Boa tarde. O que eu aprendi com a depressão? Eu podia estar aqui hoje falando do ponto de vista de um psiquiatra, mas, na verdade, essa conversa vai ser sobre mim, o João, o que eu aprendi ao longo dum processo depressivo pelo qual eu passei. Bom, como já foi dito, eu nasci e cresci na cidade de Arcoverde, no interior de Pernambuco, com exceção de um ou dois anos em que eu morei fora e tive que sair da cidade, como sempre disseram, pra que fosse alguém na vida. Eu saí pra estudar, pra construir algo, pra ser alguém, pra entrar na graduação. Entrei na graduação, me formei em medicina. Resolvi entrar pra psiquiatria e, durante a pós-graduação de psiquiatria, era uma terça-feira, maio de 2012, eu acordei diferente. Eu sabia o que era aquilo, né. Eu olhei pro corpo, e ele estava pesado. Eu olhei pro centro do peito, e havia uma angústia. Não tinha mais motivação em realizar as atividades do dia a dia. Havia muitos pensamentos negativos, eu dormia muito, e então eu olhei pra mim e disse: "Eu estou com depressão". Eu sabia o que era aquilo. Eu tratava aquilo dez vezes durante uma semana, nas pessoas que eu acompanhava no ambulatório da residência. Então, eu tentei ir para a residência mesmo doente, e conseguia ir e atendia meus pacientes e, de alguma maneira, eles melhoravam, mas o meu sentimento era: "Talvez eu não esteja ajudando tanto essas pessoas". Eu não conseguia nem me ajudar... Então, eu resolvi pedir ajuda. Pedi ajuda a um professor de psiquiatria. Era um dos melhores psiquiatras da cidade, e ele resolveu me ajudar. Desde aquele momento, eu tive à minha disposição um dos melhores profissionais da cidade, os melhores medicamentos, porque eu conseguia na própria residência, e ainda tinha amigo meus que colaram e tentaram me ajudar. O que aconteceu foi que surgiram resultados, mas, até um ano depois, eu ainda estava sentindo basicamente todos os sintomas, de uma maneira atenuada. Eu já conseguia ir para o trabalho, já conseguia atender as pessoas, mas eu continuava chegando atrasado. A motivação: "Por que eu estou fazendo tudo isso?", ela não surgia. Eu estava pesquisando tudo. Eu pesquisava nas neurociências, eu pesquisava os medicamentos, eu pesquisava abordagens alternativas neurobiológicas. Nessa, eu fui parar até em universidades fora do país, tentando estudar técnicas pra tratar o cérebro, o cérebro. Nesse momento, eu estava olhando pra um cérebro doente. Eu não estava olhando pra uma pessoa doente. Foi quando, naquela época, eu já comecei a sentar em silêncio. Eu acessava um blogue chamado "opicodamontanha.blogspot.com", um blogue de um monge Zen, o monge Genshô. E ele dizia sempre: "Sente em silêncio. Sente em silêncio e não faça nada. Apenas observe. Observe, como alguém sentado no centro da sua sala, tomando um chá. Deixe as duas portas abertas, deixe que passem. Apenas não ofereça esse chá pra esses transeuntes. Apenas observe". No caso, era apenas "observe a sua mente, não vá no fluxo dos pensamentos". Sentando em silêncio, talvez pela primeira vez na minha vida, eu [me dei] conta de que eu tinha um mundo interno, complexo, cheio de pensamentos, emoções, cheio de padrões que eu tinha alimentado durante tanto tempo. Foi como chegar de uma viagem de dois, três anos e ter percebido que você não arrumou a casa antes de viajar. Estava uma bagunça. No começo, dava medo de olhar pra essa bagunça, dava medo de olhar pra esse mundo interno. Mas, assim, eu não tinha uma outra alternativa. Se eu não olhasse pro mundo interno, talvez eu não encontrasse o processo de melhora. Teve um momento aí onde eu estava estudando um conceito, que é um conceito novo que dizia assim: o seu cérebro, que até 15, 20 anos atrás, se acreditava, era algo fixo, imutável, a partir de uma determinada idade, na verdade ele é plástico, ele é dinâmico, ele é transmutável, e isso depende dos seus hábitos de vida, isso depende de como você se relaciona com você mesmo. E aí, eu olhei aquilo e resolvi entender um pouco mais sobre esse mundo interno, sobre como gerar esses hábitos, sobre o que era tudo isso. Eu descobri por exemplo como eu me fixava em tudo aquilo que eu achava ser. Por exemplo, "o psiquiatra", "aquele que tem depressão", "aquele que tem tais valores de vida". Eu não percebi que essas fixações, "eu sou isso", "eu sou aquilo", "o outro é aquilo ou aquilo outro", elas eram também uma base que gerava tanto sofrimento. Pouco tempo depois, eu encontrei uma escola de meditação, o Centro de Estudos Budistas Bodisatva. Lá, eu encontrei dois professores: o Lama Padma Samten e o João Vale. Esses dois professores... Se o primeiro professor tinha me mostrado o mundo interno, "apenas observe", esses me mostraram que havia uma liberdade de cultivar hábitos novos e cultivar um novo relacionamento comigo mesmo. "Cultivar". Esses dois professores têm um outro professor, que é um tibetano. É o Chagdud Tulku Rinpoche. Em um dos seus ensinamentos, ele compara a nossa mente com um jardim. A sua mente é que nem um jardim. Não adianta plantar algo e esperar que você colha uma outra fruta. Não adianta olhar pro seu jardim e se julgar: "Por que eu não plantei isso no lugar daquilo?" Mas no agora você tem uma liberdade: de aguar plantas novas, de tirar plantas que não