A segunda metade do século passado foi definida por uma revolução tecnológica: a revolução do "software". A capacidade de programar eletrões num material chamado silício viabilizou tecnologias, empresas e indústrias que eram inimagináveis para muitos de nós, mas que vieram alterar a forma como o mundo funciona. Contudo, a primeira metade deste século vai ser transformada por uma nova revolução de "software": a revolução de "software" vivo, potenciada pela capacidade de programar a bioquímica num material chamado biologia. Quando o fizermos, poderemos aproveitar as propriedades da biologia para gerar novos tipos de terapias, para reparar tecidos danificados, para reprogramar células defeituosas ou até construir sistemas operativos programáveis a partir da bioquímica. Se conseguirmos fazê-lo — e temos de o conseguir — o seu impacto será de tal dimensão que a primeira revolução de "software" será quase irrelevante em comparação, porque o "software" vivo irá transformar toda a medicina, a agricultura e a energia, e estes são os setores que fazem as áreas dominadas pela TI parecerem pequenas. Pensem em plantas programáveis que fixam o azoto de forma mais eficaz ou resistem a agentes patogénicos fúngicos emergentes ou pensem em programar as colheitas para serem perenes em vez de anuais para poderem duplicar a produção anual. Isso irá transformar a agricultura e a forma como alimentamos a nossa população crescente. Pensem em imunidade programável, poder desenhar e aproveitar dispositivos moleculares que guiam o sistema imunitário para detetar, erradicar e até evitar doenças. Isso irá transformar a medicina e a forma como mantemos saudável a crescente população envelhecida. Já temos muitas das ferramentas que tornam possível o "software" vivo, Podemos editar genes com precisão com o CRISPR. Podemos reescrever o código genético uma base de cada vez. Até podemos criar circuitos sintéticos que funcionam a partir do ADN. Mas perceber como e quando manejar estas ferramentas ainda é um processo de tentativa e erro. É necessário um conhecimento profundo e anos de especialização. É difícil descobrir protocolos experimentais e, muito frequentemente, difíceis de reproduzir. Em biologia, temos a tendência de nos focarmos muito nas partes, mas todos sabemos que não é a estudar penas que aprendemos a voar. Programar biologia ainda não é tão simples como programar um computador E, para piorar a situação, os sistemas vivos não se parecem com os sistemas artificiais que todos nós programamos, todos os dias. Ao contrário dos sistemas artificiais, os sistemas vivos geram-se e auto-organizam-se, automaticamente, funcionam à escala molecular. Estas interações, a nível molecular, produzem, geralmente, resultados à escala macroscópica. Podem até autorreparar-se. Pensem, por exemplo, na humilde planta doméstica como a da lareira lá de casa, que nos esquecemos sempre de regar. A planta tem de acordar todos os dias, apesar da nossa negligência, e perceber como distribuir os seus recursos. Vai crescer, fazer fotossíntese, produzir sementes ou flores? Uma decisão que tem de ser feita ao nível de todo o organismo. Mas a planta não tem um cérebro para controlar isso tudo. Tem de fazê-lo com as células das folhas. Elas têm de reagir ao meio envolvente e tomar decisões que afetam toda a planta. De qualquer forma, tem de existir um programa dentro dessas células, um programa que reage aos sinais e informações exteriores e determinam como a célula vai agir. Então, esses programas devem operar de forma distribuída por cada uma das células, para se poderem coordenar e a planta poder crescer e florir. Se entendermos estes programas biológicos, se conseguirmos entender a informática biológica transformaremos a forma como entendemos a forma e a razão por que as células fazem o que fazem. Porque, se entendermos estes programas poderemos depurá-los quando uma coisa corre mal. Ou poderemos aprender como conceber os circuitos sintéticos que exploram o poder informático da bioquímica. A minha paixão por esta área levou-me a uma carreira em investigação na interseção da matemática, das ciências computacionais e da biologia. No meu trabalho, concentro-me no conceito de biologia, enquanto informática. Isso significa entender como é que as células calculam, e como podemos descobrir estes programas biológicos. Comecei a fazer estas perguntas juntamente com colaboradores brilhantes da Microsoft Research e da Universidade de Cambridge. Queríamos entender o programa biológico de um tipo único de célula: uma célula estaminal embrionária. Estas células são únicas porque são totalmente ingénuas. Podem transformar-se em tudo o que quiserem: