Eu venho do movimento desde quando
eu tava privado de liberdade, né?
Desde quando eu tava na
unidade penitenciária
eu reivindicava e lutava pelos
direitos das pessoas LGBTQIA+.
São dois olhares:
primeiro por você ser uma mulher trans
e segundo por você usar
uma tornozeleira.
Então aí você já pensa como que a
sociedade vê com outros olhos isso.
eu fiquei preso por três anos e
eu vi pessoas indo e voltando
por três, quatro, cinco vezes, né?
Quando eu saí, que eu fui
trabalhar com essa população,
que eu fui trabalhar com
essas pessoas egressas...
eu fui entender, né?
Que elas saem, abrem o portão,
e elas não têm pra onde ir.
Elas não têm família.
Então a grande maioria volta
pra prostituição,
pra drogadição e situação de rua.
Então, como a gente pode esperar
e lutar por curso e qualificação
se essas pessoas não têm o mínimo?
O mínimo, que é uma cama,
um chuveiro,
pra que ela possa, a partir dali,
sabendo que ela tem um espaço pra
dormir, pra fazer a sua higiene pessoal,
pra se alimentar, pra descansar...
A partir dali sim. Aí a gente
pode trabalhar a questão
da qualificação, da empregabilidade,
da reinserção social.
Então, a partir desse trabalho,
desse olhar, desse entendimento,
nós começamos a lutar por esse
Centro de Referência, esse albergamento.
Aqui a gente vai poder oferecer
uma qualificação,
aqui a gente vai poder
oferecer uma vivência.
Que nem eu falei no início...
melhor uma moradia.
Olha, vai ser muito bom,
porque até então eles não
teriam um lugar de apoio, né?
Saía e ia diretamente pra rua.
Então o Centro de Referência vai
dar essa oportunidade pra eles
pra nós no caso, né?
Então, a partir do momento que
a gente oportuniza essa pessoa
e trata ela com dignidade e respeito,
independente da orientação sexual dela,
a partir dali ela consegue se
compreender enquanto um eu,
um ser de direitos,
que merece respeito, que
merece oportunidade, né?
Para a partir dali, ela poder
seguir em frente.
Acolhimento pra mim é como
se fosse um abraço de pai e de mãe.
Porque a pessoa sendo acolhida,
ela vai se sentir assim, falando:
"Poxa, tem alguém preocupado comigo.
Tem alguém interessado em me ajudar".
Então, acolhimento pra mim é assim.
É abraço de pai, mãe, vó...
de toda a família, que tá
abraçando a causa junto
pra poder dar aquela
melhoria pra aquela pessoa,
independente dela ser trans, gay...
independente do que seja.
Amor
Amor, né?
Pra acolher o próximo tem
que ser amor a ele.
Acolhimento significa,
pra mim, muito amor
Você tem que amar mesmo
pra você estar...
ali, acolhendo...
Ah, eu me sinto mais feliz,
graças a Deus
poder deitar na minha cama,
a hora certa pra dormir.
Acordar e falar:
"Agora tô indo trabalhar."
"Tô indo pro meu curso de manhã cedo."
É uma coisa muito... Que deixa
a gente muito impactada, né?
Porque todo mundo quer
ter uma vida normal.
Ninguém quer ficar ali ficando
com pessoas que não deseja,
fazendo coisas que não deseja.
Todo mundo quer ter essa vida normal.
Poder trabalhar, estudar.
Poder ter seus filhos, criar, falar:
"Ai, meu filho, minha casa,
meu marido, meu esposo."
Então, me sinto muito feliz.
E eu prefiro essa vida do
que qualquer uma outra.
Quando eu entro...
Quando eu entro na penitenciária
masculina, feminina...
e aí eu ouço as pessoas dizendo:
"Ah, eu quero sair, eu quero
ser igual a você."
"Eu quero fazer o mesmo
trabalho que você."
Então eu vejo a importância de
ter pessoas LGBTQIA+ egressas do
sistema ocupando esses espaços.
Então, eu sinto muito
orgulho do que eu faço
das brigas que eu compro,
dos duelos que eu travo
pra defender essas pessoas.
Quando...
quando eu entro lá
e eu vejo que elas se sentem
mais seguras, que elas
se sentem representadas,
que...
que elas têm uma expectativa de sair
de lá, de sair desse mundo do crime,
de...
muitas proporcionar o orgulho
pra família que exclui ela...
Então, nesses momentos eu
sinto muito orgulho
do que eu faço
de todo movimento que a associação,
a organização, faz por essas pessoas.
Todo esse equipamento funcionando
ele é demanda de muitos braços,
mas também demanda
de muito recurso.
Então...
a gente vai precisar de muito empenho
pra fazer isso aqui funcionar
e permanecer funcionando,
conseguindo auxiliar essas pessoas.
Toda a população, ela tem direito
aos seus recursos de cidadania.
O poder público tem que se
comprometer com essas políticas.
A população LGBTQIA+ também
é um cidadão de direito,
uma cidadã...
Sem a ajuda do poder público
eu não vejo nada funcionando.
Então a gente vem trabalhando
justamente pra estruturar,
pra que isso funcione
e tenha continuidade,
pra que o serviço não seja
interrompido do dia pra noite
por falta de alimentação,
porque não tem o dinheiro
pra pagar água,
porque não tem dinheiro
pra pagar assistente social,
porque não tem dinheiro
pra combustível...
Então, sem verba, sem
recurso, sem empenho
e sem o comprometimento do governo,
não só com esse espaço, mas
com os espaços de todo país...
isso não funciona.
Meu sonho pra esse Centro de
Referência é que ele saia do papel.
Não fique só na promessa,
não seja só uma promessa
de campanha pro governo,
pra qualquer um que seja.
Que a partir do momento que a gente
começa a conviver com o próximo,
mesmo que não seja da nossa família,
se torna todos uma família.
Já pensou, um final de semana desses,
a gente chegar aqui
e ver todos ali jogando uma
bola? Que felicidade...
Todos poder tomar um banho de
piscina, então? Meu Deus do céu!
Muita felicidade, né?
Daqui a cinco anos, seis anos, dez anos...
Deixa ele durando...
que aí você vai ver a população
pelo menos pra lá e pra cá.
Já pensou?
Sair daqui uma advogada, sair daqui, um
doutor, uma doutora? Uma coisa...
Nossa, eu vou ficar muito feliz.
Meu sonho é que esse equipamento
ele seja lindo.
Eu penso...
um refeitório com um
lustre,
porque a gente precisa oferecer pra
essas pessoas um serviço de qualidade.
A gente tem que parar de pensar em
serviços pobres pras pessoas pobres, né?
Então eu quero ver o quarto onde
as pessoas vão dormir
com uma cama confortável, com ar
condicionado, com uma coberta, né?
Não, com aqueles seca poço, né?
Quero um refeitório onde a pessoa
possa sentar e comer
olhando uma obra de arte na parede.
Eu quero ver tudo isso aqui funcionando,
as pessoas circulando pra todo lado,
um saindo para trabalhar, o outro
saindo pro atendimento, né?
Então, o meu sonho é que
isso aqui seja ocupado,
ganhe vida
e não que esse espaço ganhe vida,
mas que a vida desse espaço
mude também a vida das
pessoas que vão tá aqui.