Eu morei nos Estados Unidos,
no Brasil e na Holanda.
E, se eu tivesse que resumir a cultura
desses três países numa palavra,
essa palavra, pros Estados Unidos,
seria "competição";
pro Brasil, ela seria "esperança";
pra Holanda, seria "respeito".
Os Estados Unidos são
o país da competição,
porque lá as pessoas acreditam
que a vida é uma competição
e que é preciso vencer, ser um vencedor.
Na Holanda, o importante é o respeito:
eu sou diferente de ti,
mas eu respeito a tua opinião,
mesmo sendo diferente.
A gente concorda em discordar.
A gente vê esse respeito,
muito, até no trânsito,
onde a posição normal é você parar
pra dar passagem pro outro,
mesmo que você esteja na preferencial.
E o pedestre sempre é respeitado,
não só na faixa de segurança,
mas em qualquer [parte da] rua
que ele quiser atravessar.
Os carros param pra que o pedestre
possa atravessar.
O Brasil é o país da esperança.
A gente vive de crise em crise,
mas sempre com a esperança
de que vai dar certo.
"O Brasil é o país do futuro!"
"Olha o futuro chegando aí,
gente, agora vai!"
Uns anos atrás, eu me mudei
com a família pra Amsterdã.
E quando a gente chegou lá,
foi procurar apartamento pra alugar.
Nós vimos um anúncio duma senhora
que estava alugando
um apartamento no mesmo prédio.
A gente foi conhecer o apartamento,
fomos no apartamento dela e ela disse:
"O apartamento é aqui do lado,
no mesmo andar, ele está sendo pintado,
mas vocês podem ver o apartamento.
Eu levo vocês até lá".
A gente foi, bateu na porta,
e atendeu um senhor,
mais ou menos da mesma idade dela,
só que todo coberto de tinta.
E ele disse: "Ah, por favor,
sejam bem-vindos.
Entrem, fiquem à vontade. Eu acabei
de fazer um café, vocês aceitam?"
E eu e minha mulher,
educadamente, agradecemos:
"Não, nós só queremos ver
o apartamento. Nós temos que ir".
E a proprietária disse:
"Ah, eu vou aceitar".
E entrou na cozinha com o homem,
eles ficaram conversando animadamente,
a gente viu o apartamento,
na hora de sair nos despedimos,
o pintor veio até a porta,
se despediu de nós,
e, na saída, eu perguntei pra ela:
"É o seu marido?"
Ela disse: "Não, é um pintor
que eu contratei".
E eu e minha mulher
ficamos muito espantados,
porque eles se trataram como iguais.
A gente pensou: "No Brasil,
a gente não faz assim".
No Brasil a gente tende
a colocar o pintor, o operário,
numa outra classe social.
A gente não trata eles como iguais,
e eles não tratam a gente como iguais.
A Holanda é extremamente igualitária,
e isso despertou
o meu interesse em cultura.
Então eu comecei a pesquisar
esse assunto, cultura,
e descobri que países diferentes,
comunidades diferentes,
ensinam versões diferentes
do que é certo e o que é errado,
o que é adequado e o que não é adequado.
E, nessa minha busca por cultura,
eu descobri um iceberg.
O iceberg da cultura.
Eu descobri que a cultura
tem uma parte visível,
que fica na superfície do iceberg,
que são os rituais, os símbolos,
os heróis de cada cultura,
o jeito como a gente se veste,
o tipo de comida que a gente come.
Mas existe uma parte muito mais importante
que fica abaixo da superfície;
que não se vê.
E essa parte são os valores.
Os valores de cada cultura
é que determinam
como a gente se comunica
e qual é o nosso estilo de trabalho
e estilo de relacionamento.
E do lado desse iceberg da cultura,
eu descobri um pesquisador holandês,
o Geert Hofstede.
O Hofstede fez pesquisa estatística
sobre valores em diferentes culturas.
E ele basicamente concluiu
que existem cinco dilemas básicos
que todas as culturas precisam resolver,
e resolvem de um jeito ou de outro.
