Nessa época do ano passado, fiz uma série de vídeos sobre design para deficiências, onde avaliei as opções e decisões de design que os desenvolvedores poderiam empregar para fazer seus jogos mais acessíveis a jogadores com deficiências. Analisei paletas de cores para daltônicos, áudios visíveis, controles customizáveis e modos de ajuda opcionais. Foi fascinante ver as formas que os jogos poderiam ser moldados para serem mais acessíveis, mas também foi triste ver quando jogos foram negligentes, excluindo jogadores. Agora, doze meses depois, achei um bom momento para checar de novo e ver como a indústria está. Nas últimas semanas joguei 50 dos jogos mais relevantes lançados em 2019, desde grandes blockbusters como Death Stranding e Ghost Recon: Breakpoint, até indies como Overland e Untitled Goose Game. Quis ver onde eles tiveram sucesso e onde tiveram problemas em termos de acessibilidade. Isso foi o que descobri: Parte 1 - Áudio O primeiro grande jogo de 2019 foi da Capcom, o aterrorizante Resident Evil 2, que assustou toda uma nova geração, com ajuda desse grandão de chapéu: Mr. X. Você passará a maior parte do tempo correndo desse pesadelo imparável e imortal, apenas prevendo sua posição ao escutar seus passos barulhentos. A menos, é claro, que você seja surdo ou com baixa audição. Isso porque RE2 não oferece reforço visual dos passos de Mr. X, tornando-o quase indetectável para quem tem deficiências auditivas. CanIPlayThat.com apelidou o jogo de "impossível de jogar para surdos e jogadores de baixa audição e um fracasso completo de acessibilidade". Outros jogos esse ano fizeram tentativas de transmitir efeitos sonoros para quem não pode ouvi-los. Far Cry: New Dawn oferece legendas de som para coisas como tiros e explosões, com pequenas flechas que apontam para a fonte do som. Em Gears 5, aquele trecho musical que simboliza que todos os inimigos morreram é escrito como "música se acalma". No jogo, rastros de bala inimigos são, por padrão, mostrados como linhas amarelas bem visíveis para ajudá-lo a ver de onde os tiros vêm. Outro jogo que vale citar é Apex Legends, com seu sistema de marcador. Permite que você destaque áreas, inimigos e objetos para o time com legendas de voz e indicação visual, permitindo que comuniquem coisas importantes em um jogo multiplayer, mas sem o áudio. Claro, um traço muito importante para surdos e deficientes auditivos são as legendas para o diálogo falado. E esse ano teve alguns ótimos exemplos de fontes grandes, nome do falante e grande contraste com o fundo. O enlouquecedor FPS da Remedy, Control, tem legendas fáceis de ler. Star Wars jedi: Fallen Order oferece imensas legendas se você quiser. E Metro Exodus emprega fundos pretos e nomes dos falantes. A maioria desses deixa você customizar as legendas por conta própria, em um menu com diferentes opções. Também neste ano, a Ubisoft experimentou deixar legendas como padrão. E viu que, em Far Cry: New Dawn, enormes 97% dos jogadores as mantiveram ligadas. Outros jogos oferecem legendas como opção antes mesmo de começar. Vale também mencionar que todos os jogos que joguei esse ano têm legendas. O que não deveria ser mencionado, mas no fim de 2018, Activision lançou Spyro Reignited Trilogy sem qualquer legenda nas cutscenes principais. Por sorte, foram adicionadas em um pacote esse ano. Mas ainda há muitos exemplos de legendas imperfeitas. Muitos jogos falham em incluir o nome do falante por indicação ou cor diferente. Jogos como Borderlands 3 e RAGE 2 botam muito texto em uma linha, forçando-o a correr pela tela toda para ler as legendas. Alguns jogos não sincronizam texto e áudio, como em Planet Zoo, onde o ator diz "Centro de Troca" e a legenda diz "Armazém Animal". Jogos ainda falham em incluir legendas para todas as partes do jogo. Em FIFA 20, os comentaristas não têm legenda, a cutscene inicial de RAGE 2 não tem legenda, e Breakpoint não transcreve nem alguns gritos de inimigos, fazendo com que te surpreendam. Além disso, alguns ainda usam fontes livres ao invés de textos com sans serif. Enquanto as de Devil May Cry 5 e Sekiro não sejam ruins, Blasphemous tem fonte