Na década de 1970, foi realizado um experimento onde crianças foram instruídas a fazerem desenhos. Mas antes disso, as crianças foram divididas em grupos. Um grupo receberia uma recompensa no final, enquanto o segundo não. Depois dos desenhos serem finalizados, os pesquisadores continuaram a observar as crianças por algumas semanas, e os resultados foram bem interessantes. E não só pela "chega inesperada de uma cabra na sala de aula. *Cabra berrando* Mas eu volto nisso depois - porque eu deveria explicar como isso está conectado com game design. Muitas vezes, queremos motivar os jogadores. Talvez motivá-los a aprender uma nova mecânica, ou encorajá-los a usar uma habilidade específica, ou só mantê-los no jogo por mais tempo. E uma solução comum para esse problema, é a meta... e a recompensa. Faça isso, ganhe aquilo. Como, missões que levam a pontos de experiência. Desafios que desbloqueiam itens cosméticos. E as conquistas do Xbox, que são ambas as metas e as recompensas em um só pacote. Porém, estou aqui pra te contar que metas e recompensas nem sempre funcionam do jeito que você planeja. E vou explicar como, na verdade, elas podem ter o efeito completamente contrário. Enquanto fazia o protótipo inicial do seu jogo de sobrevivência sandbox, Don't Starve, a desenvolvedora, Klei, logo percebeu que os testers não faziam ideia de como jogar o jogo, e ficavam presos logo no começo. Então foram dadas algumas dicas aos testers, e depois de passarem por essa barreira, eles conseguiam experimentar, explorar, e começar a se divertir. Consequentemente, a Klei decidiu criar uma série de pequenas missões, parecidas com tutorias, para ajudar os jogadores a começarem. Sobreviva tal número de noites. Ache uma quantidade x de itens. Esse tipo de coisa. E funcionou! Mas só na questão de ensinar o jogador como jogar. Porque fora isso, as missões eram um completo desastre. A Klei descobriu que os jogadores focavam só nas missões, e achavam que todo o resto era desnecessário. Eles otimizavam suas jogadas do jeito mais tedioso possível só para que terminassem suas missões. Evitavam qualquer tipo de risco com medo de falhar. E ficavam completamente desmotivados no momento em que as missões acabassem. A Klei afirma "Ao estruturar o jogo como uma série de desafios claros a serem completados, nós ensinávamos o jogador a depender desses objetivos para dar significado ao jogo". No fim, a Klei resolveu o problema ao fazer a UI dar dicas mais sutis sobre como começar como destacar os itens mais importantes a serem construídos. Mas as missões foram descartadas, deixando que o jogador aprendesse por si próprio. Porque se um jogo é sobre experimentação, exploração, ou as descobertas feitas pelo jogador, objetivos explícitos podem limitar a criatividade e imaginação do jogador. Até mesmo depois dos objetivos acabarem. Isso foi exatamente o que levou ao desenvolvimento do jogo de arqueologia cósmica, Outer Wilds. Os desenvolvedores deliberadamente evitaram dar aos jogadores objetivos explícitos sobre onde ir, ou até mesmo do que você está tentando fazer, para que os jogadores fossem incentivados a explorar esse mini sistema solar somente pela sua curiosidade. Ok, outro relato, Zach Barth cria jogos onde você soluciona problemas criando máquinas automatizadas, como Exapunks e Shenzen I/O. Nesses jogos, você cria suas máquinas do jeito que você quiser - se der certo, deu. Mas é muito divertido voltar e tentar refinar sua criação, deixando-a mais rápida ou menor. Então, nos primeiros dois jogos comercias de Zach, Spacechem e Infinifactory, ele adicionou algumas conquistas da Steam que encorajavam esse tipo de otimização, como a conquista "Conclua a tarefa "Não Precisa Agreder" em menos de 2200 ciclos." Porém, em todos os seus jogos posteriores, não existem mais conquistas. Por quê? ZACH: "Nós queríamos adicionar conquistas, por que na época isso era maneiro. Antes de eu achar