Vocês já pensaram
quem seriam se não tiverem lembranças?
Há um assassino nesta sala
e todos somos cúmplices.
Até 2050, no nosso país,
haverá um aumento
de 447% dos casos de Alzheimer.
Sabem o que isso significa?
Que em 38 anos,
eu ou vocês,
seremos uma pessoa com Alzheimer
ou estaremos cuidando de alguém.
E essas estatísticas
não estão nos preocupando,
mas deveriam.
De uma maneira bem simples,
vou explicar como ocorre,
porque a história do Alzheimer
não é como as pessoas contam.
Somente 10% dos casos são hereditários
e 90% deles são nossa culpa.
A população mundial tem
40% de probabilidade
de ter o gene do Alzheimer,
mas dependerá do estilo de vida
de cada um de nós
que ele se manifeste ou não.
Além disso, sabem
quantas pessoas têm diabetes
ou pressão alta na Bolívia?
Minha mãe tem e é uma preocupação
constante para mim.
Deixem-me explicar um pouco
como o Alzheimer funciona.
cresci jogando "Pac-Man".
O jogo é muito parecido
com o que acontece com o Alzheimer.
Mas conto àqueles
que são muito jovens
e não o conhecem ainda.
O Pac-Man é o bonzinho nesta história,
mas tem uma missão:
tem que comer cada uma das bolinhas
que estão no labirinto para ganhar o jogo.
Os fantasmas são os arqui-inimigos.
Um ou outro é aventureiro,
e há os que ficam meio escondidos.
E estes tentarão, a todo custo,
acabar com a vida do Pac-Man.
Mas o Pac-Man tem um superpoder,
e se comer a "superbolinha",
terá a capacidade
de adquirir poderes,
como a "supervelocidade",
e seus inimigos ficarão vulneráveis.
Assim, obterá uma vantagem
e conseguirá ganhar o jogo.
É simples.
Então, o que acontece na vida real?
Somente uma coisa muda.
Vou dizer-lhes algo:
na vida real, o Pac-Man é o malvado.
Ele representa o Alzheimer.
O que é o Alzheimer, então?
É uma doença neurodegenerativa,
progressiva e irreversível.
É exatamente como o Pac-Man.
Cada vez que o Pac-Man
dá um passo à frente
e come cada um dos nossos neurônios,
está eliminando uma lembrança.
Imaginem o seguinte:
estou caminhando por uma praça
e, de repente, estou perdida.
Onde fica a minha casa?
Qual era o número de telefone
da minha casa?
Com licença, senhor.
Sabe como se chega a ...?
Mas como se chama a rua onde moro?
Como se chamam as pessoas
que moram comigo?
Na verdade, começo a perceber
que não estou perdida fisicamente,
mas que acabo de perder
a história da minha vida,
além da minha identidade.
Meus pacientes começam
a chegar nesse momento.
Quando isso acontece, procuram
um neurologista ou um psiquiatra
e começam um tratamento farmacológico.
Infelizmente, a doença está
em uma etapa muito avançada.
É uma história muito triste.
Na verdade, é muito triste de se ver.
Mesmo assim, todos somos lutadores,
porque abrigamos a reserva
cognitiva em nosso cérebro.
Ela é uma barreira que acumulamos
com o passar dos anos.
Os cafezinhos em casa, com a família,
quando nos juntamos,
nos reunimos e nos divertimos.
Quando vemos a vovozinha
tecendo um suéter,
aquelas sobremesas deliciosas.
A paixão pela música,
pelo cinema e pela arte.
Ao fazermos tudo isso,
criamos uma barreira protetora.
Os anos cansativos de estudo na escola,
na universidade, no mestrado,
nas pós-graduações.
Acreditem, são essenciais
para criar essa barreira.
Ter a capacidade de fazer
as coisas sozinhos,
sem que ninguém nos ajude.
Sentir-nos úteis a cada momento
é parte da nossa reserva cognitiva.
E sabem por que isso é tão impressionante?
Porque cada um de nós
coloca muita emoção na vida.
E quando alguém dá tudo de si,
gera emoções positivas e negativas.
Às vezes, o Pac-Man tem uma vantagem.
Às vezes, quando chegamos aos 56 anos,
chega uma grande notícia no trabalho.
Parabéns! Você fez um excelente trabalho.
Agradecemos por seus serviços.
É hora de se aposentar.
E você passa a ser uma pessoa
sedentária, inútil e frágil,
depois de ter sido gerente
de uma multinacional.
E não estou inventando história, é real.
É quando começa a duvidar de si mesmo.
