Boa tarde. Ao longo da minha vida tenho sido conhecido por muitos papéis: como filho, irmão, marido, educador. Mas, em 2008, eu me tornei conhecido como um criminoso. E fiquei conhecido como um criminoso através de um conjunto muito peculiar de circunstâncias. Na época, eu lecionava em uma universidade no Mississipi, ensinando história do movimento dos direitos civis, e eu precisava de um carro. Então, eu fiz o que a maioria das pessoas faria. Fui na internet e encontrei um carro. Encontrei um carro em Des Moines, Iowa. Eu voaria até Des Moines e dirigiria o carro de volta. Algumas semanas antes, tinha havido uma sessão de autógrafos do meu livro. Na verdade os livros se esgotaram nessa sessão de autógrafos, mas as pessoas queriam os livros, então me pagaram em dinheiro, em cheques e falaram: "Na próxima vez que você passar pela cidade, traga os livros". Eu respondi: "Ok, eu trarei". Eu sabia que quando eu voltasse de carro de Iowa, eu teria que passar por essa cidade, assim, eu levei os livros comigo. Eu fiz minhas malas, fui para o aeroporto, fiz o check-in, me dirigi até a segurança. E então eu ouvi meu nome no interfone: "Curtis Austin, volte ao balcão de check-in". Então eu voltei. Voltei para o balcão do check-in, e lá estava um grupo de policiais e agentes da segurança do aeroporto, em volta da minha mala. E eles seguravam e olhavam os livros. O livro tinha esta foto na capa. É um livro sobre o Partido dos Panteras Negras. E eles estavam atordoados. Eles estavam surpresos, sabe? Eles tinham esse homem negro, com passagem só de ida, sem roupas, nada para higiene pessoal e todos aqueles livros. Então eles falaram: "Vamos ter que chamar o FBI". Eu disse: "Uau! O FBI? Por quê?" Ele diz: "Isso é o que fazemos neste tipo de situação". E foi o que fizeram, chamaram o FBI. E o FBI foi até o aeroporto. A segurança do aeroporto me levou até uma sala no andar de cima, o agente do FBI entrou na sala e começou a me interrogar, mas ele estava com o livro. Ele folheava o livro e então me fazia perguntas, olhava o livro e me fazia mais perguntas, e esse interrogatório seguiu por horas. Finalmente eu tive coragem e perguntei: "Eu estou preso?" Ele respondeu: "Não, estamos apenas fazendo perguntas". Eu falei: "Isso significa que posso ir embora?" Ele disse: "Sim, você pode ir embora". Foi o que eu fiz, fui embora, peguei outro voo, fui para Des Moines, comprei o carro, dirigi de volta, deixei os livros e voltei ao trabalho. Não pensei mais muito sobre isso. Bem, eu achei isso bizarro, mas cresci como um negro no Mississipi, você se acostuma com o bizarro. (Risos) E não pensei mais sobre isso, até que um dia, conversando com minha chefe, ela diz: "Curtis, nós temos um problema". Eu digo: "OK, que tipo de problema nós temos?" Ela diz: "Fiquei sabendo que você é um criminoso, não permitimos que criminosos lecionem na universidade". Criminoso? Espere um pouco. Esse é o clássico momento "que M é esta?", não é? (Risos) Não sei o que está acontecendo, nem ela, mas ela diz: "Acho que você deve ligar para o FBI". Foi o que eu fiz. Liguei para o FBI, disse meu nome, expliquei porque estava ligando, eles olharam no sistema e a mulher com quem estava falando diz: "Sim, aqui fala que você é um criminoso". Eu perguntei: "O que eu fiz?" Ela disse: "Eu não sei". Eu disse: "Quando foi que eu fiz?" Ela disse: "Eu não sei". Eu disse: "Onde foi que eu fiz?" Ela disse: "Eu não sei. De fato, não tenho mais nenhuma informação. Talvez, se você ligar para a procuradoria geral, eles possam lhe dar mais informações". Ela me deu o telefone da procuradoria geral. Eu liguei para eles. Eles procuraram no sistema, e a pessoa com quem eu falava disse: "Aqui diz que você é um criminoso". Eu fiz as mesmas perguntas, e recebi as mesmas respostas: "Eu não sei". Eu demorei literalmente mais de dois anos para remover esse crime da minha ficha. Eu acabei entendendo que esse crime constava na minha ficha porque eu havia escrito um livro sobre o Partido dos Panteras Negras. Alguns de vocês devem conhecer o Partido dos Panteras Negras. Para os que não conhecem, eles foram uma organização fundada em 1966 em Oakland, na Califórnia, para prevenir