um neurónio, uma célula do coração, de um osso, do pulmão, qualquer tipo de célula adulta. Esta simplicidade distingue-as das outras células, mas também captou a imaginação da comunidade cientifica, que entendeu que, se pudéssemos utilizar esse potencial, teríamos uma ferramenta muito poderosa para a medicina. Se conseguirmos descobrir como estas células decidem tornarem-se determinado tipo de célula, poderemos utilizar essa informação para gerar as células necessárias para reparar tecidos mortos ou danificados. Mas chegar aí tem os seus problemas. até porque estas células só aparecem seis dias depois da conceção e ao fim de um dia desaparecem. Ativaram os diferentes caminhos que formam todas as estruturas e órgãos do corpo adulto. Mas os destinos das células são muito mais plásticos do que imaginávamos. Há 13 anos cientistas mostraram uma coisa revolucionária. Ao inserir alguns genes numa célula adulta, por exemplo, numa célula da pele, é possível transformar essa célula devolvendo-lhe o estado ingénuo. É um processo conhecido como ''reprogramação'', e permite-nos imaginar um tipo de utopia das células tronco, a capacidade de agarrar numa amostra das células do paciente, devolver-lhes o estado simples e utilizar essas células para fazer aquilo de que o paciente precisa, sejam células cerebrais ou células cardíacas. Mas, durante a década passada, descobrir como mudar o destino de uma célula ainda é um processo de tentativa e erro. Mesmo nos casos em que descobrimos protocolos experimentais de sucesso eles ainda não são eficazes e falta-nos a compreensão fundamental de como funcionam e porquê. Se descobrirmos como transformar uma célula tronco numa célula cardíaca, isso não nos diz como transformar uma célula tronco numa célula cerebral. Então, nós queríamos perceber o programa biológico que funciona no interior de uma célula tronco embrionária e entender o processamento realizado por um sistema vivo, começando com uma pergunta extremamente simples: O que é que este sistema tem de fazer? A informática, atualmente, tem uma série de estratégias para lidar com o que o "software" e o "hardware" têm de fazer. Quando escrevemos um programa ou codificamos um "software", queremos que o "software" funcione corretamente. Queremos desempenho, funcionalidade. Queremos evitar defeitos que podem custar caro. Por isso, quando se escreve um programa, é preciso escrever um conjunto de especificações. É o que o nosso programa deve fazer. Talvez possa comparar o tamanho de dois números ou ordenar números por ordem crescente. Há tecnologias que nos permitem verificar automaticamente se as nossas especificações estão a ser obedecidas, se esse programa está a fazer aquilo que deve fazer. Portanto, a nossa ideia era no mesmo sentido, observações experimentais, coisas que possamos medir no laboratório, que correspondam às especificações do que o programa biológico deve fazer. Só precisávamos de imaginar uma forma de codificar este novo tipo de especificações. Digamos que temos trabalhado no laboratório a medir os genes e descobrimos que, se o gene A está ativo, o gene B ou o gene C parece estar ativo. Podemos anotar essa observação como uma expressão matemática, se pudermos usar a linguagem da lógica: Se A, então B ou C. Ora bem, este é um exemplo muito simples. É só para ilustrar o ponto de vista. Podemos codificar expressões complexas que captam o comportamento de múltiplos genes ou proteínas, ao longo do tempo, através de múltiplas experiências diferentes. Ao traduzirmos as nossas observações em expressões matemáticas, torna-se possível testar se estas observações aparecem ou não, a partir de um programa de interações genéticas. Desenvolvemos uma ferramenta para fazer isto. Conseguimos usar esta ferramenta para codificar observações sob a forma de expressões matemáticas e depois, essa ferramenta ajudar-nos-á a descodificar o programa genético que pode explicar tudo isso. Depois, aplicamos esta abordagem para descobrir o programa genético no interior das células tronco para ver se podemos compreender como induzir esse estado simples. Essa ferramenta já foi construída num solucionador distribuído por todo o mundo para verificação de "software" convencional. Começámos com um conjunto de quase 50 especificações diferentes que gerámos a partir de observações experimentais de células tronco. Ao codificar essas observações nesta ferramenta, conseguimos descobrir o primeiro programa molecular que pode explicar tudo isso. Isto é uma façanha, só por si, não acham? Conseguir reconciliar todas essas observações diferentes não é o tipo de coisa que possamos fazer no verso de um envelope, mesmo que esse