Havia um grupo de adultos numa aula de cerâmica, e, sem que eles soubessem, fizeram parte de um experimento social. Metade da turma teve que fazer o melhor jarro possível, e sua nota no semestre inteiro teria como base a qualidade desse único jarro. A outra metade tinha que fazer o máximo de jarros possível: "Não se preocupem com a qualidade. Façam o máximo de jarros possível". Obviamente, o segundo grupo fez muito mais jarros que o primeiro. Se pensaram que eles fizeram jarros horríveis, vocês acertaram, mas só no início. Vejam, no fim do semestre, o segundo grupo também tinha feito os melhores jarros. Minha pergunta é: por quê? Não parece fazer sentido algum. Alguns vão dizer que "a prática leva à perfeição", mas o objetivo desse grupo não era praticar e fazer um bom jarro. Na verdade, fazer um bom jarro teria exigido mais tempo, não menos. Por isso, acho que outra coisa aconteceu. Todos sabemos que temos dentro de nós uma pulsão inata para criar. Freud a chamava isso de "eros" ou "força vital". Ele dizia que nossa pulsão para criar vem do mesmo lugar dentro de nós que nossa pulsão para termos filhos, ou até para sobreviver. E o Sr. Max-Neef ali, com esse nome difícil de pronunciar, disse que a pulsão para criar é uma das principais pulsões humanas, junto com a pulsão por afeição, por compreender o mundo à nossa volta, ou até por liberdade. Então, isso explica por que queremos fazer aulas de cerâmica, não? Ou por que queremos publicar livros, escrever músicas, criar aplicativos. Faz parte da nossa natureza querer criar coisas. É natural. Faz parte de quem somos. Acredito que criar coisas é nossa forma de contribuir com o mundo ao nosso redor. Há uma certa magia, eu acho, em criar algo capaz de perdurar além de nós e ser desfrutado por outras pessoas, em todo o mundo ou em nossa comunidade. Qualquer coisa, desde as pirâmides à comida de "food truck", ou coisas abstratas como partido político, movimentos culturais, ONGs, este prédio em que estamos, a cadeira em que vocês estão sentados, todo este evento.... Tudo isso foi criado por alguém, foi criado para vocês, conhecendo vocês ou não a pessoa que criou; provavelmente não conhecem. Faz parte da nossa natureza querer criar. Mas não é suficiente simplesmente criar coisas, né? Queremos criar algo de que tenhamos orgulho. Queremos deixar um bom legado. Mas logo que você começa e ainda é inexperiente, não adianta, você vai errar. É absolutamente inevitável, certo? Acho que esse é um dos motivos pelos quais adoramos as histórias inspiradoras de empresários multimilionários que começaram, sabe, na garagem de casa, ou do escritor mundialmente famoso recordista de vendas do New York Times que teve uma baita ideia enquanto escrevia algo numa cafeteria. Essas histórias nos fazem acreditar que, se simplesmente esperarmos, talvez tenhamos uma ideia bem bacana e que, por termos tido essa ideia, não vamos começar de baixo; que podemos pular a fase do "péssimo primeiro rascunho" e sermos bons logo de início. Só que essa não é bem a realidade. Sabe, talvez vocês tenham um amigo ou conheçam alguém que esteja esperando esse momento, querendo publicar um livro, mas querendo que seu primeiro livro seja recordista de vendas, enquanto a ideia ainda não saiu nem da mente. Ou alguém que quer abrir um empresa ou lançar um aplicativo e tem certeza de que seu aplicativo será um futuro Google ou Facebook, mas ainda não fez nada, e continua esperando pela ideia. Ele tem certeza de que a ideia virá. Às vezes, é divertido zombar desse modo de pensar, mas acho que é um modo de pensar muito saudável porque os criadores que realmente querem mudar o mundo, que querem fazer algo que seja bom, que querem dar o seu melhor, não são preguiçosos. Eles só estão esperando porque têm orgulho do seu trabalho. Querem fazer algo que seja bom para o mundo. Por isso, ficam esperando essa boa ideia surgir. Acho que é por isso que há tanta ênfase ou debate em torno da ideia ou conceito do péssimo primeiro rascunho. Talvez vocês já tenham ouvido falar, não? É baseado na frase de Hemingway: "O primeiro rascunho é sempre péssimo". Portanto, as pessoas