1
00:00:04,635 --> 00:00:06,730
Estamos na Antiga Galeria Nacional
em Berlim,

2
00:00:06,730 --> 00:00:08,789
olhando um quadro de
Caspar David Friedrich.

3
00:00:08,789 --> 00:00:10,382
A Abadia na Floresta de Carvalho.

4
00:00:10,382 --> 00:00:13,285
É uma pintura grande, e é parte de um par

5
00:00:13,285 --> 00:00:15,495
que incluiu "O Monge à Beira Mar".

6
00:00:15,495 --> 00:00:18,634
Essa é uma imagem muito sombria,
e realmente é

7
00:00:18,634 --> 00:00:21,486
um exemplo perfeito da forma como
Friedrich usava a paisagem

8
00:00:21,486 --> 00:00:25,285
de modo a representar temas
da vida humana.

9
00:00:25,285 --> 00:00:26,974
e do Divino.

10
00:00:26,974 --> 00:00:29,118
Correto, e nesta pintura vemos

11
00:00:29,118 --> 00:00:31,744
as ruínas de uma abadia,
uma velha abadia,

12
00:00:31,744 --> 00:00:36,786
e uma procissão de figuras que entram
nesta abadia em ruínas,

13
00:00:36,786 --> 00:00:38,069
carregando um caixão.

14
00:00:38,069 --> 00:00:40,512
Imediatamente temos a sensação da
passagem do tempo,

15
00:00:40,512 --> 00:00:43,762
da transitoriedade da existência humana...

16
00:00:43,762 --> 00:00:46,999
Também estamos olhando, ao que
parece, o pico do inverno,

17
00:00:46,999 --> 00:00:49,081
e talvez seja o pôr do sol.

18
00:00:49,081 --> 00:00:51,851
Se você olhar para o que reata da
arquitetura

19
00:00:51,851 --> 00:00:54,739
você tem, em primeiro lugar,
essa sensação desesperada

20
00:00:54,739 --> 00:00:57,066
das próprias ruínas.

21
00:00:57,066 --> 00:01:00,502
Você vê esta velha janela alta e estreita
que está degradada.

22
00:01:00,502 --> 00:01:01,951
Nenhum vidro sobrou.

23
00:01:01,951 --> 00:01:04,850
E você tem uma sensação real da grandeza


24
00:01:04,850 --> 00:01:07,683
do espaço original, mas agora
tudo que resta é apenas

25
00:01:07,683 --> 00:01:11,513
a futilidade da experiência humana,
a futilidade do esforço humano.

26
00:01:11,513 --> 00:01:16,884
E vemos que a natureza é eterna,

27
00:01:16,884 --> 00:01:19,267
mas o que o homem cria é passageiro.

28
00:01:19,267 --> 00:01:22,199
Você tem os monges em pessoa em seu

29
00:01:22,199 --> 00:01:23,500
milenar ritual do enterro.

30
00:01:23,500 --> 00:01:26,417
Mas você vê que o cemitério 
que os circunda na neve

31
00:01:26,417 --> 00:01:30,596
não é bem cuidado, está abandonado,
e parece estar ele próprio

32
00:01:30,596 --> 00:01:32,184
caindo em degradação.

33
00:01:32,184 --> 00:01:35,720
A abadia remete à tradição medieval,

34
00:01:35,720 --> 00:01:36,988
mas agora está decaída.

35
00:01:36,988 --> 00:01:39,666
Mais velhos do que isso são os carvalhos,

36
00:01:39,666 --> 00:01:41,890
que poderiam ter representado,
para Friedrich,

37
00:01:41,890 --> 00:01:44,731
as tradições druidas, as tradições
pré-cristãs,

38
00:01:44,731 --> 00:01:49,185
esses carvalhos verdadeiramente antigos,
nodosos, e terrificantes

39
00:01:49,185 --> 00:01:51,955
em suas silhuetas, mas que falam
de uma tradição,

40
00:01:51,955 --> 00:01:55,165
como testemunhas de que são ainda
mais antigos que o Cristianismo.

41
00:01:55,165 --> 00:01:58,601
E acima disso, a lua crescente, e o céu;

42
00:01:58,601 --> 00:02:01,433
quando você estava falando, essa é a
natureza para onde eu estava

43
00:02:01,433 --> 00:02:03,151
olhando, que é permanente,

44
00:02:03,151 --> 00:02:05,999
que é transhistórica, que
vai além até mesmo

45
00:02:05,999 --> 00:02:08,652
do crescimento e da morte das árvores.

