É um praze estar aqui convosco.
Parece que já falei
em frente de quase todas as audiências
exceto na minha cidade natal.
Penso que não deve haver aqui muita gente
que possa dizer que nasceu em Brookline.
Mas é o que consta
na minha certidão de nascimento
porque antigamente havia maternidades
em Pill Hill, que já não existem
e eu nasci no Allerton, há muito tempo.
Eu queria gradecer
a quem me convidou para falar hoje aqui.
Gostava que todos aqui pensassem
na terceira palavra
que primeiro foi dita sobre vocês
ou, no caso de estarem a dar à luz,
sobre o ser que está a nascer.
Todos vocês a têm na ponta da língua,
se quiserem, podem dizê-la em voz alta.
As duas primeiras foram: "É um(a)..."
Audiência: Rapaz! Rapariga!
(Risos)
Isso mostra-nos bem...
Eu também trato de problemas
em que não há tanta certeza
se é uma rapariga ou um rapaz,
por isso, a vossa resposta misturada
foi muito apropriada.
Claro que, atualmente, a resposta
não aparece no nascimento,
mas nos ultrassons,
a não ser que os futuros pais
prefiram ser surpreendidos,
como antigamente todos eram.
Mas gostava que pensassem
a que é que conduz esta afirmação
da terceira palavra,
porque a terceira palavra
é uma descrição do nosso sexo.
Ou seja,
uma descrição dos nossos genitais.
Enquanto endocrinologista pediátrico,
costumava envolver-me muito,
e ainda me envolvo um pouco,
nos casos em que há discrepâncias
nas partes exteriores
ou entre as partes exteriores
e as partes interiores,
e temos de imaginar, literalmente,
qual é a descrição do sexo.
Não há nada que seja definível
na altura do nascimento
que nos possa definir.
Quando falo de definição,
estou a falar da nossa orientação sexual.
Não dizemos: "É um... rapaz 'gay'!"
"É uma rapariga lésbica!"
Essas situações, geralmente,
só se definem depois dos 10 anos.
Mas não definem qual o nosso género,
que, ao contrário do sexo anatómico,
descreve o nosso autoconceito.
Consideramo-nos homem ou mulher
ou algures no meio desse espetro?
Isso, por vezes, aparece
nos primeiros 10 anos de vida,
mas pode ser muito confuso para os pais,
porque é muito comum que as crianças
se envolvam em brincadeiras
de trocas de géneros.
Na verdade, há estudos que mostram
que 80% das crianças
que agem dessa forma
não vão continuar a querer ser
do sexo oposto
na altura em que começa a puberdade.
Mas, quando começa a puberdade,
— entre os 10 a 12 anos nas raparigas,
e os 12 a 14 nos rapazes —
com o crescimento dos seios
ou o aumento das gónadas,
para o dobro ou o triplo,
no caso dos geneticamente masculinos,
nessa altura,
se a criança diz que está
num corpo totalmente errado,
é quase certo que é transexual
e é extremamente improvável
que altere esse sentimento,
por mais que se tente
qualquer terapia reparadora
ou qualquer outra coisa prejudicial.
É uma situação muito rara,
portanto, tive muito pouca
experiência pessoal com isto.
A minha experiência foi mais típica,
porque eu tive uma prática
em adolescente.
Conheci uma pessoa de 24 anos,
geneticamente feminina,
que fez Harvard com três
colegas de quarto masculinos
que conheciam a história toda,
e um funcionário que registava sempre
o nome dele nas listas do curso
com um nome masculino.
Veio ter comigo,
depois de se formar, dizendo:
"Ajuda-me, eu sei que sabes muito
de endocrinologia".
Com efeito, tratei muitas pessoas
que nasceram sem gónadas.
Não era ciência de ponta.
Mas fiz um contrato com ele:
"Trato de ti, se me ensinares".
Foi o que ele fez.
E que aprendizagem tive
ao cuidar de todos os membros
do seu grupo de apoio.
Depois, fiquei muito confuso
porque pensava que era
relativamente fácil, naquela idade,
dar hormonas às pessoas
do género com que elas se afirmavam.
Mas, depois, o meu paciente casou-se.
Casou-se com uma mulher
que tinha nascido como homem,
que se tinha casado e,
enquanto homem, tivera dois filhos
e depois fizera a transição para mulher.
Agora, aquela mulher encantadora
estava ligada ao meu paciente masculino
— estavam legalmente casados —
porque apareciam como homem
e mulher e, quem é que sabia?
(Risos)
O meu paciente demonstrou
que um homem transexual
tem o mesmo direito a ser machista,
porque me enviou, da sua lua de mel
na sala de espelhos em Versailles:
"Foram precisos 50 polícias
para fazer sair a minha mulher da sala".
Fiquei confuso.
"Aquele fulano seria 'gay'?
"Seria heterossexual?"
Eu estava a confundir orientação sexual
com identidade de género.