E o momento de crise começa
a afetar o emocional
e faz como que o Alzheimer
avance com toda força,
que provavelmente o tratamento
farmacológico não ajude.
Sabem o que é perder um ente querido?
Imaginem perder um companheiro
de uma vida inteira.
Há quanto tempo estamos casados?
Há 20, 30, 50 anos?
Sabem a quantidade de lembranças
que acumulamos com essas pessoas?
São muitas.
E essa tristeza rouba nossas lembranças.
É aqui que entra o grupo de elite:
os psicólogos e neuropsicólogos.
Às vezes, somos muito tímidos
para mostrar quem realmente somos.
Então, o trabalho que realizamos
é mostrar à pessoa
que tudo aquilo que guardou
por tanto tempo,
toda a dor, todas as alegrias,
podem ser trazidas para o presente.
E ao recordar o passado,
vive cada dia de uma maneira diferente.
Está vazio.
Adoraria dizer que para o Alzheimer,
apesar de ter um tratamento farmacológico,
e de existirem especialistas
em psicologia e em neuropsicologia ...
existe cura?
Não.
Na vida real, o Alzheimer sempre ganha.
E leva com ele todas
as suas conquistas, a sua família,
a sua identidade,
a sua capacidade de seguir com a vida.
Vamos deixar que ganhe de nós?
É a pergunta que fazemos
a cada um dos familiares e cuidadores
das pessoas com Alzheimer.
Quando alguém recebe
o diagnóstico de Alzheimer,
ainda lhe restam
de cinco a dez anos de vida.
Mas é muito difícil para a família
ter que saber que não se recordará deles,
e, além disso, que provavelmente
morrerá assim.
Mas, continuamos?
Vocês têm coragem?
Pensam que ainda há uma opção?
Na Associação Boliviana de Alzheimer,
não queremos facilitar as coisas.
Faremos o possível porque,
mesmo que não possamos
mudar o final da história,
a maneira como viveremos será espetacular.
Então, proporcionamos um espaço
onde os idosos sempre veem
um rosto sorridente,
sempre têm uma mão
que lhes acompanha nesses passeios,
onde a família pode ver
que viver com Alzheimer
é somente uma nova maneira de viver,
assim como é com qualquer doença.
Gostaria de contar-lhes
uma história sobre ela.
Só olhem para ela.
Ela foi minha primeira paciente, e ainda é
Ela não se lembra de mim.
(Choro de emoção)
É grave, certo?
(Aplausos)
Embora eu não tenha
um familiar com Alzheimer,
e não há histórico na minha família,
ver como essas famílias
têm que lutar diariamente
e ver que essa pessoa jamais
lhe chamará pelo seu nome,
que você será uma pessoa "X" na vida dela
realmente nos toca.
Adoro quando a vejo e digo:
"Senhora Neli, como está?"
No fundo, ela sabe
que mesmo que não conheça o meu nome,
tampouco meu rosto,
há algo nela que lhe diz
que estar comigo é um lugar seguro.
Que estar com essas pessoas
que dão seu tempo diariamente,
com ouvidos e olhos atentos,
fazem com que seja possível
viver com o Alzheimer
e, além disso, que seja uma vida feliz.
E quando chegaram ao final,
a família saberá que lhes proporcionou
os melhores momentos
e de que criou novas lembranças,
não só com a mãe ou o pai,
mas com um novo amigo.
Sabem de uma coisa?
A Bolívia não está preparada para os 447%.
E desses casos, somos culpados de 90%.
Vou lhes dizer três formas
de lutarmos contra o Alzheimer.
Primeira: deixem de alimentar o Pac-Man.
Durmam bem, tirem um tempo para si.
Parem de ter uma vida tão estressante.
Dediquem tempo a si mesmos e descansem.
Já sabem das consequências.
Segunda: tudo o que estão fazendo na vida
servirá para algo.
O labirinto é uma peça
muito importante nisso,
porque quando mais difícil for,
mais difícil tornaremos o jogo para ele.
Façamos com que o Pac-Man se perca.
E que, com tantas lembranças,
não se alimente para destruí-las.
E terceira: coloquem uma emoção
em cada momento.
Quanto mais fortes são as emoções,
maior será a lembrança.
Vivam intensamente e criarão atalhos,
e o cérebro encontrará maneiras
para lutar contra o Alzheimer.
Unidos, em família,
conectados com nossos amigos,
com nossa comunidade,
conseguiremos lutar contra o Alzheimer.
Muito obrigada.
(Aplausos) (Vivas)