46
00:02:08,652 --> 00:02:10,748
Certamente além da arquitetura,
do empenho do homem.

47
00:02:10,748 --> 00:02:14,749
A lua não tendo a sensação do cosmos,

48
00:02:14,749 --> 00:02:16,772
mesmo estando acima das estações da Terra.

49
00:02:16,772 --> 00:02:19,679
Correto, e por isso você tem essa
sensação da dimensão humana,

50
00:02:19,679 --> 00:02:21,929
você tem essa sensação da 
dimensão da natureza,

51
00:02:21,929 --> 00:02:24,601
e então você tem essa sensação da dimensão
do espaço de Deus.

52
00:02:24,601 --> 00:02:27,880
E, de fato, se há algum otimismo
nesta imagem,

53
00:02:27,880 --> 00:02:29,321
é aquela lua.

54
00:02:29,321 --> 00:02:32,570
É a meia lua crescente, e pode
minguar ainda mais

55
00:02:32,570 --> 00:02:35,116
e se tornar uma Lua Nova, 
mas então irá se regenerar

56
00:02:35,116 --> 00:02:37,263
e há essa possibilidade de renascer.

57
00:02:37,263 --> 00:02:39,150
Você mencionou que é o pico do inverno,

58
00:02:39,150 --> 00:02:40,649
mas a primaverá virá.

59
00:02:40,649 --> 00:02:44,132
E mesmo que ela pareca bem longe agora,
nessa espécie de

60
00:02:44,132 --> 00:02:47,815
crepúsculo sombrio, há essa sensação de
que haverá renovação,

61
00:02:47,815 --> 00:02:51,336
Assim, podemos ter uma indicação da
ressurreição

62
00:02:51,336 --> 00:02:55,412
nos ciclos da lua, temos as cruzes que são

63
00:02:55,412 --> 00:02:59,571
uma parte do cemitério,
temos a cruz que é parte da

64
00:02:59,571 --> 00:03:03,771
ruína da abadia, e essa indicação
da ressurreição.

65
00:03:03,771 --> 00:03:07,037
Acho que o mais interessante sobre
Friedrich é que

66
00:03:07,037 --> 00:03:10,751
ele está impondo uma paisagem com um

67
00:03:10,751 --> 00:03:15,262
significado muito, muito sério,
quase como se, no passado,

68
00:03:15,262 --> 00:03:18,421
as pessoas olhassem para a iconografia das

69
00:03:18,421 --> 00:03:23,061
pinturas cristãs, e Friedrich está à
procura de uma linguagem moderna

70
00:03:23,061 --> 00:03:27,629
com a qual expressar esses sentimentos
humanos transhistóricos,

71
00:03:27,629 --> 00:03:31,297
considerando o nosso papel no universo,
e tentando dar um sentido,

72
00:03:31,297 --> 00:03:35,237
a todas essas camadas do tempo
às quais você se referiu antes.

73
00:03:35,237 --> 00:03:38,133
Exatamente! Friedrich está buscando
uma nova

74
00:03:38,133 --> 00:03:41,154
maneira de representar essas questões
eternas, e faz sentido que

75
00:03:41,154 --> 00:03:44,280
o faça assim, porque estamos no início

76
00:03:44,280 --> 00:03:47,400
do século XIX. Friedrich vive agora em uma
cultura racional,

77
00:03:47,400 --> 00:03:50,075
e a ideia de usar a iconografia
da Renascença,

78
00:03:50,075 --> 00:03:51,895
ou mesmo do Barroco, seria impensável.

79
00:03:51,895 --> 00:03:52,782
Não faria sentido

80
00:03:52,782 --> 00:03:55,609
E assim Friedrich, o artista que foi
treinado em Copenhague,

81
00:03:55,609 --> 00:03:58,599
que tiha crescido em Greifswald,
que era então parte da Suécia,

82
00:03:58,599 --> 00:04:01,212
na costa sul do mar Báltico,

83
00:04:01,212 --> 00:04:03,234
está olhando para a muito extrema, gelada,

84
00:04:03,234 --> 00:04:06,498
paisagem do norte, como uma forma
de expressar

85
00:04:06,498 --> 00:04:08,788
essas ideias do eterno

86
00:04:08,788 --> 00:04:10,917
[legendado por Tiago Lemes Palhano Bordin]