envelope seja muito grande. Como obtivemos este tipo de compreensão, conseguimos dar mais um passo em frente. Pudemos usar este programa para prever o que esta célula pode fazer em condições em que não a tínhamos testado. Conseguimos realizar uma experiência virtual. Fizemos isso: Gerámos previsões que testámos no laboratório, e descobrimos que este programa era extremamente preditivo. Disse-nos como podíamos acelerar o progresso até ao estado ingénuo, de forma rápida e eficaz. Disse-nos quais os genes a visar para fazer isso, quais os genes que podiam impedir esse processo. O programa até conseguiu prever a ordem por que os genes deviam ser ativados. Esta abordagem permitiu-nos descobrir a dinâmica do que as células estão a fazer. Desenvolvemos um método que não é específico para as células tronco. Pelo contrário, permite-nos perceber os cálculos que a célula realiza, no contexto das interações genéticas. É de facto um bloco de construção. Precisamos urgentemente de desenvolver novas abordagens para perceber a informática biológica mais amplamente e a diferentes níveis, do ADN ao fluxo de informações entre as células. Só este tipo de compreensão transformativa nos permitirá dominar a biologia de formas previsíveis e fiáveis. Mas, para programar biologia também é necessário desenvolver o tipo de ferramentas e de linguagens que permita que os cientistas investigadores e informáticos concebam a função biológica e compilem essas conceções na máquina codificadora da célula, a sua bioquímica, para podermos criar essas estruturas. É uma coisa semelhante a um compilador de "software" vivo e tenho orgulho em fazer parte duma equipa na Microsoft que está a trabalhar para desenvolver uma. Embora seja um eufemismo dizer que é um grande desafio, se for realizado, será a ponte final entre "software" e "wetware". Mais amplamente, a programação da biologia só vai ser possível se conseguirmos transformar esta área numa coisa interdisciplinar. É preciso criar a ponte entre as ciências físicas e as da vida. e cientistas de cada uma destas disciplinas precisam de poder trabalhar juntos com uma linguagem comum e ter as mesmas perguntas científicas. A longo prazo, vale a pena recordar que as grandes empresas de "software" e a tecnologia com que todos nós trabalhamos todos os dias dificilmente teria sido imaginada na época em que começámos a programar nos "microchips" de silício. Se começarmos hoje a pensar no potencial da tecnologia capacitada pela biologia computacional, veremos alguns desses passos que precisamos de dar para tornar isso numa realidade. Há um pensamento sóbrio de que este tipo de tecnologia pode estar aberto a um mau uso. Se quisermos falar do potencial da programação das células imunitárias, também devemos pensar no potencial das bactérias trabalhada para impedir isso. Pode haver pessoas dispostas a fazer isso. Um pensamento tranquilizador é que — um pouco menos para os cientistas — é que a biologia é uma coisa frágil com que podemos trabalhar. Por isso, programar a biologia não vai ser uma coisa que se possa fazer no barracão do jardim. Mas, como estamos no início, podemos avançar de olhos bem abertos. Podemos fazer as perguntas difíceis podemos implementar as necessárias salvaguardas e, dentro desse âmbito, temos de pensar na ética. Temos de pensar em colocar limites na implementação da função biológica. A investigação na bioética terá de ser uma prioridade. Não pode ser relegada para segundo plano na excitação da inovação científica. Mas o prémio supremo, o destino supremo deste percurso, serão as aplicações revolucionárias e as indústrias revolucionárias em áreas da agricultura à medicina, à energia e aos materiais e até à própria informática. Imaginem, um dia podemos estar a alimentar a sustentabilidade do planeta em relação à energia verde se pudermos reproduzir uma coisa que as plantas descobriram há milénios: como aproveitar a energia do Sol com uma eficácia sem paralelo pelas nossas células solares. Se compreendermos esse programa de interações "quantum" que permitem que as plantas absorvam a luz solar de modo tão eficaz, conseguiremos traduzir isso em circuitos de ADN sintético que oferecem o material para as melhores células solares. Há equipas e cientistas a trabalhar nas bases disto, neste momento, portanto, se dermos a atenção adequada e o investimento adequado, talvez isso possa acontecer dentro de 10 a 15 anos. Estamos no início duma revolução tecnológica. Compreender este antigo tipo de informática biológica é o primeiro passo fundamental. Se conseguirmos percebê-lo, entraremos na era de um sistema operativo que opera um "software" vivo. Muito obrigada. (Aplausos)