Dentro do espírito da criatividade colaborativa, vou apenas repetir muitos dos pontos já abordados pelos três oradores anteriores. Mas mesmo assim vou fazê-lo. A isto chama-se "colaboração criativa", mas na realidade é "pedir emprestado" mas utilizando uma perspetiva diferente, ou seja, questionar o papel dos utilizadores e dos consumidores neste mundo emergente de criatividade colaborativa de que falaram o Jimmy e os outros. Para começar, vou fazer uma simples pergunta: Quem inventou a bicicleta de montanha? A teoria económica tradicional diria que a bicicleta de montanha foi provavelmente inventada por alguma grande empresa de bicicletas num laboratório de pesquisa e desenvolvimento onde se imaginavam novos projetos. Podia ter sido lá inventada, mas não foi. Uma outra resposta seria ter sido inventada por algum génio solitário a trabalhar na garagem, em diversos tipos de bicicletas que inventou uma bicicleta a partir do nada. Mas não, não foi ele que a inventou. A bicicleta de montanha foi inventada por jovens utilizadores, mais precisamente por um grupo do Norte da Califórnia, frustrado com as bicicletas de corrida tradicionais iguais à bicicleta que Eddy Merck ou o vosso irmão mais velho utilizavam. E até são bastante encantadoras. Mas também estavam frustrados com as bicicletas dos pais que tinham guiadores grandes e eram muito pesadas. Assim, pegaram na armação dessas grandes bicicletas, colocaram-lhe as mudanças das bicicletas de corrida e os travões das motas. Misturaram e combinaram diversos ingredientes. E durante os primeiros três a cinco anos de vida, as bicicletas de montanha, conhecidas por "clunkers", eram feitas apenas numa comunidade de ciclistas, principalmente no Norte da Califórnia. Nessa altura, uma empresa que importava peças para as "clunkers" decidiu criar um negócio e começou a vendê-las a outras pessoas. A seguir apareceu uma outra empresa, a Marin, e passaram-se uns 10 ou 15 anos, até as grandes empresas perceberem que havia um mercado para essas bicicletas. Trinta anos depois, as vendas de bicicletas de montanha e do respetivo equipamento constituíam 65% das vendas de bicicletas nos EUA, ou seja, 58 mil milhões de dólares. É uma categoria totalmente criada por consumidores que não teria sido criada pelo mercado normal de bicicletas porque este não identificara a necessidade e a oportunidade. Não havia o incentivo para inovar. Acho que a única coisa em que discordo da palestra de Yochai é quando ele diz que a Internet dá vida a esta capacidade distributiva para a inovação. É quando a Internet se combina com esse tipo de consumidores apaixonados semiprofissionais — que têm conhecimentos, que têm incentivos para inovar, que têm as ferramentas, têm a vontade — que se obtém este tipo de explosão de colaboração criativa. A partir daí, criamos a necessidade do tipo de coisas de que Jimmy falou, ou seja, novos tipos de organização ou, melhor dizendo, como nos organizamos sem organizações? Isso agora é possível. Não precisamos de uma organização para nos organizarmos para concretizar tarefas importantes e complexas, como a criação de novos programas de "software". Portanto, isto é um desafio enorme para a forma como concebemos a criatividade. A perspetiva tradicional, estreitamente ligada à ideia que fazemos da criatividade — nas organizações, no governo — é que a criatividade pertence a pessoas especiais, com bonés de basebol, virados ao contrário, assistem a palestras como estas, em locais especiais — universidades de elite, laboratórios de pesquisa em florestas, ou na água, talvez em salas especiais de empresas, pintadas de cores vistosas, pufes, talvez aquela mesa esquisita de futebol de mesa. Pessoas especiais, locais especiais, imaginando ideias especiais. Depois temos um tubo condutor que transmite as ideias até aos consumidores, que esperam passivamente. Eles podem dizer "sim" ou "não" à invenção. É essa a ideia da criatividade. Qual é a política recomendada se estiverem no governo, ou a dirigir uma grande empresa? Mais pessoas especiais, mais locais especiais. Construir polos criativos nas cidades. Criar mais parques de pesquisa e desenvolvimento, etc. etc. Aumentar o tubo condutor até aos consumidores. Penso que esta perspetiva é cada vez mais errada. Penso que foi sempre errada, porque penso que a criatividade foi sempre fortemente colaborativa. Provavelmente é muito interativa. Mas está profundamente errada e uma das razões para tal é que as ideias fazem