dizem: "Bem, você tem que fazer esse péssimo primeiro rascunho". Para alguém que é criativo e quer criar algo bom, acho um pouco ofensivo. Se você fosse ter um encontro com alguém e te dissessem: "Tá bom. Se você for nesse encontro, você vai achar essa pessoa repulsiva. Mas tudo bem. Vai assim mesmo e, depois, vai melhorar", você nunca sairia com ninguém, sairia? Você esperaria porque, embora tudo bem se você achar a pessoa repulsiva, é melhor não. Embora tudo bem fazer um péssimo primeiro rascunho, se você se considera alguém que quer fazer o seu melhor, o melhor trabalho possível, obviamente é melhor se o seu péssimo primeiro rascunho não seja tão... péssimo. Então, consequentemente, essa ideia ou conselho gera meio que um conflito. Por um lado, as pessoas sabem que você é iniciante, é inevitável. Parece uma conclusão bastante óbvia. E nos dizem: "Olha, não seja perfeccionista". Parece lógico, não? Ao mesmo tempo, queremos fazer nosso melhor e queremos ter orgulho do que fazemos. Ainda que não seja perfeito, pelo menos tentamos ao máximo e dedicamos o nosso melhor. Mas esses dois conceitos são contraditórios. Como é possível dar o seu melhor, mas não ser perfeccionista? As duas coisas não combinam. Então, na mente de uma pessoa criativa, ou se você mesmo tem uma ideia de algo que queira criar, isso gera um conflito interno em você. Você empaca. A maioria das pessoas criativas que querem criar algo, por causa dessa ideia, nunca começam. Fracassam logo no começo, e isso é verdade principalmente quando as pessoas se prendem a padrões cada vez mais elevados. O ruim disso tudo é que essas são as criações de que mais precisamos, não é? E precisamos de pessoas que se pautem por padrões elevados. Vocês são criativos. Tenho certeza de que têm ideias, coisas que querem criar. Talvez uma cafeteria, uma ONG, um fundo de bolsas estudantis. O que aconteceria se essas coisas simplesmente nunca fossem criadas? Seria péssimo, não? É ruim pensar em morrer arrependido de nunca ter lançado aquele projeto que você sempre quis lançar. Mas, se a criatividade é a nossa forma de contribuir com o mundo ao nosso redor, se a criatividade é a forma como nossa civilização se estruturou, todos também estamos perdendo oportunidades. Se este evento nunca tivesse acontecido, nenhum de nós estaria aqui. E estamos vivendo isso hoje, não? Já deixamos passar inúmeras criações de pessoas que simplesmente morreram, bilhões delas. Como seria se o carro jamais tivesse sido inventado? Como seria se não houvesse cura para a pólio? Como seria se não existisse o iPhone? Tipo, tenho idade suficiente pra me lembrar que antes era um saco! Ter que digitar seus contatos à mão era horrível! As decisões que tomamos hoje, as pessoas que estão vivas hoje, no que se refere ao que criamos e não criamos, moldarão o futuro da civilização. O problema é que essa ideia de "tudo bem fazer um péssimo primeiro rascunho" esteja impedindo o desenvolvimento da civilização. Mas se dizer às pessoas que façam um péssimo primeiro rascunho causa esse conflito interno, o que exatamente devemos fazer? Passei os últimos anos estudando pessoas que criaram coisas, desde programas de moda a vestidos-balão e cintos de couro, e diversas outras coisas, e aprendi com elas que elas pensam sobre o início do processo criativo de forma totalmente contrária à maioria das pessoas ou ao que o senso comum determinaria. Alguns anos atrás, tive a ideia de um aplicativo e rascunhei algumas ideias sobre como eu queria que fossem as telas e as enviei a um designer gráfico profissional. Ou seja, eu tinha como fazê-lo bem feito, então era o que ia fazer. Postei no Facebook e pedi a opinião de alguns amigos, "como manda o figurino", certo? É assim que as coisas funcionam, ou a forma que eu achava ser a melhor. Recebi várias boas sugestões de como deixar meu aplicativo ainda melhor. Uma das pessoas que me deram sugestões foi um colega meu de faculdade, um cara muito, muito inteligente e que trabalha para a Google. Então, eu esperava dele opiniões e sugestões "de nível Google" de como melhorar o meu aplicativo o máximo possível. Eu esperava algo mais