Convido vocês a um despertar coletivo. Um despertar vital, como vamos ver. Há dez anos, realizo um trabalho de prospectiva multidisciplinar, dedicado às vulnerabilidades das sociedades modernas. Em geral, analiso as problemáticas sistêmicas que a humanidade enfrenta e elaboro propostas para lidar com elas, eliminando as "falsas" boas ideias, o que não pode funcionar, ou seja, quase tudo o que nos é apresentado como "soluções". Compartilharei a minha análise, e vocês entenderão por que durmo mal à noite. Na minha palestra, vou enumerar os principais desafios que a humanidade enfrenta. Vou explicar por que as estratégias utilizadas para combater a mudança climática, os desafios das fontes de energia ou da segurança alimentar, por exemplo, são estratégias essencialmente inadequadas e que não consideram o problema principal. Em seguida, vou formular algumas proposições para inspirar, assim espero, atos construtivos e pertinentes, em termos de reflexão e de ação. Vivemos em ambientes que nós mesmos construímos. Em sua maioria, os ambientes urbanos, que ocultam a natureza, bem como os socioculturais e ideológicos, que aniquilam nossa ligação com ela. O avesso de nossos ambientes é um inferno para todas as formas de vida, que tentam sobreviver a nós. Como vou demonstrar, nossa civilização é uma megamáquina que aniquila os seres vivos. Se não detivermos essa máquina louca, nós nos autodestruiremos, levando junto uma infinidade de espécies. É uma autodestruição, possivelmente iminente, considerando as vulnerabilidades das nossas sociedades. E elas se dividem entre os que entenderam que o mundo atingiu os limites físicos e ecológicos e devemos redefinir o comportamento, e entre os que se recusam, em geral por princípios, sem haverem estudado a questão, a própria ideia da limitação, negam que o planeta tem limites, ou até os reconhecem, mas acreditam que não existem limites à capacidade humana de solucionar tais problemas. Essa crença incondicional é uma negação. Acreditar que podemos encontrar soluções e, portanto, manter o sistema inalterado é tentar fazer durar o que é insustentável. Devemos entender que a questão dos limites e das vulnerabilidades sociais não é uma discussão ideológica, tampouco questão de opinião pessoal ou de intuição. Na verdade, em relação às dinâmicas dos sistemas, os especialistas em resiliência das infraestruturas e em ciclos biogeoquímicos, os ecologistas, mostram que o mundo é um sistema complexo regido pela retroação, como efeitos de limiar, dominó e rebote, e que, graças a processos colossais, temos um problema temporal. Abordagens de 20 anos atrás não se aplicam mais. Na verdade, é tarde demais para qualquer "desenvolvimento sustentável". E nenhuma estratégia permitirá encontrar perspectivas desejáveis e viáveis enquanto não considerarmos o problema pelo que ele é: um vício de nosso modelo de civilização. Convido-lhes a visualizá-lo por meio de uma análise sistêmica da situação. O mundo natural é composto de seis "esferas". A primeira é a litosfera, a camada sólida da Terra, de onde são extraídos os combustíveis fósseis dos quais dependemos, os metais, inclusive as terras-raras, a areia para construção, os nutrientes vitais, como o fósforo, e outros. E todos esses mineiras são limitados. Às vezes, é uma questão de reserva, mas geralmente de fluxo. Será que conseguiremos garantir o abastecimento, sobretudo de petróleo, do qual nossas sociedades dependem permanentemente para operarem? A segunda esfera é a hidrosfera, o conjunto das águas do planeta: oceanos, mares, lagos, cursos de água e lençóis freáticos. Ela está em um estado de degradação avançada: poluição, resíduos plásticos e outros, acidificação, aquecimento, elevação dos níveis dos oceanos, salinização, drenagem, zonas mortas. Todos os sinais estão vermelhos. A terceira esfera é a criosfera, formada pelo gelo do planeta: banquisas, inlândsis, geleiras, "permafrost". Vou fazer uma revelação: tudo isso derrete! E o processo está acelerado. A quarta esfera é a atmosfera. Alteramos a sua composição tão rápido que os ciclos de água e de carbono, essenciais à vida, estão desequilibrados. O clima saiu da zona de estabilidade, sem contar a demasiada contaminação por gases e partículas. A quinta esfera é a biosfera, o conjunto dos seres vivos. É uma tragédia assustadora que ocorre