refluxo no tubo condutor. As ideias refluem dos consumidores que muitas vezes, estão mais avançados do que os produtores. Porque será? Um problema é que as inovações radicais, quando temos ideias que afetam um grande número de tecnologias ou de pessoas, têm uma grande parte de incerteza que as acompanha. Os retornos da inovação são tanto maiores quanto maior for a incerteza. Quando temos uma inovação radical, frequentemente a sua aplicação é muito incerta. Toda a história da telefonia é uma história de gerir essa incerteza. Os inventores dos primeiros telefones fixos pensavam que eles iriam ser usados para as pessoas ouvirem transmissões ao vivo dos teatros do West End. Quando as empresas de telemóveis inventaram os SMS não faziam ideia de qual seria a sua utilização. Foi só quando essa tecnologia chegou às mãos dos utilizadores adolescentes que eles inventaram essa utilização. Quanto mais radical for a inovação, quanto maior for a incerteza, tanto mais é preciso inovar na utilização para explorar uma tecnologia. Todas as nossas patentes, toda a nossa abordagem às patentes e às invenções, baseiam-se na ideia de que o inventor sabe para que serve a invenção, de que sabemos para que é que ela serve. Cada vez mais, os inventores das coisas não poderão dizer isso de antemão. Logo se verá, quando for usada. em colaboração com os utilizadores. Gostamos de pensar que a invenção é uma espécie de momento de criação. Há como que um nascimento quando alguém aparece com uma ideia. A verdade é que a maior parte da criatividade é cumulativa e colaborativa. Tal como a Wikipedia, evolui ao longo de muito tempo. A segunda razão por que os utilizadores são cada vez mais importantes é que eles são a fonte de grandes inovações revolucionárias. Se quiserem encontrar as grandes ideias novas, dificilmente as encontrarão nos mercados tradicionais, nas grandes organizações. Observem o que se passa dentro das grandes organizações e perceberão porque é assim. Imaginem estarem numa grande empresa. Obviamente, estão ansiosos para subir na hierarquia. Será que chegam ao diretor e dizem: "Oiça, tenho uma ideia fantástica "para um produto embrionário num mercado marginal, "com consumidores com quem nunca trabalhámos. "Não sei bem se vai funcionar, "mas talvez seja uma coisa em grande no futuro"? Não, não dizemos isso. Dizemos: "Tive uma ideia fantástica para uma inovação adicional "para um produto que já existe que vendemos nos canais existentes "a utilizadores existentes e posso garantir "que vamos ter este retorno durante os próximos três anos". As grandes empresas têm uma tendência intrínseca para reforçar os êxitos do passado. Investiram tanto neles que lhes é muito difícil reconhecer novos mercados emergentes. Mas os novos mercados emergentes são o terreno fértil para os utilizadores apaixonados. O melhor exemplo: Na indústria da música, quem diria, há 30 anos: "Sim, vamos inventar uma forma musical "com negros destituídos, nos guetos, "que exprimem a sua frustração com palavras "através duma forma de música "que, no início, seja difícil as pessoas ouvirem. "Parece ser uma ideia vencedora; vamos avançar com isso". (Risos) O que aconteceu? A música "rap" foi criada pelos utilizadores. Fazem-no com as suas gravações, com o seu equipamento de gravação, distribuem-na eles mesmos. Trinta anos depois, a música "rap" é a forma musical dominante da cultura popular mas nunca teria saído das grandes empresas. Tinha que começar — este é o terceiro ponto — com estes amadores-profissionais. Esta é a frase que eu usei numas coisas que eu fiz com um grupo de discussão, em Londres, chamado Demos, em que estivemos a analisar essas pessoas que são amadoras, — ou seja, fazem-no por amor — mas querem faze-lo com alto nível de exigência Em toda uma ampla gama de áreas — desde o "software", a astronomia, as ciências naturais, enormes áreas de lazer e de cultura, como o "kite-surfing", etc. etc. — encontramos pessoas que querem fazer coisas porque gostam disso mas querem fazer essas coisas com grande exigência. Trabalham por prazer, se quiserem. Levam o seu prazer muito a sério: adquirem competências, investem tempo, usam tecnologia que é cada vez mais barata — não é só a Internet, mas máquinas fotográficas, tecnologia de "design", tecnologia de lazer, pranchas de "surf", etc. Sobretudo através da globalização, muito destes equipamentos são hoje muito mais baratos. Consumidores mais conhecedores, mais bem informados, mais capazes de se