estão trazendo tanto benefício, e plantar outras. E isso me lembra lá de Arcoverde. Quando eu tinha uns 14, 15 anos, eu me mudei pra uma casa nova. Tinha um terreiro na frente da casa, algo sem muita forma. Eu olhei pra aquele terreiro e disse: "Nossa! Um jardim". Não era um jardim, mas minha mente tinha dado um nascimento àquilo. O que aconteceu foi que era um terreno de terra batida, e eu comecei a aerar essa terra com uma uma enxada. E, depois, meu pais vendo aquela movimentação, trouxeram adubo e, depois de aerar, eu comecei a adubar. Com pouco, estava a família inteira plantando plantas novas, aguando, adubando, botando no local adequado pra que as plantas de sombra ficassem na sombra ou as de sol ficassem no sol, e, cerca de dois anos depois, nós tínhamos de fato um jardim. Esse ensinamento do professor Chagdud, quando eu ouvi, que me lembrei desse jardim, que em determinado momento ficou tão bonito que a gente simplesmente sentava e apreciava, ou ficava aguando alegremente, tudo fez sentido. Eu olhei, e quais hábitos de mente eu estava alimentando? Hábitos negativos. E, a partir de então, novos hábitos foram sendo treinados, cultivados, aguados, colocados no sol pra receber o sol adequado. Após esse processo, naturalmente, os medicamentos puderam finalmente fazer o efeito deles. Eu fui melhorando do processo depressivo, até que eu comecei a reduzir os medicamentos e, em um determinado momento, não utilizei mais. Esse processo de melhora foi permitido por conta dessa jornada interna. Eu acredito que eu estou simplesmente no começo disso. Acabei de começar. Existem pessoas que estão em um outro ponto, trazendo benefício como esses professores me trouxeram benefício. Mas esse começo dessa jornada já me faz ser uma pessoa diferente, já me faz olhar pro sofrimento do outro. Eu acredito que, depois de ter passado por isso, trabalhar como terapeuta, ajudando pessoas que são portadoras de transtornos semelhantes, ficou muito mais fácil, muito mais honesto. Eu finalmente posso sentir aquilo que o outro está sentindo e ajudá-lo de uma maneira mais sustentável. E o que eu aprendi ao longo desse processo depressivo? Eu aprendi, por exemplo, que o nosso processo de aprendizagem usual desde que nascemos é um processo voltado ao mundo externo, é um processo voltado a organizar, crescer, adquirir, estudar, ser alguém, se comparar, se colocar pra baixo, se culpar. É um processo que esquece que nós estamos ao mesmo tempo habitando o mundo interno e o mundo externo. É um processo que não nos ensina sobre a educação emocional, não nos ensina sobre olhar pra dentro, compreender quais as nossas motivações nas nossas ações. Acredito que esse processo de educação e de alfabetização emocional é essencial pra que a gente acesse, que a gente adquira ferramentas psíquicas, ferramentas espirituais, ferramentas de vida, porque, assim como eu dois anos atrás, milhões de pessoas no mundo estão passando, neste momento, por transtornos, por sofrimento, simplesmente por essa inabilidade de olhar pro mundo interno. O que acontece é basicamente o seguinte: não olhando pra esse aspecto da nossa existência, seguimos cultivando negatividades, hábitos negativos, relacionamentos negativos, e cultivamos isso por tanto tempo que não tem outra alternativa que não o adoecimento psíquico: depressão, ansiedade, pânico, dependências psíquicas, dependências emocionais, dependências medicamentosas ou de outras substâncias... suicídio. Isso está tanto aí que a gente acredita que é normal: "Mais cedo ou mais tarde, vou passar por algo do tipo". Mas não, porque existe uma liberdade, e nós podemos cultivar isso. É na infância que damos início ao cultivo dos nossos jardins da vida. Damos início ao cultivo de aprendizagem, de coisas que vão nos ser úteis lá no futuro, damos início ao cultivo do nosso mundo interno, sem nem perceber. Pare e pense agora: se você pudesse, quanto sofrimento você teria evitado pra você e pros outros? Se você soubesse fazer diferente, seja honesto consigo mesmo: quanto sofrimento você não teria evitado? Nós não sabíamos fazer diferente. Assim como o jardim, a nossa única alternativa é no agora. O passado já se foi; o futuro é algo que não existe e, quando chegar, vai ser presente do mesmo jeito. É no jardim da infância que podemos curar essa epidemia na raiz. É ali que nós temos uma potência de intervenção pra curar essa desconexão com a vida, esse surto de cobrança, esse aumento enorme de transtornos mentais que estamos vendo pelo planeta inteiro. É necessária uma responsabilização, uma responsabilização de todos. Coletivamente, nós podemos ensinar às nossas crianças essas ferramentas. Primeiro, nós precisamos aprendê-las. Mas não só os pais, não só a escola, não só os cuidadores; é preciso que todos nos responsabilizemos por isso porque, se não, a nossa vida individualmente e a nossa vida coletivamente vai seguir se tornando cada vez mais insustentável no mundo. É preciso uma nova pedagogia de vida, uma pedagogia mais ampla, que enxergue esse aspecto um pouco esquecido da nossa existência. Afinal, nós sofremos porque não sabemos fazer diferente. Mas a potência está lá; a gente não enxerga, mas é nela que a gente deve se amparar. Muito obrigado. (Aplausos)