O meu paciente disse-me:
"Olha, olha, olha,
"Se pensares no seguinte,
vais perceber:
"A orientação sexual
é com quem vamos para a cama.
"A identidade sexual
é o que somos na cama".
(Risos)
A partir daí, aprendi com muitos adultos
— cuidei de cerca de 200 adultos —
aprendi com eles
que, se eu não soubesse
quem era o parceiro dele
na sala de espera,
nunca podia adivinhar,
senão por acaso,
se eles eram "gays", hetero,
bissexuais ou assexuados,
na afirmação do seu género.
Por outras palavras,
uma coisa não tem absolutamente
nada a ver com a outra.
Os dados mostram-no bem.
Enquanto tratava dos 200 adultos,
achei aquilo muito penoso.
Aquelas pessoas — muitas delas —
tinham abdicado de tanta coisa na vida.
Por vezes, os pais rejeitavam-nos,
os irmãos, os próprios filhos,
e depois, as mulheres
de quem se divorciavam
proibiam-nos de verem os filhos.
Era terrível,
mas porque é que o faziam
aos 40 e aos 50 anos?
Porque sentiam que tinham de se afirmar,
antes de se suicidarem.
Com efeito, a taxa de suicídio
entre pessoas trans, sem tratamento,
está entre as mais altas do mundo.
Então, o que fazer?
Estava intrigado, quando fui
a uma conferência na Holanda,
onde são especialistas nisto
e vi a coisa mais espantosa.
Estavam a tratar jovens adolescentes,
depois de lhes fazerem um intenso teste
psicométrico de género.
Tratavam-nos, bloqueando
a puberdade que eles não queriam.
Porque, basicamente,
as crianças parecem-se todas,
até chegarem à puberdade,
altura em que, se sentem
que têm o sexo errado,
sentem-se como o Pinóquio
a transformar-se em burro.
A ilusão que tinham
de que o corpo podia mudar
para ser o que queriam ser,
com a puberdade,
é desfeita pela puberdade que recebem.
E vão-se abaixo.
Assim, suspendem a puberdade,
mas porque é que a suspendem?
Não podemos dar as hormonas
opostas àqueles jovens.
Vão ser prejudicados no seu crescimento.
Acham que podemos
ter uma conversa significativa
sobre os efeitos da fertilidade
de tal tratamento,
com uma rapariga de 10 anos
ou um rapaz de 12 anos?
Assim, ganha-se tempo
no processo de diagnóstico
durante quatro ou cinco anos,
para eles poderem perceber.
Podem continuar a fazer mais testes,
podem viver sem sentirem o corpo
a escapar-se deles.
Depois, num programa
a que chamam 12-16-18,
por volta dos 12 anos, quando
lhes dão as hormonas de bloqueio,
e depois, aos 16 anos,
quando voltam a testar,
qualificam-se de novo para receber.
Lembrem-se que o bloqueio
de hormonas é reversível,
mas, quando damos hormonas
do sexo oposto,
começam a aumentar os seios,
a aparecer pelos faciais e mudança de voz,
consoante as que forem usadas
e esses efeitos são permanentes
ou exigem uma cirurgia
para serem removidos,
ou eletrólise.
Mas nunca podem alterar a voz.
Isso é grave, acontece aos 15-16 anos.
Depois, aos 18, já podem ser operados.
Embora não haja uma boa cirurgia
para as mulheres ficarem
com genitais masculinos,
a cirurgia de homem para mulher
já enganou ginecologistas.
É mesmo boa.
Eu observei como os pacientes
se estão a comportar
e observei pacientes
que se pareciam com toda a gente,
exceto que estavam atrasados
na puberdade.
Mas, depois de lhes darem as hormonas
consistentes com o género que afirmam,
ficam ótimos.
Parecem normais.
Têm uma altura normal.
Nunca os distinguiríamos
no meio da multidão.
Nessa altura, decidi
que ia fazer o mesmo.
É aqui que entra o reino
da endocrinologia pediátrica
porque, se vamos lidar
com miúdos com 10 a 14 anos,
isso é endocrinologia pediátrica.
Por isso, trouxe alguns miúdos,
isso agora tornou-se o padrão dos cuidados
e o Hospital Infantil de Boston
está por detrás disto.
Quando lhes mostrei
os miúdos antes e depois,
pessoas que nunca foram tratadas
e pessoas que queriam ser tratadas
e fotografias dos holandeses,
vieram ter comigo e disseram:
"Tem de fazer qualquer coisa
por estes miúdos".
Onde estavam estes miúdos antes?
Estavam a sofrer
era onde eles estavam.
Por isso, começámos um programa em 2007.
Foi o primeiro programa do género
— mas é o tipo holandês —
na América do Norte.
Desde então, já temos 160 pacientes.
Vieram do Afeganistão? Não.
Uns 75% vieram de um raio
de 240 km de Boston,
e outros vieram de Inglaterra.