pixelada gótica que é, bem, uma blasfêmia. E, finalmente, existem as famigeradas legendas pequenas. Crackdown 3 tem texto minúsculo para ser lido lutando com inimigos, e The Surge 2 tem legendas microscópicas. Mas legendas não são o único lugar onde haverá texto pequeno. O que nos traz à parte dois. Parte 2 - Visual Tamanho de texto é a área onde os jogos mais falham em acessibilidade. Não só legendas, mas em toda a interface, arquivos colecionáveis e tela de opções. The Outer Worlds continua sendo ilegível, devido a plavrinhas em toda a UI. O texto em Fire Emblem: Three Houses é pequeno na TV, e minúsculo no Switch. E Death Stranding tenta ser descolado com a UI enfeitada, mas é difícil vê-la de longe. O pior crime de 2019 é simulador tático do Baba Yaga, John Wick Hex, que escreve informação importante com tamanho de 4 milímetros. Por sorte, outros jogos usam tamanho de fonte bem mais legível. Em Outer Wilds, rumores no computador são bem legíveis em distâncias variadas, o mesmo vale para a UI em Kingdom Hearts III e as telas de tradução em Heaven´s Vault. Outro jogos oferecem a opção de escolher seu próprio tamanho de texto, como o drama investigativo Disco Elysium, e o horror gótico de Sunless Skies. Planet Zoo, Ghost Recon: Breakpoint e Borderlands 3 deixam você alterar toda a UI, fazendo tanto texto quanto ícones mais visíveis. Isso não é importante só para acessibilidade, porque conforme vamos para uma era onde o mesmo jogo pode ser transmitido em sua grande TV ou seu pequeno celular, UI escalável terá de ser a regra. Outra área onde alguns jogos brilharam foi dar a opção de trocar fontes especiais para outras mais fáceis de ler. Untitiled Goose Game deixa você mudar a lista de tarefas cursiva para uma fonte mais básica. E Overland é um dos únicos jogos esse ano a oferecer uma escolha de fonte feita para ajudar quem tem dislexia. Certos jogos esse ano usam um leitor de tela, para que o jogo leia o texto. É assim que Eagle Island soa quando clicando nos menus: LEITOR DE TELA: "Controles - Salvar - Game - Usar analógico direito". E Apex Legends pode trocar texto do chat por voz, e voz por texto de chat, então você não perderá pessoas falando do seu nível baixo. LEITOR DE TELA: TADEthePRO diz 'Level 2 - omg - por quê?'. Finalmente, mais jogos estão dando chance de ler texto no próprio ritmo. Bloodstained não avança de fala até que você pressione um botão, e Tangle Tower permite pausar o diálogo a qualquer momento. Tempo está sempre correndo no "space sim" Outer Wilds, mas você pode pausar o jogo enquanto lê textos. E Kingdom Hearts III deixa desacelerar o tempo ao clicar nos menus. Outra área chave da acessibilidade visual é o daltonismo. E esse ano houveram ótimas abordagens ao problema. A Color Dungeon em The Legend of Zelda: Link´s Awakening DX não era muito legal para quem tem deuteranopia. Mas o atual remake do Switch adiciona formas distintas de inimigos e buracos diferentes no chão para ajudar na distinção de cores. Far Cry: New Dawn tem um modo simples de daltonismo, que faz elementos chaves da tela ficarem rosas ou amarelos. Total War: Three Kingdoms permite trocar a paleta de cores das suas facções E RE2 deixa escolher a cor do laser de suas armas para distingui-la do fundo. Apex Legends tem uma boa propriedade, com três paletas e uma prévia de como as cores novas se parecerão logo no menu. E The Outer Worlds não dá informações somente por design de cores, já que um dos diretores da empresa é daltônico. Mas alguns jogos ainda usam esses filtros de tela, que não funcionam como esperado e só têm efeito de tornar o jogo feio. O filtro tela cheia de Protanopia em Modern Warfare, por exemplo, não impede nomes vermelhos de misturarem-se ao fundo em momentos chave. Por sorte, a série Call of Duty mudou há tempos de times verdes e vermelhos para vermelhos e azuis. Alguns jogos ainda usam cor como única forma de dar informação. Em Death Stranding, as barras em suas entregas vão de amarelo a vermelho para indicar o quão frágeis estão. E mais uns arranhões. Essas barras são praticamente idênticas a alguns tipos de daltonismo. Mérito do usuário