ligarem uns aos outros, mais capazes de fazerem coisas em conjunto. Nesse sentido, o consumo é uma expressão do seu potencial produtivo. Descobrimos que as pessoas interessam-se por isto, porque não se sentem realizados no seu trabalho. Não sentem que estão a fazer uma coisa que, para eles, seja importante, Por isso, arranjam este tipo de atividades. Isso tem implicações organizativas enormes em enormes áreas da vida. Vejam, por exemplo, a astronomia a que Yochai já se referiu. Há 20 anos, há 30 anos, só os importantes astrónomos profissionais com telescópios gigantescos podiam perscrutar o espaço. Há um grande telescópio, o Jodrell Bank no Norte da Inglaterra. Quando eu era miúdo, era espantoso, porque tinha começado a exploração lunar e esta coisa deslocava-se sobre carris. E era enorme, absolutamente enorme. Hoje, seis astrónomos amadores, a trabalhar na Internet, com telescópios de Dobson digitais — que são de código aberto — com uns sensores de luz desenvolvidos nos últimos 10 anos, na Internet, podem fazer o que só o Jodrell Bank fazia há 30 anos. Na astronomia, temos esta ampla explosão de novos recursos produtivos. Os utilizadores podem ser produtores. Então, o que é que isto significa para a nossa paisagem organizativa? Imaginem um mundo, para já, dividido em dois campos. Deste lado, temos o modelo empresarial antigo, tradicional. Pessoas especiais, locais especiais. Patenteiem, enviem-nos pelo tubo condutor para os consumidores passivos e expectantes. Deste lado, imaginemos que temos a Wikipedia, o Linux, e não só — o código aberto. Deste lado, está aberto; deste lado está fechado. Este é novo; este é tradicional. A primeira coisa que dizemos, penso que com toda a certeza, é o que Yochai já disse: é que há uma grande luta entre as duas formas de organização. Estas pessoas aqui farão todos os possíveis para impedir que este tipo de organizações tenham êxito, porque são ameaçadas por elas. Daí as discussões sobre direitos de autor, sobre direitos digitais, etc. Tudo isso, na minha opinião, são formas de asfixiar esse tipo de organizações. Assistimos a uma corrupção total da ideia de patentes e direitos de autor. Destinados a serem uma forma de incentivar a invenção, destinados a serem uma forma de orquestrar a propagação do conhecimento, estão a ser usados cada vez mais pelas grandes empresas para criarem um muro de patentes para impedirem que se instale a inovação. Vou dar-vos dois exemplos. O primeiro é: imaginem que vão ter com um investidor de risco e dizem: "Tive uma ideia fantástica. "Inventei um novo programa brilhante "que é muito melhor do que o Microsoft Outlook". Que investidor, no seu pleno juízo, vos dará dinheiro para uma empresa concorrente da Microsoft, com o Microsoft Outlook? Ninguém. É por isso que a competição com a Microsoft está condenada a sair — só poderá sair — dum projeto de código aberto. Há uma enorme discussão competitiva sobre manter a capacidade de inovação por parte do consumidor e do código aberto. porque é uma das maiores alavancas para lutar contra o monopólio. Haverá também enormes discussões profissionais, porque os profissionais, aqui, nestas organizações fechadas, podem ser académicos, podem ser programadores, podem ser médicos, podem ser jornalistas, — a minha antiga profissão — dizem: "Não, não podemos confiar nestas pessoas aqui". Quando eu comecei no jornalismo — há 20 anos, no Financial Times — era muito excitante ver alguém a ler o jornal. Espreitávamos por cima do ombro dele, no metro, para ver se estava a ler o nosso artigo. Normalmente, estava a ler as cotações da Bolsa. e o pedaço de papel com o nosso artigo estava no chão, ou coisa assim. "Céus! O que é que ele está a fazer? "Não está a ler o meu brilhante artigo!" E permitíamos aos utilizadores, aos leitores, dois sítios onde eles podiam contribuir para o jornal: a página das cartas, onde eles podiam publicar uma carta e nós aceitávamos, depois de a cortar ao meio, e publicávamo-la três dias depois. Ou a página de opinião, na qual quem conhecia o editor — quem andara na escola com ele, ou dormira com a mulher dele — podia escrever um artigo na página de opinião. Eram esses os dois locais. "Que horror! Agora os leitores querem ser escritores e editores! "Não é o papel deles. Eles têm que ler o que nós escrevemos." Mas eles não querem ser jornalistas. Os jornalistas julgam que os bloguistas querem ser jornalistas. Mas eles não querem, só querem fazer ouvir a sua voz. Como Jimmy