvolvimento de uma segunda classe de editor de bases, uma que pudesse converter As em Gs, ou Ts em Cs. Liderados por Nicole Gaudelli, outra pós-doutoranda do laboratório, começámos a desenvolver esta segunda classe de editor de bases, que, em teoria, poderia corrigir até quase metade das mutações pontuais patogénicas, incluindo a mutação que causa progéria, a doença do envelhecimento rápido. Percebemos que poderíamos pedir emprestado, mais uma vez, o mecanismo de direccionamento da tesoura CRISPR para trazer o novo editor de bases para o local certo num genoma. Mas rapidamente encontrámos um problema incrível: não há uma proteína conhecida que converta A em G, ou T em C, no ADN. Diante de um obstáculo tão sério, a maioria dos alunos provavelmente procuraria outro projecto, ou outro orientador de pesquisa. (Risos) Mas a Nicole concordou em prosseguir com um plano que, na época, parecia desmesuradamente ambicioso. Dada a ausência de uma proteína natural que realize a química necessária, decidimos desenvolver a nossa própria proteína em laboratório para converter A numa base que se comporta como G, a partir de uma proteína que realiza uma química parecida sobre o ARN. Montámos um sistema de selecção darwiniano de sobrevivência do mais apto, que explorou dezenas de milhões de variantes de proteínas e permitiu apenas aquelas variantes raras que poderiam realizar a química necessária para sobreviver. Acabámos com uma proteína mostrada aqui, a primeira que pode converter um A do ADN, numa base parecida com G. Quando anexámos essa proteína à tesoura CRISPR desactivada, mostrada a azul, produzimos o segundo editor de bases, que converte As em Gs e utiliza, depois, a mesma estratégia de corte de filamento que usámos no primeiro editor de bases para enganar a célula na substituição do T não-editado por um C, conforme recria o filamento cortado, completando assim a conversão de um par de bases A-T num par de bases G-C. (Aplausos) Obrigado. (Aplausos) Como cientista académico nos EUA, não estou habituado a ser interrompido por aplausos. (Risos) Desenvolvemos estas duas primeiras classes de editores de bases apenas há três anos e há um ano e meio. Mas mesmo neste curto período, a edição de bases tornou-se amplamente usada pela comunidade de pesquisa biomédica. Os editores de bases foram enviados mais de 6 mil vezes a pedido de mais de mil pesquisadores em todo o mundo. Já se publicou uma centena de trabalhos de pesquisa científica usando editores de bases em organismos que variam desde bactérias a plantas, ratos e primatas. Embora os editores sejam muito novos para entrarem em ensaios clínicos com seres humanos, há cientistas que conseguiram alcançar um marco decisivo rumo a esse objectivo usando editores de bases em animais para corrigir mutações pontuais que causam doenças genéticas humanas. Por exemplo, uma equipa colaborativa de cientistas liderada por Luke Koblan e Jon Levy , dois estudantes do meu laboratório, usou recentemente um vírus para alcançar essa segunda edição de bases num rato com progéria, mudando o T causador da doença para um C, invertendo as suas consequências no ADN, no ARN e nos níveis de proteína. Os editores de bases também têm sido usados em animais para inverter as consequências da tirosinemia, da beta-talassemia, da distrofia muscular, da fenilcetonúria, de uma surdez congénita e de um tipo de doença cardiovascular, em cada caso, pela correcção directa de uma mutação pontual que causa ou contribui para a doença. Nas plantas, os editores de bases têm sido usados para introduzir mudanças individuais de uma única letra do ADN que podem levar a melhores colheitas. Os biólogos têm usado editores de bases para investigar o papel de letras individuais em genes associados a doenças como o cancro. Duas empresas que ajudei a fundar, a Beam Therapeutics e a Pairwise Plants, estão a usar a edição de bases para tratar doenças genéticas humanas e aperfeiçoar a agricultura. Todas essas aplicações da edição de bases ocorreram em menos de três anos, o que, na escala de tempo histórica da ciência, seria um piscar de olhos. Há mais trabalho pela frente antes de a edição de bases poder concretizar todo o seu potencial para melhorar a vida de pacientes com doenças genéticas. Embora muitas dessas doenças sejam consideradas tratáveis pela correcção da mutação subjacente, mesmo numa modesta fracção de células de um órgão, a distribuição de máquinas moleculares como editores de bases em células de um ser humano pode ser desafiadora. A escolha de vírus da natureza para distribuir editores de bases, em vez das moléculas que causam uma constipação, é uma das várias estratégias promissoras de distribuição que tem sido usada com sucesso. Continuar a desenvolver novas máquinas moleculares que possam tornar todos os restantes modos de converter um par de bases em outro e minimizar a edição indesejada em locais fora do alvo nas células é muito importante. E envolver-se com outros cientistas, médicos, eticistas e governos, para maximizar a probabilidade de que a edição de bases seja aplicada de modo ponderado, seguro e ético, continua a ser um dever crucial. Apesar desses desafios, se alguém me tivesse dito, há apenas cinco anos, que pesquisadores em todo o mundo usariam máquinas moleculares desenvolvidas em laboratório para converter directamente um par de bases noutro par num local específico do genoma humano, de forma eficaz e com um mínimo de outros resultados, eu ter-vos-ia perguntado: "Que livro de ficção científica andam vocês a ler?". Graças a um grupo de alunos continuamente dedicados, criativos o suficiente para construir o que nós mesmos poderíamos projectar e corajosos o bastante para desenvolver o que não conseguíssemos, a edição de bases começou a transformar essa aspiração de ficção científica numa nova realidade empolgante, na qual o presente mais importante que damos aos nossos filhos não são apenas 3 mil milhões de letras de ADN, mas também os meios para protegê-las e repará-las. Obrigado. (Aplausos)