Esses cinco dilemas básicos são:
hierarquia versus igualdade,
individualismo versus coletivismo,
desempenho versus qualidade de vida
e cuidar dos outros,
controle da incerteza
versus "deixa correr",
e flexibilidade versus normativismo.
Aí tudo começou a fazer mais sentido.
Com esses cinco dilemas,
eu comecei a entender a cultura.
Mas vamos ver como é
que isso funciona na prática.
Esta pessoa aqui, de branco,
é o primeiro-ministro da Tailândia.
Então por que ele está sentado no chão?
Porque a pessoa atrás da mesinha
é o rei da Tailândia.
A Tailândia é uma cultura
muito hierárquica.
E nas culturas hierárquicas existe
o que se chama "distância de poder".
A distância de poder é muito grande.
Os símbolos de status são muito evidentes.
A diferença de status é muito evidente.
Mesmo entre as duas
principais posições do país.
Este aqui
é o primeiro-ministro da Suécia.
A Suécia é uma cultura igualitária.
O primeiro-ministro da Suécia
está na fila do caixa automático,
esperando a sua vez, como todo mundo.
Nas culturas igualitárias,
até existe hierarquia também,
mas ela é mais sutil,
ela é mais discreta.
A distância de poder é menor.
Esta aqui
é a princesa da Dinamarca.
A Dinamarca também é
uma sociedade igualitária,
de baixa distância de poder.
Então por que esta princesa
está sendo tratada com tapete vermelho
e com as pessoas jogando
pétalas de flores aos seus pés?
Porque ela não está na Dinamarca.
Ela está visitando a Tailândia,
e é assim que os tailandeses
tratam a realeza,
mesmo a realeza de outros países,
que não seja a deles.
Esta foto é muito importante
porque ela demonstra
que quem determina
se uma sociedade é hierárquica
ou se ela é igualitária
não é quem está no topo da pirâmide,
é quem está na base da pirâmide.
Quem faz a ditadura não é o ditador.
É o povo que aceita uma ditadura
ou que às vezes até deseja
uma ditadura ou um governo forte.
A princesa da Dinamarca jamais
seria tratada dessa forma na Dinamarca.
Talvez por isso ela goste
de visitar a Tailândia.
(Risos)
Isso tudo começa na infância.
Quando a gente tem
menos de dez anos de idade,
é que a gente aprende a noção
do que é certo e o que é errado,
como se relacionar com as pessoas,
se existe distância de poder ou não.
E a gente aprende isso
não com o que as pessoas dizem pra gente,
mas a gente aprende por observação.
A gente vê o que os pais,
o que os vizinhos,
o que os professores,
o que os colegas estão fazendo,
e a gente aprende por imitação.
Quando eu era pequeno, em Porto Alegre,
e os meus pais estavam
recebendo visitas na sala,
e eu e a minha irmã
entrávamos na sala pra brincar,
eles diziam: "Vão brincar lá fora.
Nós vamos ter uma conversa de adultos".
E a gente ia.
E a gente aprendeu que neste mundo
existem algumas pessoas
que têm mais poder, os adultos,
e outras pessoas têm menos, as crianças.
Hoje, eu moro na Holanda,
quando eu vou visitar
o meu vizinho na casa do lado
e os filhos dele
entram na sala pra brincar,
ele para de conversar comigo
e inclui as crianças na conversa.
Então essas crianças
aprendem que, neste mundo,
todo mundo tem
mais ou menos o mesmo poder.
O poder está distribuído de uma forma
mais igualitária na comunidade.
Eventualmente, na Holanda,
nós encontramos uma casa,
mudamos pra essa casa
e um dia bateu na porta um sujeito
que se identificou
como sendo da prefeitura.
E ele disse: "Existe um parquinho aqui
no fim da rua e nós vamos reformá-lo,
a prefeitura vai reformar o parquinho.
Nós estamos fazendo
uma pesquisa aqui na rua
pra saber quais são os brinquedos
preferidos das crianças deste bairro,
pra que a gente possa garantir
que esses brinquedos,
que são os preferidos,
vão ser colocados no parquinho novo.