que conquistas eram horríveis. O que eu não gosto neles, é que o jogo já tem um sistema de recompensas. Algo que é muito mais significativo e menos arbitrário ao invés de uma simples barreira." O Zach está falando sobre uma recompensa de métricas, que você pode usar pra medir o quão bem você foi. Você tem o seu próprio recorde. Existem placares que comparam você aos seus amigos da Steam. Além desses geniais histogramas que mostram o quão boa foi a sua solução em comparação com outros jogadores. Todos esses - a vontade de superar o seu próprio recorde, ou superar outros jogadores - são grandes motivos para tentar se superar. Como Zach diz: "um objetivo que você mesmo define, é muito mais poderoso que um objetivo que alguém define por você". Então, se um jogo é sobre aperfeiçoar a si mesmo, um objetivo pessoal ou social pode ser um motivo muito mais forte, do que algum limite estabelecido. Meu relato final vem do adorável jogo de puzzle envolvendo criação de pistas, Mini Metro. Os desenvolvedores queriam focar na sua evolução pessoal e nas pontuações. Então - de acordo com o designer de UI Jamie Churchman - o time tentou evitar a estrutura de objetivo e recompensa pois ela pode se tornar os "meios para o fim". Por exemplo, o jogo tem cidades desbloqueáveis, que foram criadas somente para limitar as escolhas do jogador no começo do jogo. Mas Jamie reconhece que algumas pessoas jogam cada cidade até as barreiras, desbloqueiam a próxima, e depois de desbloquear todas as cidade, acham que terminaram o jogo e podem parar de jogar. Temos que lembrar que, objetivos são uma lista a ser completa. E assim como em Don't Starve, alguns jogadores irão depender somente do jogo para dar a eles propósito e direção. Mas a medição da sua habilidade, placares e sistemas de pontuação, nunca acaba. Você pode continuar a aprimorar o seu recorde pessoal para sempre, o que parcialmente explica o porquê de ainda jogarmos Tetris depois de três décadas. Para realmente entendermos o que está acontecendo, teremos que adentrar o mundo da psicologia comportamental. Quando pensamos em motivações, um dos modelos mais populares é a ideia de motivação extrínseca e intrínseca. Basicamente, motivação extrínseca é quando fazemos uma tarefa por motivos além da própria tarefa, normalmente para receber uma recompensa. Mais conhecido como, um trabalho. Por outro lado, uma motivação intrínseca é quando fazemos uma tarefa simplesmente porque ela é agradável ou significativa. Mais conhecido como, um hobby. A motivação intrínseca se demonstrou muito mais forte e durável por mais tempo. As pessoas podem apreciar um hobby a vida inteira. Já a motivação extrínseca só dura enquanto recompensas estiverem envolvidas. Veja se alguém ainda trabalhará na sua fábrica se você parar de pagá-los. E isso nos trás de volta a sala de aula de antes. Então, o objetivo do estudo era que, as crianças já haviam demonstrado interesse em desenhar antes do estudo começar. Elas estavam intrínsecamente motivadas. Logo, foi pedido a eles que fizessem um desenho, e como eu disse, a um grupo foi prometido uma recompensa, e ao outro não. Em seguida, os pesquisadores continuaram a observar as crianças dessa sala por algumas semanas, e descobriram que, as crianças que receberam uma recompensa pelo desenho? Bom, elas se mostraram muito menos interessadas em desenhar depois disso. E seus desenhos também tinham uma qualidade menor. Que ótima maneira de frustrar umas crianças em ciência. Isso se chama efeito de superjustificação. E muitas evidências indicam que, quando a motivação extrínseca é atribuída a uma tarefa que já temos uma motivação intrínseca, ficamos muito menos interessados nessa tarefa. Outros estudos também mostram que recompensas deixam as pessoas menos criativas, piores em resolver problemas, mais propensas a trapacear, e podem perder o interesse completamente caso as recompensas acabem, mesmo que