por trás de nossos lindos ambientes. Excluindo os seres humanos e os animais de criação, 60% dos vertebrados desapareceram em 44 anos. Os vertebrados! Isso inclui os mamíferos terrestres e marinhos, anfíbios, peixes, répteis e pássaros. Não escutamos a súplica que a natureza nos dirige. Escutem bem: os seres vivos não "desaparecem", nós os exterminamos em razão de nosso estilo de vida. Não é um processo de intenções, é apenas um fato. A sexta e última esfera do mundo natural é a geosfera, o solo. Das terras do planeta, 75% estão em condições críticas em razão de práticas agrícolas intensivas, da urbanização ou das atividades industriais, sobretudo a mineração. Recentemente, as Nações Unidas fizeram um alerta sobre o risco elevado da escassez mundial de alimentos. É assim que se encontra o mundo natural. Agora vocês podem entender por que durmo mal às vezes. Além disso, há uma sétima esfera, a antroposfera: os seres humanos, as atividades e as produções humanas, como as construções, os produtos e os resíduos. A antroposfera está saturada. Há um enorme crescimento que faz com que a pegada ecológica humana, a pressão que exercemos sobre o planeta, ultrapasse atualmente o que ele pode suportar. Eis a pergunta: "Será que nossas sociedades podem durar quando todo o mundo natural está em colapso, em seu limite?" Não. Uma grande crise energética e material se inicia, com problemas logísticos e de escassez. Precisamos estar preparados, aprender a viver em equilíbrio com essa natureza da qual fazemos parte. Se nos acharmos invencíveis e que não precisamos nos preparar, tudo entrará em colapso em breve, processos caóticos ao fim dos quais deveremos garantir nossas necessidades básicas de sobrevivência. Para entender melhor a natureza dessas vulnerabilidades, acrescento quatro elementos a esse panorama. Primeiro: tudo o que fazemos requer o funcionamento contínuo das cadeias logísticas "just in time", fora de nosso controle, que precisam dos transportes, dos quais 96% utilizam o petróleo. Pensamos que a segurança alimentar, energética e sanitária é dever do Estado, mas não nos enganemos. Se houver um colapso logístico prolongado, estaremos por nossa conta. Segundo: dependemos de infraestrutura, de transportes, telecomunicações, água, gás, eletricidade, que necessitam de um aporte permanente de materiais e de energia para o funcionamento e a manutenção. Terceiro: modernizamos o mundo mas, ao fazê-lo, é óbvio que o melhoramos, mas o tornamos complexo e fragilizado. Estamos vulneráveis ao colapso do abastecimento, aos apagões, aos hackers, aos terroristas cibernéticos, etc. Quarto: a cereja do bolo. Estamos à mercê de bolsas de valores instáveis. O mundo todo está preso a um sistema financeiro imediatista, cuja finalidade se opõe ao interesse coletivo. Então, o que devemos fazer? Exigir que os governantes tomem uma atitude? É perda de tempo. E mesmo que eles realmente quisessem, suas respostas não seriam adequadas. Para nos convencermos disso, vamos ver o clima de perto, o assunto que mobiliza a comunidade internacional. Há uma cúpula anual da ONU, investimentos milionários, um mercado de carbono, temos novas tecnologias, limpa, verde e inteligente, transição energética em alguns países, menos a redução das emissões de gases de efeito estufa. Nenhuma. Nenhuma! Por quê? Porque visamos ao crescimento econômico, o que aumenta a pegada ecológica. Por exemplo, não há separação entre o PIB e as emissões de gases em escala mundial. Mas, sobretudo, esse é o centro da minha questão. Mesmo que conseguíssemos evitar um desequilíbrio climático catastrófico que descarbonizaria a civilização, ainda assim não impediríamos um colapso global, porque nossas respostas são inadequadas. Tratamos o desequilíbrio climático como se fosse um problema, mas não é. É um sintoma! Vamos imaginar a situação: primeiramente, levantamos os recursos; então, eles são transformados em bens e serviços; depois, produzimos rejeitos e poluição. Tais rejeitos são sólidos, líquidos ou gasosos. Entre os gases, há os causadores do efeito estufa. O desequilíbrio climático é um dos efeitos secundários, já que nossa civilização é um fluxo irreversível, consumado, que transforma a natureza em rejeitos. Portanto, a energia, mesmo descarbonizada, a serviço de nossa civilização, mantém esse fluxo que mutila as condições