Em 1913, o Império Otomano
passou a ser governado
por Talaat, Enver e Djemal Pasha.
Sob sua liderança,
um movimento nacional foi organizado
para unificar o povo turco na região
e remover todos os não-muçulmanos de lá.
A presença do povo armênio,
bem como de outras minorias cristãs,
não era propícia
a essa nova ideologia turca
e, assim, os armênios foram sujeitos
a uma descapitalização sistemática,
deportação e, por fim, extermínio.
Passaram-se mais de 100 anos
desde os acontecimentos que marcaram
o início do Genocídio Armênio.
De 1915 ao início da década de 1920,
mais de 1,5 milhão de armênios
perderam a vida
nas mãos do governo turco-otomano.
Mais de 1,5 milhão de vidas
foram encerradas prematuramente,
mais de 1,5 milhão de histórias
nunca serão contadas.
Mas estou aqui hoje para contar a história
de uma sobrevivente do Genocídio Armênio,
minha bisavó, Anna Tutundjian.
A história de Anna começa em Sivas,
na Turquia, onde ela nasceu em 1903.
Ela tinha 11 anos no verão de 1915,
quando oficiais turco-otomanos
chegaram na cidade
e encurralaram todos os armênios.
Os homens e jovens
foram logo separados do grupo,
e Anna assistiu a seu pai, tios
e amados primos serem mortos a tiros.
Pouco depois de os homens
serem separados e mortos,
os bebês foram tirados de suas mães,
incluindo o irmão menor de Anna.
Esses bebês foram enterrados no chão
só com os ombros e a cabeça para fora
e Anna assistiu enquanto
cavalos pisotearam sobre eles.
No final do dia, só sobraram
as mulheres, as garotas e os idosos.
Mas o destino não os separaria
por muito mais tempo.
Pouco depois, os oficiais voltaram,
e ordenaram que todas as mulheres armênias
todos os que sobraram,
evacuassem suas residências.
Anna lembra-se de ajudar sua mãe
a embrulhar e costurar em lençóis
todos os pertences que podiam.
E em pouco tempo, as mulheres,
incluindo Anna, sua mãe e irmãs,
começaram uma marcha da morte,
saindo da Turquia
até o meio do deserto da Síria.
Nessa marcha, elas não tinham outra comida
além daquela que carregaram de casa.
E, como vocês podem imaginar,
isso não durou muito tempo.
Elas andavam o dia todo
e só paravam à noite.
A água era escassa
e Anna diz que em qualquer lugar
que elas vissem uma nascente ou um poço,
tentavam ir até o local encher os jarros.
Mas isso só era possível se conseguissem
sair da caravana sem serem notadas.
Anna conta que estava
com centenas de mulheres e crianças,
e ela recorda que levou
de dois a três dias
até que a primeira dessas mulheres
começasse a abandonar a formação.
Uma manhã, era bem cedo,
antes de a marcha começar novamente,
Anna e suas irmãs estavam em um poço
enchendo seus jarros de água.
Enquanto estavam no poço,
um homem a agarrou.
Anna gritou, chutou e chorou,
suas irmãs correram para chamar a mãe.
Mas até a mãe e as irmãs retornarem,
Anna tinha sido levada.
Ela não sabe aonde o sequestrador a levou,
mas, aos 11 anos de idade,
ele fez dela sua nova esposa.
Apesar de ele já ter uma esposa.
Muitas, na verdade, e ela tornou-se
uma entre as 15 ou 20 meninas armênias
que faziam parte do harém dele.
Anna conta que ele poderia
muito bem deixá-la sozinha,
mas ao mesmo tempo
a chamava de sua "mais linda".
Dentro de um ano,
ela deu à luz uma menina.
E quando tinha 13 anos, deu luz à outra.
Apesar de amar suas filhas,
dia após dia, só pensava em fugir.
Ela sentia falta da mãe e das irmãs
e queria, mais do que tudo,
deixar esse homem.
O problema é que ela nunca estava só.
Nunca havia uma oportunidade sequer
de fazer algo sozinha, quanto mais fugir.
As garotas sempre tinham
que acompanhar umas às outras
não importa onde estivessem
ou o que estivessem fazendo.
Se uma saía da linha,
ou tentava fazer algo sozinha,
elas deduravam umas às outras
na esperança de serem
recompensadas pelo captor.
Uma noite, a menina que deveria
acompanhar Anna ao banheiro
estava muito cansada para fazê-lo.
Ela deixou Anna ir sozinha,
provavelmente pensando
que, por Anna ter duas filhas,
ela iria, faria suas coisas e voltaria.
Mas Anna viu isso
como uma oportunidade de fugir.
E ela o fez.
Correu e conseguiu escapar...
mas sozinha.
Ela correu noite adentro,
e por fim encontrou o caminho
para uma igreja armênia.
Porém, a igreja não pôde ajudá-la
e ela acabou fugindo de lá também.
Ela ainda tinha apenas 13 anos.
Ela encontrou um padre armênio
que a acolheu, ofereceu-lhe abrigo,
e ajudou-a a chegar em Alepo, na Síria,
que na época estava se tornando uma
comunidade de reassentamento improvisada
para todos os armênios que sobreviviam
às marchas da morte pelo deserto.
