Eu sou tradutora. Faço a tradução da Biologia para a Matemática e vice-versa. Escrevo modelos matemáticos que são, no meu caso, sistemas de equações diferenciais, para descrever mecanismos biológicos, tal como o crescimento celular. Basicamente, funciona assim. Começo por identificar os elementos principais que creio podem influenciar o comportamento de um determinado mecanismo ao longo do tempo. Então, formulo suposições sobre a forma como estes elementos interagem entre si e com o seu ambiente. Pode ser algo assim. De seguida, traduzo estas suposições para equações, que podem assemelhar-se a isto. Por fim, analiso as minhas equações e volto a traduzir para a linguagem da Biologia. Um aspecto fundamental dos modelos matemáticos é que nós, que os construímos, não pensamos no que as coisas são. Pensamos no que elas fazem. Pensamos nas relações entre os indivíduos, sejam eles células, animais ou pessoas, e como eles interagem entre si e com o seu ambiente. Por exemplo, O que é que raposas e células imunitárias têm em comum? Ambas são predadoras, porém as raposas caçam coelhos, e as células imunitárias alimentam-se de invasores, tal como as células cancerígenas. Mas, na perspetiva da Matemática, um mesmo sistema qualitativo de equações predador-presa descreverá as interações entre raposas e coelhos, entre células imunitárias e células cancerosas. Os sistemas predador-presa têm sido amplamente estudados na literatura científica, descrevendo interações entre duas populações em que a sobrevivência de uma depende de consumir a outra. Essas mesmas equações oferecem um enquadramento para explicar as interações entre cancro e a imunidade em que o cancro é a presa e o sistema imunitário é o predador. A presa usa todo o tipo de truques para impedir o predador de a matar, desde camuflar-se a roubar o alimento do predador. Isso pode ter consequências muito interessantes. Por exemplo, apesar dos enormes sucessos no campo da imunoterapia ainda há limitações na eficácia em relação a tumores sólidos. Mas se pensarmos numa perspetiva ecológica, tanto o cancro como as células imunitárias — a presa e o predador — precisam de nutrientes, como a glicose, para sobreviverem. Se as células cancerígenas vencem as células imunitárias na disputa por nutrientes no microambiente do tumor então as células imunitárias não conseguirão cumprir a sua função. Este modelo de recursos partilhados entre predador e presa é algo que tenho estudado na minha pesquisa. Recentemente, foi demonstrado, experimentalmente, que restaurar o equilíbrio metabólico no microambiente do tumor, isto é, garantir que as células imunitárias conseguem o seu alimento, pode devolver aos predadores a sua vantagem para combater o cancro, a presa. Isso significa que, se nos abstrairmos um pouco, podemos pensar no cancro como um ecossistema, em que populações heterogéneas de células competem e cooperam pelo espaço e pelos nutrientes, interagem com predadores — o sistema imunitário — migram — as metástases — tudo dentro do ecossistema do corpo humano. O que sabemos sobre a maioria dos ecossistemas da biologia da conservação? Que uma das melhores formas de extinção das espécies não é atingi-las diretamente mas atingir o seu meio ambiente. Então, uma vez que identificámos os componentes chave do meio ambiente do tumor, podemos propor hipóteses e simular cenários e intervenções terapêuticas, tudo de uma maneira totalmente segura e com um custo baixo e atingir diversos componentes do microambiente de uma maneira que mate o cancro sem afetar o hospedeiro, tal como eu ou vocês. E assim, enquanto o objetivo imediato da minha investigação é avançar na investigação e inovação e reduzir o seu custo, a verdadeira intenção, é claro, é salvar vidas. E é isso que eu tento fazer através da modelação matemática aplicada à Biologia, e, em particular, ao desenvolvimento de drogas. É um campo que até relativamente recentemente era considerado marginal, mas que amadureceu. E agora há modelos matemáticos muito bem desenvolvidos, muitas ferramentas préprogramadas, incluindo algumas gratuitas, e uma quantidade crescente de poder computacional à nossa disposição. O poder e a beleza da modelação matemática está em obrigar a formalizar, de forma muito rigorosa, o que pensamos que sabemos. Fazemos suposições, traduzimos em equações, fazemos simulações, tudo para responder à pergunta: Num mundo em que as minhas suposições são verdadeiras, o que posso esperar ver? É uma estrutura conceptual muito simples. É tudo sobre colocar as perguntas certas. Mas pode libertar numerosas oportunidades para testar hipóteses biológicas. Se as nossas previsões coincidirem com as nossas observações, ótimo! — acertámos, então podemos fazer mais previsões mudando um ou outro aspeto do modelo. Se, no entanto, as nossas previsões não coincidirem com as nossas observações, significa que algumas suposições estão erradas, e então a nossa compreensão dos mecanismos chave da biologia subjacente, ainda está incompleta. Com sorte, por se tratar de um modelo, nós controlamos todas as suposições. Então podemos percorrê-las, uma a uma, identificando qual ou quais estão a causar discrepâncias. Podemos então preencher esta lacuna recentemente identificada no conhecimento usando abordagens experimentais e teóricas. É claro, qualquer ecossistema é extremamente complexo, e tentar descrever todas as componentes em movimento não é apenas muito difícil, como não é muito informativo. Ainda há a questão dos prazos de execução, porque alguns processos ocorrem numa escala de segundos, outros em minutos, outros em dias, meses e anos. Nem sempre é possível descartar alguns experimentalmente. E algumas coisas acontecem tão rapidamente ou tão lentamente que poderemos nunca ser capazes de as medir fisicamente. Mas como matemáticos, temos o poder de verificar qualquer subsistema em qualquer escala de tempo e simular efeitos de intervenções que ocorrem em qualquer escala de tempo. Claro que este não é o trabalho de um modelador solitário. Isto tem de acontecer em colaboração com biólogos. E isso exige alguma capacidade de tradução de ambos os lados. Mas começar com uma formulação teórica do problema pode soltar muitas oportunidades para testar hipóteses e simular cenários e intervenções terapêuticas. todas de uma forma totalmente segura. Isso pode identificar lacunas no conhecimento e inconsistências lógicas e pode nos ajudar a orientar para onde devemos olhar e onde pode existir um beco sem saída. Por outras palavras: a modelação matemática pode ajudar-nos a responder a perguntas que afetam diretamente a saúde das pessoas — que afetam a saúde de cada pessoa, na verdade — porque a modelação matemática será fundamental para impulsionar a medicina personalizada. E tudo se resume a colocar a pergunta certa e traduzir isto para a equação correta... e vice-versa. Muito obrigada. (Aplausos)