de vida no planeta. Por exemplo, para que a transição energética funcione, já não pode significar redução, mas que deve haver a integração entre uma vasta série de estratégias que ataque as causas primárias, ou seja, a mudança da civilização. Por isso, entendo muito bem que é difícil imaginar que a nossa representação do futuro é obsoleta. Pessoalmente, isso não me ajuda a dormir bem. Mas que sirva para abrirmos uma discussão para decidirmos juntos o que deve ser preservado e o que deve evoluir, o que devemos abandonar e o que devemos criar, e podemos ainda construir um futuro habitável e digno. Se não nos prepararmos, essas escolhas nos serão impostas sob o pretexto da segurança, num âmbito bastante opressor. E o momento de escolha, se agimos ou não, é agora. Não é amanhã, é agora! Se não acordarmos, será o nosso declínio. Faço a pergunta novamente: "O que vamos fazer?" Bem, mantemos a esperança! Mas não uma simples esperança. Não a esperança simplória de pressupor que o problema será resolvido. Não mais a esperança de perpetuar essa civilização tóxica e moribunda, mas de criarmos outros modos de vida no planeta. É necessário desconstruir as falsas esperanças para que possamos construir esperanças lúcidas. E como os bloqueios do sistema excluem a solução hierárquica, é preciso agir na base. Chegou a hora de agirmos! É assim, é a nossa vez. Somos responsáveis pelo futuro, ainda que não culpados pelo passado. E nossas escolhas nos determinarão, nos definirão. Seremos os que defenderão esta causa que afeta todas as outras? Ou seremos os que lavarão as mãos? Não nos entreguemos à resignação, à desesperança, ao derrotismo. O futuro será o que fizermos dele. E a boa notícia que anuncio é que existem muitas maneiras construtivas de agir. Duas grandes missões se impõem: uma revolução do pensamento, um despertar dos atos. Primeira missão: descolonizar e reinvestir em nossos imaginários. É a oitava esfera, a das ideias. Para começar, mobilizemos a criatividade para criar contradiscursos inspirantes, capazes de substituir o discurso dominante sem limites, uma fraude absurda, geradora de relações de forças opressoras, que nos condenam a dissonâncias cognitivas, destruidoras do bem-estar. Cada um deve compreender agora e não se opor, não ser rivais. A luta social e a ecológica podem e devem se fortalecer. É o momento de construir novas culturas, baseadas em outras hierarquias de valores. Bem, isso parece um pouco abstrato, mas, na verdade, quase tudo já existe: agroecologia, agrossilvicultura, permacultura, horticultura em solo vivo, circuitos curtos, locavorismo, cooperativas locais, retomada dos bens comuns, água, ar, solo e sementes, moedas e sistemas de trocas locais, tecnologias simples, etc. Há muito o que fazer para vivermos melhor e por muito tempo. Informem-se, eduquem-se e transformem-se! A aprendizagem e a reinvenção requerem alguns esforços, mas que são profundamente libertadores. De hoje em diante, vamos nos questionar a cada coisa que fizermos: "Isso possibilita revitalizar a natureza e as relações humanas?" Essa pergunta deve ser o reflexo. Façam-se essa pergunta. Além dessa missão do pensamento, a segunda se refere aos nossos atos. É a nona esfera, a do fazer. São dois tipos de atos complementares: a resistência e resiliência. Primeiro, rompamos com esses cenários hipnotizadores e resistamos à megamáquina. Os pequenos passos e gestos quotidianos são bons, mas já não bastam. Impedir a destruição, combater a violência sem precedentes desta civilização é uma questão de legítima defesa e de ética. Mobilizações de cidadãos e desobediência civil: precisamos delas e de cada pessoa, de atos emblemáticos. Mesmo que não se interessem pelo ativismo, é hora de agir. É uma guerra. Sei que minhas palavras não combinam com este cenário. Entretanto, elas não são dogmáticas, nem excessivas. Na verdade, são bem banais para os cientistas naturais. Os nossos "bastidores" é que são os extremos. Neste momento, a resposta adequada aos desafios é mobilizar-nos com determinação. Juntos, vamos impedir as atividades nocivas, os projetos insanos, as elites perversas e gananciosas, as multinacionais, os bancos, firmas de advocacia, lobistas a serviço de interesses privados, contra a coletividade. Temos que dar um basta a tudo isso! Se nós não o fizermos, quem o fará? Vamos