anteriormente, eles estivessem felizes em fazer mesmo sem uma recompensa. Ops! E eu acho que podemos aplicar essa ideia para o game design. Porque certamente existem jogos que dependem mais de uma motivação intrínseca. Como jogos que focam na exploração, criatividade, expressão e crescimento. Jogos onde você traça seus próprios objetivos e não espera nada em troca. Então quando sistemas que focam em motivações extrínsecas - como objetivos explícitos, barras de progresso, e conquistas - são adicionados a esses jogos, nossa motivação pode ser abalada. Nós ficamos cegos às soluções criativas. Ficamos menos motivados a nos superar. Colocamos uma linha de chegada que define o quão longe podemos ir. E agora os desenvolvedores precisam criar um fluxo constante de objetivos e recompensas, ou eles correm o risco dos jogadores abandonarem o jogo completamente. Não que seja necessário remover todos os objetivos e recompensas desses jogos que focam mais em motivações intrínsecas. Porque é claro que, algumas pessoas não são muito boas ou não estão interessadas em motivar a si mesmos. Para todo super fã de Minecraft que cria sua própria diversão, existe alguém que está simplesmente perdido ou sem direção. Isso me lembra da minha postagem favorita dos fóruns da Steam. Num tópico sobre o mistério investigativo Her Story, um dos usuários disse, "É você quem decide quando está satisfeito com as informações que achou." Ao qual o autor do tópico respondeu, "e como eu decido quando eu estou satisfeito?". Essa postagem me deixa sem sono. Bom, o lado bom é que, objetivos e recompensas podem ditar a estrutura e a progressão de um jogo. Elas ainda podem ser utilizadas, só precisam ser usadas com cuidado. Por exemplo, os objetivos, é melhor usar aqueles que são amplos, abrangentes, que o jogador pode completar do jeito que quiser, ao invés de instruções extremamente específicas. Você pode focar em métricas comparativas, como placares, histogramas, e recordes pessoais, ao invés de limites definidos. Faça com que os objetivos sejam opcionais, como os desafios em Hitman, ou ocultos, como as conquistas em Outer Wilds. E em termos de recompensa, bom, existe um tipo de recompensa em que o efeito de superjustificação parece não acontecer. Porque, naquele estudo com as crianças, existia um terceiro grupo, crianças que simplesmente foram instruídas a desenhar, mas no final ganharam uma recompensa surpresa. Nas semanas seguintes, essas crianças foram as que mais passaram tempo desenhando, mesmo que somente por uma pequena margem na frente das crianças sem recompensa. Esse, e muitos outros estudos, mostram que recompensas podem ter um efeito motivacional em situações intrínsecas, contanto que sejam inesperadas, de baixo valor, e relacionadas a performance efetiva da ação. Um exemplo disso em jogos, é a Jogada da Partida no Overwatch, que é um pequeno destaque para o melhor momento da partida. Não faz muita diferença, mas é um grande impulso no ego do jogador que a obtém. E isso está espalhado por todos os últimos grandes jogos da Nintendo. No Odyssey, nada te diz pra subir aqui usando os precisos movimentos do Mario, mas aqui estão algumas moedas surpresas como um gesto de aprovação. E no Breath of the Wild, todo canto suspeito pode ser uma recompensa, como, uma semente Korok. Como Bill Trinen disse: "Quando ele criam jogos, eles [Designers da Nintendo] não te falam como jogar o jogo para alcançar alguma recompensa épica. Certas coisas que você fazer no jogo resultaram em algum tipo de recompensa, ou surpresa inesperada. Na minha opinião, isso encoraja um verdadeiro senso de exploração ao invés de um senso de, 'Se eu fazer isso, eu vou ganhar algum tipo de pontuação artificial'." Ei, obrigado por assistir! Só pra você saber, os vídeos do GMTK agora não terão mais anúncios, então muito obrigado a todos os meus Patrons pelo apoio e por tornar esses vídeos possíveis. Vocês são demais.