disse, querem diálogo, querem conversa. Querem fazer parte do fluxo de informações. O que acontece aqui é que todo o domínio da criatividade está em expansão. Vai haver uma guerra tremenda. Mas também vai haver um movimento tremendo, do aberto para o fechado. Penso que vamos ver duas coisas que são fundamentais. Penso que são dois desafios para o movimento aberto. O primeiro é: podemos sobreviver com voluntários? Se isso é tão importante, será que não precisamos que isso seja financiado, organizado e apoiado de modo muito mais estruturado? Penso que a ideia de criar a Cruz Vermelha para a informação e o conhecimento é uma ideia fantástica, mas conseguimos organizar isso, apenas com voluntários? Que tipo de mudanças precisamos na política pública e no financiamento para que isso seja possível? Qual será o papel da BBC, por exemplo, nesse mundo? Qual deverá ser o papel da política pública? E, por fim, penso que veremos organizações fechadas inteligentes a dirigir-se cada vez mais na direção da abertura. Portanto, não vai ser uma competição entre dois campos, mas haverá todo o tipo de locais intermédios interessantes que as pessoas vão ocupar. Estão a aparecer novos modelos organizativos, misturando o fechado e o aberto de forma habilidosa. Não vai ser uma distinção clara, Não vai ser a Microsoft contra o Linux. Haverá no meio todo o tipo de coisas. Acontece que esses modelos organizativos são incrivelmente poderosos e as pessoas que os compreenderem terão muito êxito. Vou dar-vos um último exemplo do que isso significa. Eu estive em Xangai, num bloco de escritórios, construído sobre um antigo arrozal, há cinco anos, um dos 2500 arranha-céus construídos em Xangai nos últimos 10 anos. Estava a jantar com Timothy Chan. Timothy Chan fundou um negócio pela Internet, em 2000. Não continuou na Internet, guardou o seu dinheiro, decidiu dedicar-se aos jogos para computador. Dirige uma empresa chamada Shanda, que é a maior empresa de jogos para computador da China. Nove mil servidores por toda a China, tem 250 milhões de assinantes. A cada momento, há quatro milhões de pessoas a jogar um dos seus jogos. Quantas pessoas é que ele emprega para servir aquela população? Quinhentas pessoas. Como é que ele consegue prestar serviços a 250 milhões de pessoas só com 500 empregados? Porque, na prática, não lhes presta serviços nenhuns. Ele dá-lhes uma plataforma, dá-lhes algumas regras, dá-lhes as ferramentas e depois orquestra a conversa, orquestra a ação. Na verdade, a maior parte do conteúdo é criada pelos próprios utilizadores. Cria-se uma espécie de adesão entre a comunidade e a empresa que é muito poderosa. A melhor forma de medir isso: entramos num dos seus jogos, criamos uma personagem, que vamos fazendo evoluir no decurso do jogo. Se, por qualquer razão, o cartão de crédito falha ou há outro problema qualquer, perdemos a personagem. Temos duas opções. Uma opção: podemos criar uma nova personagem, a partir do zero, mas sem a história da personagem anterior. Isso custa cerca de 100 dólares. Ou podemos meter-nos num avião, ir a Xangai, metermo-nos na bicha para os escritórios de Shanda — provavelmente custa 600, 700 dólares — e reclamamos a nossa personagem, recuperamos toda a sua história. Todas as manhãs, há 600 pessoas na bicha junto aos escritórios para reclamar as suas personagens. Trata-se de empresas construídas sobre comunidades que fornecem às comunidades, ferramentas, recursos, plataformas que eles podem partilhar. Não é em código aberto, mas é muito poderoso. Penso que este é um dos problemas para pessoas como eu, que fazem muito trabalho com o governo. Se formos uma empresa de jogos e tivermos um milhão de jogadores no nosso jogo, só precisamos de 1% deles que sejam co-desenvolvedores, que contribuam com ideias e temos uma mão-de-obra de desenvolvimento de 10 000 pessoas. Imaginem que podiam agarrar em todas as crianças da escola na Grã-Bretanha e 1% delas serem co-desenvolvedoras do ensino. Quais seriam os recursos disponíveis para o sistema de ensino? Ou se agarrassem em 1% dos doentes do SNS para serem co-produtores na saúde. A razão por que — apesar de todos os esforços para o reduzir, para o restringir, para o adiar — a razão por que estes modelos abertos vão começar a surgir com uma força tremenda, é que eles multiplicam os nossos recursos produtivos. Uma das razões por que eles fazem isso é que transformam utilizadores em produtores, os consumidores em "designers". Muito obrigado. (Aplausos)