do Twitter RazorBeamz por indicar isso. Fornecer mais clareza visual é uma bom jeito de aliviar problemas de daltonismo e ajudar com outras deficiências visuais. Em Eagle Island, você pode escurecer o fundo para deixar o primeiro plano mais visível. E pode botar contornos em inimigos e objetos para eles se destacarem. Em FIFA 20, você pode ampliar os indicadores de jogador. E em Ghost Recon: Breakpoint, pode não só ampliar a UI, mas pode sombrear indicadores para se destacarem do fundo. Parte 3 - Motora Um dos recursos mais pedidos, em termos de acessibilidade, é a opção de remapear controles de jogo. Isso deixa jogadores com deficiências motoras colocarem funções essenciais em lugares fáceis, evitando comandos difíceis como touchpads e botões sob os analógicos. Infelizmente, alguns jogos ainda não dão qualquer opção de controles, como o remake de Zelda, o moderníssimo entregador de Death Stranding e o motoqueiro dos zumbis em Days Gone. Outros já vêm predefinidos. Crackdown 3, The Outer Worlds, Resident Evil 2 e Wolfenstein Youngblood te fazem escolher entre layouts dos desenvolvedores. Não é ruim, mas não é bom o bastante. Mas estou muito satisfeito em ver quantos jogos este ano deixam escolher a configuração de botões. The Surge 2, Team Sonic Racing, e Sekiro: Shadows Die Twice remapeiam tudo. E Devil May Cry 5 mostra a importância de oferecer isso em jogo, ao invés de confiar no remapeamento do sistema, deixando adaptar as entradas para seus três personagens: Nero, Dante e V. Apex Legends e Borderlands 3 vão além, e deixam não só mudar botões, mas dão controle profundo sobre sensibilidade da câmera e zona morta do olhar. Há assistência de mira e opções de troca de foco entre os alvos. Vale citar o Overland, o jogo todo pode ser jogado apenas com o mouse, ou só com controle, ou só com teclado. São opções fortíssimas que abrem o jogo para uma ampla gama de jogadores. O melhor do ano é Gears 5. Remapeando controles, fazendo a câmera seguir o personagem, e mirando com o analógico esquerdo com a arma para cima, você pode basicamente jogar com uma mão. Complicaddo, mas possível, graças a uma ampla gama de opções de acessibilidade. Pokémon Sword and Shield é notável também, pelo controle causal, que mapeia todos os botões importantes em um joy-con do Switch, possibilitando jogar com só uma mão. Essa elaborada opção é especialmente bem-vinda depois do desastroso e inacessível Pokemón Let´s Go, que forçava jogadores a usarem gestos pesados para jogar pokébolas. Alternâncias são chave também, como visto em Crackdown 3 com a trava de mira. Em Borderlands 3, mirando, correndo e agachando. E em Yoshi´s Crafted World, onde "apressado" e "paciente" para jogar ovos são sobre presionar ou segurar o botão de mira. Isso impede que jogadores precisem segurar o botão por um grande período, o que pode ser impossível com algumas deficiências motoras. Infelizmente, nem todos pegaram o recado: é preciso segurar o botão de travar mira em DMC 5, e Team Sonic Racing devia ter copiado do Mario Kart 8 a opção de auto-direção. A maioria permite desligar as batidas rápidas de "quick time events" hoje em dia, mas não há tal opção em Jedi: Fallen Order. Parte 4 - Dificuldade Finalmente, vamos falar um pouco sobre configuração de dificuldade em jogos. Oferecer desafios mais brandos pode dar a jogadores com deficiências mais tempo para lidar com ameaças, mas também deixa qualquer nível de habilidade ingressar nos jogos. Este ano, vimos muitos jogos com várias opções de dificuldade. E a linguagem usada nelas está muito melhor. Ao invés de infantilizar os que escolhem o fácil, os jogos desse ano falam sobre se sentir poderoso, ou apenas focar na trama. A natureza exata das dificuldades é normalmente descrita ao jogador. Em Astral Chain, o modo Unchained fará os combos difíceis, mas não dará ranqueamento. Em RE 2, a dificuldade Assisted completa a sua vida. Certos desenvolvedores notam quais níveis são desejados pelos designers, o que é ótimo. Super Mario Maker 2 continua a campanha da Ninendo de modo de assistência, com a opção de descer blocos e itens e botá-los nos níveis para