O senhor tem crianças pequenas em casa?"
Eu disse: "Sim. Eu tenho duas meninas
de quatro e cinco anos de idade.
Elas gostam do escorregador, da roda..."
E ele disse: "Não.
Por favor, elas estão em casa?
Eu quero falar com elas".
(Risos)
O meu queixo caiu no chão
e rolou pela calçada.
Isso jamais aconteceria no Brasil.
Ele não queria falar comigo.
Ele queria falar diretamente
com as minhas filhas.
Agora imaginem
que tipo de sociedade é criada
quando se tem esse tipo
de atitude com as crianças?
As crianças são tratadas
como gente desde pequeninhas,
e não como projeto de gente,
como a gente gosta de falar.
O outro dilema que existe,
de valores na cultura,
é individualismo versus coletivismo.
No individualismo,
as pessoas assumem
mais responsabilidade individual.
Elas expressam a sua opinião individual,
mesmo que isso possa ferir outra pessoa,
porque o mais importante é você cumprir
a sua responsabilidade
para com a sua própria consciência;
e a opinião dissidente
é problema do outro.
Nessas comunidades, a tarefa
é mais importante do que o relacionamento.
Na sociedade coletivista, é o oposto.
O grupo é mais importante
do que o indivíduo.
As pessoas pertencem a diferentes grupos,
e dentro de cada grupo
se evita o confronto,
se evita expressar opiniões dissidentes.
Pode haver conflito
entre um grupo e outro,
mas dentro do mesmo grupo
se evita o conflito.
O terceiro dilema que eu quero mencionar
é entre desempenho ou qualidade de vida.
As duas coisas são importantes.
Em todas as sociedades têm desempenho
e têm a necessidade de ter
qualidade de vida e de cuidar dos outros.
Mas, se você tem que escolher
entre desempenho ou
qualidade de vida numa situação,
dependendo da cultura você cai
pro lado do desempenho
ou você vai pro lado da qualidade de vida.
Eu não vou falar
sobre os outros dois dilemas,
porque senão não dá pra fechar 18 minutos,
mas vamos dar uma olhadinha
em alguns dados de pesquisa.
Este é o perfil do Brasil.
O Brasil é uma cultura
de alta distância de poder;
é uma cultura mais coletivista
do que individualista,
o individualismo é relativamente baixo;
está bem equilibrado em termos
de desempenho ou qualidade de vida,
está mais ou menos
no equilíbrio entre os dois;
nós temos alto controle da incerteza;
e nós temos alta flexibilidade.
Vamos comparar com os Estados Unidos.
É bem diferente.
Os Estados Unidos têm
baixa distância de poder,
é uma sociedade mais igualitária
do que o Brasil.
Os Estados Unidos têm alto individualismo,
é o país mais individualista do mundo.
Os Estados Unidos também têm
maior orientação pra desempenho
do que pra qualidade de vida,
comparado com o Brasil,
e têm menos necessidade
de controlar a incerteza
e têm menos flexibilidade do que o Brasil.
Mas vamos ver a Holanda,
só pra ter uma outra comparação.
Aí vocês veem que a Holanda
é semelhante aos Estados Unidos
em termos de distância de poder,
é igualitária.
Também é bastante individualista,
quase tanto quanto os americanos,
agora, em termos
de orientação pra desempenho
é muito mais baixo.
Claramente os holandeses
preferem, privilegiam
a qualidade de vida do que o desempenho.
Em termos de controle da incerteza
é um pouquinho mais alto
que os americanos.
Em termos de flexibilidade,
está no meio-termo
entre Brasil e Estados Unidos.
O que tudo isso significa na prática?
Imaginem uma reunião de trabalho.
Uma reunião de trabalho nos Estados Unidos
é voltada pra ação,
pra discutir e decidir.
E o chefe decide quem vai fazer o quê.
Na Holanda,
a reunião é voltada pra descobrir
quais são as opiniões
das diferentes pessoas.