inverter a relação de força, vamos ser os atores principais e não mais simples coadjuvantes do futuro. Se governos e gestores têm um papel de hoje em diante, deve ser o de facilitar a transição para a resiliência. Quem seria um bom líder? Um visionário mobilizado a serviço de um projeto futuro, que fosse coerente, inspirador, voltado para os interesses coletivos. Esses primeiros atos delineiam o esboço da resistência. Além disso, há a resiliência. Mostrar que podemos viver bem e de modo diferente, sem dependermos de cadeias de abastecimento do outro lado do mundo, nem de sistemas industriais hipercapitalistas, nem de dispositivos técnicos ultrassofisticados. Viver e trabalhar com a natureza, sem procurar dominá-la, com respeito. Criar uma coesão duradoura; ser coletivamente menos frágil em relação aos limites. Vamos criar novas sociedades paralelas a esse sistema insensato, sociedades que se ajudarão amanhã, liberadas da busca por sempre mais, e que saberão autolimitar-se, de maneira digna e solidária. Vamos construir alternativas inspiradoras. E um conselho: se pensam que podem se tornar autônomos, no seu cantinho, ou criar uma comunidade isolada com uma horta, reservas e talvez uma cultura defensiva, isso não vai durar, ainda que vocês sejam muito ricos. Inspirem-se no espírito do movimento "Cidades em Transição". Não é muito, mas é um excelente começo. Não se trata de ignorar o risco da incerteza, mas de estabelecer as dinâmicas construtivas de cooperação em rede. A resiliência tem que ser coletiva, não de "ilhas" dispersas, mas de "arquipélagos" unidos, complementares e solidários, para que os territórios sejam resilientes, capazes de gerir a redução de consumo energético e material que assegure condições decentes de vida às pessoas. Não importa quem vocês sejam, contribuam do seu modo. Se têm tempo ou dinheiro, doem para projetos de recuperação de ecossistemas. Se têm terras, ofereçam para alternativas que preparam para o mundo pós-petróleo. Se foram eleitos, recebam os projetos de transição socioambiental; as pessoas se organizarão e vocês apenas lhes facilitarão a tarefa. Se são empresários, reorientem a sua empresa com um modelo de negócio realmente sustentável. Que empregados e empregadores se unam em projetos de longo prazo significativos. Se são professores, preparem os alunos para serem resilientes, não para um mercado de trabalho que terá mudado totalmente daqui a alguns anos. E por aí vai. Há muito a ser feito. Um "tsunami" de iniciativas de resiliência tem que acontecer. Depende de nós. Estamos diante de um projeto de civilização. E tudo parte de nós. Isso não deve nos intimidar, mas nos motivar, pois momentos belos e importantes se delineiam se superarmos as negações, as hipocrisias, os ambientes que criamos. Se trabalharmos juntos com dignidade e determinação, poderemos ainda fazer prevalecer as forças da vida contra as da morte. Antes de terminar, quero fazer um alerta sobre a tecnologia, já que estamos aqui num âmbito bem tecnológico. A tecnologia nos fascina, mas é uma ferramenta, que é benéfica se nos faz evoluir e não nos transforma em viciados, e se contribui para descomplicar o mundo, ao invés de aumentar a complexidade que nos torna dependentes e vulneráveis. A complexidade leva à perplexidade. A perspicácia é um convite à simplicidade. Num planeta supersaturado, a tecnologia só faz sentido se estiver a serviço de um grande projeto para criar outros modos de vida, que sejam protetores e não mais exploradores da natureza. Renovação dos imaginários, resistência e resiliência: está tudo aqui! Essa é a chave. Se depois de me escutarem vocês não souberem como começar, eis meu conselho que serve para todos: organizem, assim que possível, conversas em seus círculos, na comunidades, na vizinhança, em casa, no trabalho, reuniões físicas para discutirem juntos os limites e as vulnerabilidades, os recursos, as riquezas culturais que vocês possuem. Vocês se reunirão com outras pessoas semelhantes e encontrarão respostas para a pergunta que todos devem se fazer daqui em diante: "O que podemos fazer para revitalizar nossa comunidade e a natureza, e seguir em direção à autossuficiência territorial?" Façam isso. Vocês farão nascer esperanças lúcidas. A propósito, vou dormir melhor e creio que todos vocês também. Agradeço por isso! (Aplausos)