a brutalidade policial e o assassinato de pessoas negras. Mas também envolvia várias outras questões que afetavam a comunidade negra, como saúde e habitação, falta de emprego, igualdade nos tribunais. Eles queriam que os negros fossem julgados por seus pares pois até aquele momento o júri era composto apenas por brancos. Enquanto eles se organizavam em torno desses temas, a imprensa difamava-os e demonizava-os, contando mentiras sobre eles. De fato, uma das mentiras era que tratava-se de um grupo de homens negros que queriam matar pessoas brancas. Era disso que se tratava. Nada podia ser mais distante da verdade. O fato é que no Partido dos Panteras Negras a maioria das pessoas não era homens, era mulheres. E alguns anos após o início do partido, a maioria dos líderes do Partido dos Panteras Negras era mulheres. Ou seja, não era verdade que havia esse grupo de homens negros saindo por aí e matando pessoas brancas. Outra mentira que tem sido contada sobre essa organização é que ela era racista e antibrancos, e que eles simplesmente não gostavam de pessoas brancas. Bom, também não é verdade, e provarei isso para vocês. Os Panteras descobriam quais eram os problemas na sua comunidade e tentavam resolvê-los. Por exemplo, eles viram que as crianças não estavam aprendendo nas escolas, e não estavam aprendendo porque estavam com fome. Então, eles decidiram alimentar as crianças. Eles iam alimentá-las antes da escola, então criaram programas de café da manhã grátis. O modo como eles criaram esses programas foi ir até os mercados das suas comunidades, pedir aos donos dos mercados doações de leite e pão, ovos, carne, cereal, todas as coisas que se come no café da manhã, os donos das lojas diziam sim e doavam esses itens. Por todo país, em cada cidade onde havia uma sede do Partido dos Panteras Negras, e havia em torno de 40, havia um programa de café da manhã grátis. É improvável que esses empresários brancos doassem ao Partido dos Panteras Negras se eles fossem de fato racistas. Outra coisa que eles fizeram na comunidade para ajudar as pessoas foi a criação de clínicas de saúde grátis. De novo, eles foram a campo e descobriram que havia muitos problemas de saúde que precisavam ser atendidos. As pessoas negras eram pobres, não tinham condições de pagar médicos e hospitais. Então os Panteras foram a hospitais e escolas de medicina e perguntaram aos médicos e estudantes de medicina se eles poderiam vir na comunidade negra cuidar de algumas dessas questões médicas. A esmagadora maioria disse que sim. De novo, por todo o país, onde havia sede do Partido dos Panteras Negras, havia essas clínicas de saúde grátis; apesar de serem geridas pelo Partido dos Pantera Negras, elas eram formadas por pessoas brancas, então não sei como eles podiam ser racistas, se seus programas eram, de fato, apoiados por pessoas brancas ricas e de classe média. Uma pessoa que era muito, muito boa em trazer indivíduos, brancos e outros, para a esfera do Partido dos Panteras Negras era um cara chamado Fred Hampton. Fred Hampton era o líder da sede de Chicago do Partido dos Panteras Negras. Ele era um orador eloquente e muito persuasivo. Fred Hampton convencia as pessoas de que havia de fato injustiça. Mais importante do que isso, ele convencia as pessoas de que elas deviam fazer algo para combater a injustiça. Assim, além de ir para os hospitais e mercados, e conseguir as coisas necessárias para os programas, Fred Hampton também trabalhou com outros grupos e organizações latinos, asiáticos, índios americanos, até mesmo muitos brancos pobres que se mudaram do Sul ou foram para Chicago vindos de Appalachia. Eles trabalhavam com essas organizações e implantavam os mesmos tipos de programas nas suas comunidades. Eles obtiveram muito sucesso com isso, porém o governo não gostou do que eles estavam fazendo, assim, além de difamá-los e desacreditá-los junto à imprensa, eles começaram a prender seus membros e, em casos muitos extremos, a matar seus membros. E isso foi exatamente o que aconteceu com Fred Hampton. Em 4 de dezembro de 1969, o departamento de polícia de Chicago, a procuradoria do estado de Illinois, irromperam no apartamento