Anna viveu em um orfanato por anos.
Ela trabalhou com outros sobreviventes,
outras garotas da sua idade,
trabalhando e tecendo tapetes.
E a todo armênio que conhecia, perguntava:
"Você conhece minha família?
Conhece minha mãe?
Você sabe o que aconteceu com elas?"
E um dia, a pergunta dela foi respondida.
"Sim, eu conheço sua mãe e suas irmãs.
Elas estão vivas. Sobreviveram.
Estão vivendo em Marselha, na França."
Com a ajuda da UGAB,
a união geral armênia de beneficência,
uma organização humanitária
da Armênia muito ativa até hoje,
Anna pôde viajar para a França
e finalmente reencontrar-se com sua mãe.
À essa altura, ela tinha
pouco mais de 20 anos.
Esse encontro, no entanto, foi abreviado
porque, sem que Anna soubesse,
do outro lado do mundo,
nos Estados Unidos,
seu futuro marido estava
mudando-se para a França.
Por volta de 1925, meu bisavô
Kevork Malikyan,
vivia nos Estados Unidos
há mais de 20 anos.
Ele era casado
e tinha duas filhas.
Uma delas era uma recém-nascida,
e sua esposa estava tendo dificuldade
em produzir leite e amamentar
quando foi aconselhada a congelar o seio.
Isso resultou em uma pneumonia
e ela faleceu,
deixando Kevork sozinho
para cuidar das duas meninas.
Ele conseguiu lidar por um tempo
com a ajuda de alguns familiares.
Mas eles logo começaram a dizer:
"Isso é demais para nós.
Você precisa casar de novo.
Você precisa encontrar uma esposa
e alguém para cuidar das meninas".
Disseram a ele que havia
uma grande comunidade de armênios
vivendo em Marselha.
Ele poderia ir até lá, encontrar
uma esposa e trazê-la para casa.
Então ele o fez.
Em 1925, meu bisavô foi para Marselha.
Ele acabou na fábrica de tapetes,
onde Anna estava trabalhando
e passou a admirá-la.
Ele, então, encontrou a mãe dela,
falou sobre suas intenções.
e na hora em que Anna chegou
do trabalho aquela noite,
os preparativos estavam todos feitos.
Kevork e Anna casaram-se no dia seguinte.
Logo depois de sua pequena
cerimônia de casamento,
eles embarcaram em um navio
e vieram para os Estados Unidos.
Kevork e Anna tiveram mais três filhos.
A primeira, nascida em 1927, é minha avó.
Mais crescida, minha avó soube
que sua mãe era uma sobrevivente
do Genocídio Armênio.
Ainda assim, o genocídio
nunca era mencionado
exceto em termos genéricos, como:
"Os horrores que os armênios viveram",
ou "Os crimes que os turco-otomanos
cometeram conosco".
Depois do falecimento de Kevork em 1962,
Anna começou a receber
cartas de parentes na Turquia.
Quando minha avó questionou-a
sobre estas cartas,
ela disse que eram de suas irmãs.
Mas Anna nunca havia falado
sobre essas irmãs antes.
Eram irmãs que, mesmo adultas,
minha avó nem mesmo sabia que existiam.
No começo do verão de 1964,
Anna anunciou que ia visitá-las.
Isso causou muito estresse à minha avó,
porque Anna não havia viajado sozinha
para lugar algum depois de adulta
menos ainda para outro país.
E ela não havia estado na Turquia
desde quando era uma criança de 11 anos.
Mas Anna era teimosa e persistiu,
e, no começo do verão de 1964,
ela voltou para a Turquia.
Quando ela voltou de lá no fim do verão,
ela sentou com a minha avó e admtiu
que as irmãs que ela tinha ido visitar,
as parentes que ela tinha ido visitar,
as mulheres que ela chamava de "irmãs",
não eram suas irmãs de verdade.
Eram suas duas filhas,
as duas que ela abandonou
quando tinha 13 anos.
Nas correspondências
que ela vinha mandando
e recebendo da Turquia,
ela descobriu que seu
sequestrador havia morrido.
Então, pela primeira vez em quase 50 anos,
ela se sentiu segura para voltar
e encontrar essas meninas,
que, é claro, já eram adultas na época.
Levou 50 anos para Anna contar a verdade
sobre o que ela testemunhou dos massacres
e sua experiência de ser
raptada e estuprada.
E...
enquanto eu podia ter escolhido contar...
Quando escolhi contar a história de Anna,
eu poderia ter contado a história
de qualquer um dos meus bisavós,
todos eles sobreviveram ao Genocídio,
todos passaram por dificuldades
igualmente inimagináveis.
Eu estou aqui hoje por causa
da força que eles tiveram,
e vejo que esta força continua
a ser encarnada todos os dias
nos meus pais e avós.
Eu digo que sou da terceira geração
de armênio-americanos,
mas seria mais adequado dizer
que eu sou da terceira geração
de sobreviventes do Genocídio Armênio,
porque sou trineta de homens e mulheres
que nunca tiveram a oportunidade
de sequer sonhar que eu existiria.
Então eu gosto de pensar que é meu dever
e obrigação contar suas histórias
e manter vivo o legado de todos
os que vieram antes de mim.
Obrigada.
(Aplausos)