Jackie foi maltratada
nos Midlands, em Inglaterra.
Aqui, tem 12 anos,
estava a viver como uma rapariga,
mas estava a ser espancada,
era um espetáculo de terror,
tiveram de a tirar da escola.
A razão por que os britânicos apareceram
foi porque não tratavam ninguém
com menos de 16 anos,
o que significa que já os condenavam
a um corpo de adulto,
acontecesse o que acontecesse,
mesmo testando-os bem.
Ainda por cima, Jackie,
dadas as características do seu esqueleto,
estava destinada a medir 1,90 m de altura.
Mas ela estava ainda
no início da puberdade masculina.
Fiz uma coisa um pouco inovadora
porque eu conheço as hormonas
e o estrogénio é muito mais potente
do que a testosterona.
a fechar as epífises,
as placas de crescimento
e a impedir o crescimento.
Bloqueámos a testosterona
com uma hormona de bloqueio,
mas adicionámos o estrogénio
aos 13 anos, não foi aos 16.
Aqui está ela, aos 16 anos, à esquerda.
Quando fez 16 anos, ela foi à Tailândia,
onde faziam cirurgia plástica genital.
Agora fazem a cirurgia aos 18 anos.
E ela acabou por ter 1,80 m de altura.
Para além disso, ela tem
seios de tamanho normal,
porque, com o bloqueio de testosterona,
todas as nossas pacientes
têm seios de tamanho normal
se vêm ter connosco na idade adequada,
e não tarde demais.
Está ali, do lado direito.
Exibiu-se em público — foi semifinalista
no concurso para Miss Inglaterra.
Os juízes discutiram
se podiam fazer isso.
Disseram-me que um deles gracejou:
"Ela tem um porte mais natural
do que metade das outras candidatas".
(Risos)
Algumas delas foram industriadas um pouco
mas está tudo no ADN.
Ela tornou-se numa porta-voz espantosa.
Ofereceram-lhe contratos
como modelo,
altura em que ela me provocou
no Skype, para a BBC, quando disse:
"Sabem, eu podia ter tido
mais hipóteses enquanto modelo
"se me tivesse dado 1,90 m".
(Risos)
Imaginem.
Penso que esta foto diz tudo.
Diz tudo, realmente.
Estes são Nicole e o irmão Jonas
que apareceram no Boston Sunday Globe
em fevereiro de 2011.
São gémeos idênticos
comprovadamente idênticos.
Nicole afirmou-se como rapariga
desde os três anos.
Aos sete anos, mudaram-lhe o nome,
e vieram ter comigo
no início duma puberdade masculina.
Podem imaginar, olhando
para Jonas, aos 14 anos,
que a puberdade masculina
é precoce nesta família,
porque ele parece mais
ter uns 16 anos.
Mas realça ainda mais a necessidade
de ter consciência
do ponto em que o paciente está.
Nicole aqui está em bloqueio de puberdade
e Jonas está em controlo biológico.
Este é o aspeto que Nicole teria
se não fizéssemos o que estávamos a fazer.
Tem uma maçã de Adão proeminente.
Tem ossos faciais angulares,
todos os efeitos da testosterona.
Mas não no caso dela.
Ele tem um bigode,
e podem ver que há diferença na altura,
porque ele deu um salto
no crescimento que ela não dará.
Nicole está a tomar estrogénio.
Já tem uma forma diferente.
Esta família foi à Casa Branca
na primavera passada,
por causa do seu trabalho
em anular uma medida discriminatória.
Havia um projeto de lei que iria bloquear
o direito dos transexuais no Maine
usarem as casas de banho públicas
e tudo indicava que a lei ia ser aprovada.
Isso iria ser um problema,
mas Nicole foi pessoalmente falar
com cada legislador do Maine e disse:
"Eu posso fazer isto.
"Se eles me virem, vão compreender
"porque é que não sou nenhuma ameaça
na casa de banho das mulheres,
"mas posso ser ameaçada
na casa de banho dos homens".
Por fim, conseguiram.
Para onde vamos, a partir daqui?
Ainda temos muito caminho a andar
em termos de antidiscriminação.
São apenas 17 os estados
que têm uma lei antidiscriminação,
contra a discriminação na habitação,
no emprego, alojamento público.
Só 17 estados e cinco deles
estão na Nova Inglaterra.
Precisamos de medicamentos menos caros,
como os necessários para o bloqueio.
Custam uma fortuna.
Precisamos que esta situação
seja retirada da lista
de doenças psiquiátricas.
É tão doença psiquiátrica
como ser "gay" ou lésbica
que já deixaram de o ser em 1973
e todo o mundo mudou.
Isso não vai dar cabo
do orçamento de ninguém.
Não é assim tão vulgar.
Mas os riscos de não
se fazer nada por eles
não só os põem a todos
em perigo de se suicidarem
como manifestam se somos
uma sociedade realmente inclusiva.
Obrigado.
(Aplausos)