avançado do que o que recebi dos meus outros amigos. Mas não foi o que aconteceu. Vejam, meu amigo me disse que meu aplicativo era "bom demais". Nunca tinham me dito isso antes. Após tantos anos entregando projetos a professores e chefes, nenhuma vez sequer me disseram: "Está excelente, adorei, mas é bom demais, piore isso". Não é assim que as coisas funcionam, né? Como um cara que sempre deu seu melhor na escola e no trabalho, era uma opinião totalmente diferente da que eu esperava de uma das pessoas mais inteligentes que eu conhecia. Então, não entendi. Mas meu amigo me explicou que, ao deixar o aplicativo com aparência boa, bem acabado, com gráficos bacanas e tudo mais, eu estava, na verdade, sinalizando às pessoas, subconscientemente, que eu estava tão adiantado no processo criativo que não havia o que mais fazer e que eu queria opiniões não exatamente sobre como era o aplicativo, mas sobre a aparência dele, os detalhes de acabamento. Então, por isso, eu corria o risco de criar algo que parecia bem legal, parecia muito bom, mas que não era útil, de fato, para ninguém, exatamente o oposto do que eu queria. Vejam, embora eu estivesse verbalmente pedindo opiniões, eu estava sinalizando que não as queria. Eu achava estar fazendo a coisa certa. Achava estar fazendo algo que se deve fazer, que haviam me ensinado a vida inteira, que meu ego queria muito ter orgulho do meu trabalho. Na verdade, eu estava afastando as opiniões de que eu mais precisava. Estudando cada vez mais criadores, pessoas que criaram coisas desde lojas virtuais a jogos de tabuleiro, percebi o mesmo padrão se repetir. Essas pessoas, elas estavam usando o criar algo meio que péssimo, meio que ruim, não como uma forma de lançá-la rapidamente, mas como uma ferramenta intencionalmente usada para obter opiniões e testar o cerne da sua criação. Então, me dei conta de que, se você quer criar algo excelente no longo prazo - isso vai soar meio estranho - acredito que você precisa começar com o seu pior, intencionalmente, mesmo que possa fazer melhor. Sei que parece absurdo, que parece estranho, que parece que você causaria pane no mundo, que as pessoas ficariam constrangidas e nada funcionaria direito se todos fizéssemos isso. Seria um caos, não? Mas a boa notícia é que, na verdade, temos um exemplo bem sólido de onde isso funciona muito bem, e não são as pessoas; é a natureza. Se pensarmos em como uma árvore funciona, qualquer árvore na Terra tem início como uma semente e, se olharmos pra semente, a árvore seria a pior possível. A semente em nada se parece com uma árvore. E essa é meio que a questão. Um árvore pode crescer num campo aberto ou na parede de um penhasco, mas só consegue crescer nesses lugares porque ela começa pequena e consegue se adaptar ao ambiente. Vejam, a árvore não cresce nem é criada apenas a partir da semente. Há uma colaboração com o ambiente ao redor dela porque ela tem que existir dentro do ambiente. Os animais são assim. As pessoas também. Todos começamos como versões pequenas e meio ruinzinhas do que seremos no futuro e somos criados, de certa forma, em colaboração com o ambiente e em decorrência dele. Como criadores, se quiserem criar algo legal para o mundo, seja lá o que for, vocês não precisam ter absoluta certeza desde o início sobre o que sua criação se tornará no longo prazo. Todo esse modo de pensar: "Ah, ainda não tenha a ideia certa. Ah, só preciso pensar no contorno, no título, na capa perfeita", ou seja lá o que for, não é sua função. Se sua criação precisa existir no mundo, sua única função é tirar algo pequeno, incompleto, ruim feio, para fora da mente, para o mundo, colaborar e receber as opiniões daqueles ao seu redor para te ajudar a definir exatamente o que sua criação se tornará, da mesma forma como a natureza faz. A forma de facilitar esse processo é começar com algo que seja muito ruim. O mais interessante é que eu achava que estava incomodando as pessoas ao pedir opiniões: "Ah, me desculpe, preciso de um enorme favor. Poderia por favor me dar sua opinião sobre o aplicativo? Agradeceria muito". Na verdade, é o contrário. Vejam, certamente todos