O resultado é secundário,
o importante é que todo mundo seja ouvido,
e o chefe é mais um coordenador
que ajuda o grupo todo a decidir.
Como é uma reunião de trabalho
típica no Brasil?
A reunião é uma plataforma
pro chefe anunciar a decisão
que ele já tomou antes da reunião.
E ninguém discute
o que o chefe já decidiu.
Se você quiser influenciar a decisão,
você tem que falar com o chefe
antes da reunião.
Na reunião não dá pra contrariar.
Então isso dá um estilo
de trabalho diferente.
O Brasil é hierárquico
e, como ele tem uma cultura hierárquica,
o Brasil também tende a achar que existe
uma hierarquia entre os países.
Então a gente acha que alguns países
são mais bacanas do que outros.
A gente tende a admirar
os Estados Unidos, a Europa,
e a gente tende a desprezar
a África e o resto da América Latina.
A gente gosta de imitar os americanos,
os franceses, os alemães,
e, por exemplo, quando a gente
estuda administração na faculdade,
quase tudo que a gente estuda
veio dos Estados Unidos.
Só que alguns conceitos
precisam ser adaptados.
Por exemplo: feedback.
Feedback, a gente aprende
que é uma coisa legal,
que todo mundo deve praticar.
Nos Estados Unidos, funciona.
No Brasil, o feedback é diferente.
Você não dá feedback pro seu chefe.
Quando seu chefe dá feedback pra você,
é porque alguma coisa
você fez que ele não gostou.
E você não vai se arriscar
e dar feedback pro seu chefe,
porque se ele não gostar do feedback,
ele te bota na rua.
Então isso precisa ser adaptado;
antes de se fazer alguma coisa
noutra cultura.
O Brasil não precisa imitar os outros,
tem muita coisa que a gente faz melhor
do que os americanos e os holandeses.
Por exemplo, esse conceito de mutirão.
Se a gente quiser mobilizar as pessoas,
é muito mais fácil
mobilizar as pessoas no Brasil.
Se eu precisasse da ajuda de vocês
aqui, pra reorganizar o palco,
tirar este X daqui e botar lá no fundo,
era só pedir que logo iam aparecer
três ou quatro pra fazer isso.
Se eu pedisse a mesma coisa na Holanda,
as pessoas iam me olhar e dizer assim:
"Será que isso é uma boa ideia?
Mas por que você quer fazer isso?
Vamos discutir".
E iam discutir duas horas
e sem chegar à conclusão nenhuma.
Então, nós temos muita coisa
a aprender com outros,
mas nós temos também
muita coisa a ensinar.
Não existe nenhuma cultura
que seja melhor do que outra.
O importante é que a gente
precisa ter a mente aberta.
O que eu aprendi, indo
de uma cultura pra outra,
trabalhando em diferentes países,
é que é importante perguntar pra aprender.
Escutar mais do que falar.
E as próprias perguntas devem ser curtas.
Tipo: "Por quê?", "Como?"
Dessa forma, a gente consegue
se colocar no lugar do outro,
e realmente aprender.
Isso tudo é importante,
porque a gente precisa aprender
a olhar pro problema certo.
Se a gente discutir problemas de cultura,
sem olhar pros valores,
a gente pode estar olhando
pro lado errado.
E, se a gente quiser mudar a cultura,
a gente precisa reeducar os adultos,
mas a gente precisa, principalmente,
mudar o estilo de educação das crianças.
Em casa e na escola.
Enquanto a gente continuar educando
as crianças de uma forma autoritária,
nós vamos continuar criando
uma sociedade hierárquica.
Se quisermos uma sociedade
mais igualitária,
nós precisamos mudar o estilo de educação
pra que seja mais igualitário.
Pra isso a gente precisa
mexer nos valores.
Os valores são o caminho das pedras
pra gente poder mudar a cultura.
No fundo, nós somos todos diferentes,
nós não somos iguais,
mas nós temos o mesmo valor,
nós somos equivalentes.
Obrigado.
(Aplausos)