auxílio. E o modo Mallow do Yoshi te dá vôo infinito para planar pelos níveis, perfeito para jogadores muito novos. E também no Switch, há a ação ritmada "roguelike" de Cadence of Hyrule, que espera que os jogadores movam-se na batida da música. Não sei se não ter senso rítmico conta como deficiência, mas sou realmente grato pelo modo Fixed-Beat, que deixa mover-se sem seguir a batida da música. Mas há Sekiro: Shadows Die Twice. Sim, você viu esse vindo. Não quero refazer a discussão que a internet fez no lançamento do jogo porque há o bastante em artigos, vídeos e tuítes zangados por aí sobre ter modos fáceis ou não. Mas vale ressaltar que o jogo mais recente da FromSoftware é menos acessível que os notórios Dark Souls e Bloodborne. Isso é porque tira elementos chave, como subir de nível ou convidar um amigo para ajudar com chefes. Sekiro até oferece opções de acessibilidade, como remapeamento do controle e trocas, mas nada que faça o jogo menos exaustivo. Acho que Sekiro se destaca em um ano em que desenvolvedores tentaram tornar os jogos o mais acessível que pudessem, normalmente com esquemas opcionais e modos que não afetam a experiência dos aptos ou dos jogadores "hardcore". Não quer dizer que não há deslizes. Está claro que os jogos ainda têm um longo caminho em acessibilidade, com erros chatos, como texto muito pequeno, propriedades que não funcionam com daltonismo, e bobagens como o aumento de UI e legendas de Borderlands 3 que fazem o texto sair de tela. Ops. É especialmente agravante quando um jogo faz grandes avanços em uma área, mas tropeça em outras, como Control, com legendas enormes, mas tem texto da UI pequeno. Ou publicadores inconsistentes entre seus jogos; mais notável na Nintendo, que tem grandes propriedades em certos jogos, mas falta qualquer opção em outros. E mais: Vemos alguns jogos onde opções de acessibilidade são adicionadas meses após o lançamento, com pacotes para download. Antes tarde do que nunca, é claro, mas não é de bom tom quando jogadores com certas deficiências têm de esperar eras pra jogar títulos grandes da Sony, como Days Gone. Ainda assim, estou impressionado pelos avanços vistos em 2019. Ubisoft continua a líder da indústria nesse espaço, com propriedades incríveis em Far Cry New Dawn, The Division 2, e Ghost Recon Breakpoint. Microsoft está ótima também: Gears 5 tem uma grande variedade de opções, de modos de daltonismo, remapeamento de botões até filtros de "gore" e de palavrões, tornando-se um dos jogos mais completos do ano. Respawn trabalha duro com grandes opções em Apex Legends e Star Wars Jedi: Fallen Order. Borderlands 3 tem várias opções pensadas, o que é bom para a série, que sofreu com isso no passado. Overland e Eagle Island estão repletos de propriedades de acessibilidade, mesmo sendo feitos por times indie pequenos. E jogos "hardcore" ultra-desafiadores como DMC 5 e Astral Chain querem que todos juntem-se, oferecendo áreas de treino, combos com assistência e dificuldade fácil. Mas os que querem desafio não terão problemas para encontrá-lo. Acima de tudo, é impressionante ver como quase todo o jogo grande este ano inclui de algum modo de acessibilidade, ou um menu de acessibilidade. E estúdios como Microsoft, Ubisoft e EA estão publicando informação sobre suas opções de acessibilidade online, para que jogadores informem-se antes de comprar. Microsoft, que dedicou o comercial do Superbowl 2019 para o controle adaptativo do Xbox. E o Clã FaZe do Fortnite, que aceitou a surda Ewok, que destrói em competições graças ao inteligente visualizador de áudio. Porque jogos são para todo mundo. Talvez os desenvolvedores só precisem dar algumas opções extras. Olá, muito obrigado por assistir! Obrigado ao especialista de acessibilidade Ian Hamilton, novamente, pela assistência e sabedoria. Esse talvez tenha sido meu vídeo mais caro já feito, e é sobre... opções de acessibilidade? O que há de errado comigo!? Mas isso é plenamente possível graças aos apoiadores do GMTK, que ajudam no Patreon ou compram produtos do canal na minha loja na Teespring. Detalhes de ambos podem ser encontrados na descrição abaixo.