de Fred Hampton as 4h30min da manhã enquanto ele e todos os demais estavam dormindo, e começaram a atirar rajadas de balas dentro local. Várias pessoas se feriram. Havia uma pessoa guardando a porta, chamado Mark Clark. Eles atiraram bem no seu coração e ele morreu imediatamente. Eles entraram na casa e foram ao quarto de Fred Hampton encontraram-no lá, dormindo, pois tinha sido drogado, mas ele dormia ao lado de sua namorada, grávida de oito meses e meio, e eles pegaram Fred Hampton pelos cabelos e atiraram nele atrás da cabeça à queima-roupa, duas vezes, matando-o instantaneamente. Esse foi o fim de Fred Hampton. Então, nós temos que nos perguntar, o que há nessa organização que provoca uma resposta tão irracional, exagerada, extrema, que, 40 anos após o término da organização, um humilde professor, como eu, pode ser parado em um aeroporto, detido por horas, interrogado, e rotulado de criminoso, simplesmente por ter escrito um livro sobre a organização? Por que Fred Hampton teve que pagar com sua vida, somente por organizar em volta de assuntos, que todos... não há nada de errado em alimentar crianças e cuidar de pessoas doentes. Não há nada de errado em não querer ser assassinado pela polícia. Então, temos que nos perguntar, o que há com essa organização? E eu vou lhes dizer. A questão com essa organização é que ela era, de fato, antirracista, e ela fez questão de trabalhar com todas as pessoas, brancos de classe média e alta, brancos de classe baixa, asiáticos, latinos, indígenas americanos. Qualquer um que quisesse ajudar a resolver esses problemas, essa organização se dispunha a trabalhar com eles, e esse era o problema. Se essa organização interracial não fosse efetiva, as pessoas não teriam sido tão contrárias a ela. Assim, não foi só Fred Hamptom quem teve que pagar. Não fui só eu quem teve que pagar sendo rotulado de criminoso. Vocês provavelmente viram isto há algumas semanas. Beyoncé cantou no intervalo do Super Bowl, e tanto ela como as demais mulheres dançando com ela, estavam vestidas com roupas de couro preto e boinas pretas, e estavam vestidas assim para homenagear o Partido dos Panteras Negras. O ano de 2016 marca os 50 anos da fundação do Partido dos Panteras Negras, e elas estavam tentando homenagear essa organização de trabalho comunitário. Porém, tiveram como resposta toneladas de cartas de ódio. Pessoas por todo o país estão dizendo que elas são racistas e antibrancos, que elas odeiam policiais. Policiais disseram que não querem fazer a segurança nos seus shows. Prefeitos disseram que eles não a querem em suas cidades. Beyoncé é racista. Beyoncé. Raivosa, talvez? Mas não racista. (Risos) Então, nós sempre temos que nos perguntar porque nos contam tais histórias sobre o Partido dos Panteras Negras, e quem se beneficia por aprendermos essas mentiras. Eu quero lhe incentivar a fazer sua própria pesquisa sobre o partido, mas seja cuidadoso ao fazer sua pesquisa porque eu venho estudando esse assunto por 25 anos agora, e eu descobri que 73% de todos os jornais e artigos escritos sobre o Partido dos Panteras Negras, foram escritos pelo FBI, ou por pessoas recrutadas pelo FBI. Então, existe toda essa difamação e desinformação. Falamos sobre Fred Hampton um segundo atrás, e eu quero lhe dizer que as famílias de Fred Hampton e Mark Clark processaram a cidade de Chicago e a Procuradoria Geral, e um júri os julgou culpados, e eles pagaram quase US$ 2 milhões às famílias. Mas isso não traz Fred de volta nem acaba com a difamação. Nós temos que descobrir a verdade sobre essa organização por nós mesmos, e eu os desafio a fazer isso. E eu também desafio vocês a questionarem seu próprios preconceitos sobre o que sabem da história americana. E finalmente, quero desafiá-los a irem além das barreiras raciais e éticas, e fazerem e sua parte na solução de problemas que afligem seu país hoje, porque os negros não conseguem resolver esses problemas sozinhos. Brancos não conseguem resolvê-los sozinhos. Latinos não conseguem resolvê-los sozinhos. A menos que todos se unam como um povo e resolvam esses problemas, eles jamais serão solucionados. Então eu digo a vocês: poder ao povo. (Aplausos)