Nos primeiros dias da química orgânica, os químicos perceberam que as moléculas são feitas de átomos ligados por ligações químicas. Mas as formas tridimensionais das moléculas eram confusas, porque não eram diretamente observáveis. As moléculas eram representadas usando gráficos simples de ligações como este que vemos aqui. Era evidente para os químicos experientes de meados do século XIX que estas representações planas não podiam explicar muitas das suas observações. Mas a teoria química não oferecia uma explicação satisfatória para as estruturas tridimensionais das moléculas. Em 1874, o químico Van't Hoff publicou uma hipótese surpreendente: as quatro ligações dum átomo de carbono saturado indicam os cantos de um tetraedro. Passariam mais de 25 anos para que a revolução quântica validasse teoricamente esta hipótese. Van't Hoff sustentava a sua teoria apoiando-se na rotação ótica. Van't Hoff reparou que só os compostos que continham um carbono central, ligado a quatro átomos ou grupos diferentes, faziam rodar a luz polarizada plana. Nitidamente, esta classe de compostos tinha qualquer coisa de especial. Reparem nas duas moléculas que veem aqui. Cada uma delas caracteriza-se por um átomo de carbono central tetraédrico ligado a quatro átomos diferentes: bromo, cloro, flúor e hidrogénio. Podemos ser tentados a concluir que as duas moléculas são as mesmas, se só nos preocuparmos com aquilo de que são feitas. Mas vejamos se podemos sobrepor as duas moléculas, perfeitamente, para provar que são realmente idênticas. Temos liberdade para rodar e movimentar as duas moléculas, como quisermos. Mas, surpreendentemente, por mais que movimentemos as moléculas, é-nos impossível conseguir uma sobreposição perfeita. Agora, reparem nas vossas mãos. Reparem que as duas mãos têm exatamente as mesmas partes: um polegar, quatro dedos, uma palma, etc. Tal como as duas moléculas em observação, ambas as mãos são feitas da mesma matéria. Além disso, as distâncias entre as partes das duas mãos são as mesmas. O dedo indicador está ao lado do dedo médio, que está ao lado do dedo anelar, etc. Acontece o mesmo nas nossas hipotéticas moléculas. Todas as distâncias internas são as mesmas. Apesar das semelhanças entre elas, as nossas mãos, e as nossas moléculas não são obviamente idênticas. Tentem sobrepor as mãos uma sobre a outra. Tal como já vimos com as nossas moléculas, verão que não conseguem fazê-lo perfeitamente. Agora, juntem as palmas das mãos uma com a outra. Agitem os dois dedos indicadores. Reparem que a mão esquerda parece que está a ver-se num espelho do lado direito. Por outras palavras, as nossas mãos são imagens espelhadas. Podemos dizer o mesmo das nossas moléculas. Podemos virá-las, de modo que uma delas olhe para a outra como num espelho. As nossas mãos — e as nossas moléculas — possuem uma propriedade espacial em comum, chamada quiralidade. Quiralidade significa exatamente o que acabamos de descrever: um objeto quiral não é idêntico à sua imagem no espelho. Os objetos quirais são muito especiais tanto na química como na vida diária. Os parafusos, por exemplo, também são quirais. É por isso que precisamos dos termos parafusos de rosca direita ou de rosca esquerda. Podem não acreditar, mas certos tipos de luz podem comportar-se como parafusos quirais. Comprimidos em cada raio de luz polarizada linear, há elementos direitos e elementos esquerdos que rodam em conjunto para produzir uma polarização plana. As moléculas quirais, colocadas num raio dessa luz, interagem de modo diferente com os dois componentes quirais. Em resultado disso, um dos componentes da luz abranda temporariamente em relação ao outro. O efeito no raio luminoso é uma rotação do seu plano em relação ao plano de origem, a que também se chama rotação ótica. Van't Hoff e químicos posteriores perceberam que a natureza quiral dos átomos de carbono tetraédricos pode explicar este fenómeno fascinante. A quiralidade é responsável por todo o tipo de outros efeitos fascinantes na química e na vida diária. Os seres humanos gostam da simetria, por isso, se olharem à vossa volta, verão que são raros os objetos quirais, feitos pelos seres humanos. Mas as moléculas quirais estão por toda a parte. Fenómenos tão díspares como a rotação ótica, o aparafusar de peças de móveis, e bater palmas, tudo isso envolve esta intrigante propriedade espacial.