aqui conhecem a loja IKEA; tipo, a loja de móveis, certo? Existe uma coisa chamada "efeito IKEA". Enquanto eu pesquisava pra fazer esta palestra, confirmei uma observação que tenho realizado, que é: quando você pede a opinião das pessoas, elas adoram colaborar. Então, este é o efeito IKEA: estudos mostram que, quando temos a oportunidade de contribuir em algo, colocamos mais valor nesse algo do que se alguém simplesmente fizesse tudo por nós. E os seus péssimos móveis IKEA são um exemplo disso, daí o nome. Então, quando você cria algo e pede a opinião das pessoas - não sobre como corrigir os erros que você cometeu, mas uma opinião realmente sobre como melhorar sua criação, seja o nome, o título, a estrutura, as cores do seu aplicativo, não importa - você está permitindo que elas participem do processo criativo. Você está dando a elas a oportunidade de satisfazer sua própria pulsão criativa. Se uma pessoa não vivencia isso, se não tem isso em sua vida, essa é uma enorme oportunidade pra ela, ela vai adorar esse processo. Tentem, ou seja, tentem pedir a opinião de alguém sobre algo e vejam qual será a reação dela. É maravilhoso. Quando fizerem isso, quando começarem com o seu pior, vão receber não só um feedback melhor sobre o cerne da sua criação, mas ganharão seus primeiros fãs. As pessoas adoram isso. É bacana. Sei que vocês ouviram a vida inteira que deviam fazer o seu melhor. Todos já ouviram isso: "Faça seu melhor, sempre o seu melhor", para seus professores, para seus chefes, para o mundo, inclusive. Concordo que, quando você entrega um projeto ao seu professor ou ao seu chefe, ou lança, sabe, aquela música, aplicativo ou livro para o mundo, essa é uma ótima estratégia. Realmente acredito nisso. Mas, quando você começa algo novo e cria algo bacana pra o mundo, e talvez não esteja seguro se teve a ideia certa, ou não sabe ainda o quê, ou se tem as habilidades certas, ou seja lá o que for, quando você está nessa situação e quer opiniões e quer criar uma equipe, acho que é melhor começar com o seu pior. Comece com algo ruim e feio. Vejam, fazendo isso, você cria essa equipe, recebe um feedback melhor, e somos programados para adorar o processo de ajudar na melhoria. Está em nossa natureza, exatamente como os adultos na aula de cerâmica. Então, vou deixar algumas estratégias para seus futuros projetos criativos, coisas para se pensar ao começar. Primeiro, façam feio, intencionalmente. Isso é difícil para pessoas acostumadas a deixar as coisas bonitas. Se você é como eu e não sabe fazer as coisas direito, então isso é perfeito. Mas mesmo que você tenha a habilidade de deixar as coisas bem bonitas, dane-se, não faça isso. Deixem passar alguns erros de ortografia, deixem pra lá os gráficos bonitos, usem cartolina, se preciso. Ao fazer isso intencionalmente, você está, na verdade, sinalizando às pessoas que ainda está nos estágios iniciais do seu processo criativo, ainda está definindo como vai ser. Então, ao fazer o seu pior, você vai receber um feedback mais real. Segundo, não crie sozinho. Se sua criação precisa existir no mundo, se for para as outras pessoas e para que os outros a utilizem, não faz sentido criar isolado do ambiente no qual ela vai existir. Você precisa desse feedback, e as pessoas adoram participar. Somos guiados por nossa pulsão criativa, Então, ao fazer o seu pior e ao compartilhar sua criação feia com os outros e pedir a opinião deles, eles vão adorar ajudar. Experimente. E, por último, priorize quantidade em vez de qualidade. O fato em qualquer projeto criativo é que você nunca terá certeza do que vai ou não funcionar enquanto a ideia estiver em sua mente. Não terá. Assim como as árvores produzem várias sementes, nunca se sabe qual vai crescer e qual delas não vai. Façam vários projetos criativos, certo? Eu garanto a vocês que aquilo que vocês podem criar, que vai ficar incrível a longo prazo, será adorado pelas pessoas mesmo quando ainda for muito feio ou ruim. Então, ao fazer o seu pior, você ganha mais oportunidades de descobrir o que você poderia criar e que se transformará em sua melhor criação. Muito obrigado. (Aplausos)