GABRIEL OROZCO: Eu gosto de trabalhar aqui Eu gosto de caminhar. Isso me acorda. Em poucos quarteirões de caminhada, muitas coisas podem acontecer E eu gosto de observar essas coisas e apreciá-las. A câmera é um instrumento que eu uso como uma desculpa para observar essas coisas Então câmera, no fim, é um jeito de estar mais presente Mesmo quando eu era criança, eu me lembro das ruas que eu caminhava no México, Indo de casa para a escola. Eu me lembro de todas as poças no caminho, e todas as imperfeições das calçadas. Eu sempre gostei disso, de olhar para essas coisas. Eu não tenho um estúdio, então eu não trabalho em um lugar específico. Eu percebi que ás vezes, o estúdio é um lugar isolado, Um lugar artificial, como uma bolha. Eu não estou interessado, porque acho que fica fora da realidade. O que acontece quando você não tem um estúdio é que você se confronta com a realidade a todo momento. Você precisa estar na rua, precisa caminhar, precisa viver o exterior. Eu tento criar intimidade com tudo que consigo. E para ser íntimo, você tem que se abrir e confiar no que está ao seu redor. E assim nascem esses gestos de intimidade com as coisas. Dessa forma, outras pessoas podem ter essa mesma sintonia com o mundo. Eu não tenho uma técnica específica, eu trabalho de várias formas. Então, quando eu termino algo, eu preciso inventar algo diferente, em um meio diferente, em um lugar diferente. Esse Citroen não é só um carro, ele é especial, e carregado de significado por ser um objeto cultural. Mas não é só um ícone, porque também é uma máquina com uma função prática. E ao recriá-lo em sua própria lógica, você simultaneamente analisa esse ícone para torná-lo algo ativo novamente. Eu fiz isso com um assistente. Juntando as peças, trabalhamos um mês inteiro numa garagem. Foi um trabalho bem intimista, foi muito bom. Deu muito trabalho. Removi o centro e montei de volta. Da lateral, ele parece um carro comum, mas quando você dá a volta, a perspectiva muda completamente. Eu escrevi algo que se leria como: "Meio de transporte além do ponto de fuga". E esses outros são desenhos mais orgânicos e livres. Mas o verdadeiro desenho estava no próprio carro. Porque você tem que fazer a linha super precisa, e isso levou tipo uma semana. Você pode ficar cortando sem parar. Pode fazer um corte, e outro corte, e mais outro, infinitamente e nunca vai terminar. MARIA GUTIERREZ DE OROZCO: Ele teve que ir ao supermercado comigo para me ajudar a carregar as compras, mas é claro que lá ele começou a mexer com a comida porque estava entediado comigo lendo todos os rótulos e ingredientes. Ele percebeu como o supermercado é um mundo ordenado e perfeito, que no minuto em que você devolve algo no lugar errado, surge um caos, como se o ato de colocar um objeto fora do seu lugar já gerasse desordem, E você sente imediatamente que algo está errado. Então ele colocou batatas junto com cadernos, e comida de gato junto com as melancias. Na verdade, com ele tudo é muito banal, existe pouco mistério. É tudo muito básico. É uma curiosidade impressionante que ele considera normal, até que do nada, ele fica fascinado. GABRIEL OROZCO: O que eu gosto nos jogos é que cada jogo é um universo único. Então você tem um mundinho em um tabuleiro ou em uma mesa, projetado com perfeição pra você poder jogar em um cenário e quando o jogo é bom, é tão apaixonante que você realmente entra naquele mundo e vive dentro dele. No pingue-pongue normal, você tem uma rede que é um "não-espaço" entre dois espaços. Mas aqui, em vez de duas pessoas jogando, você tem quatro pessoas em quatro mesas, Quando essa barreira se desfaz, a rede se torna um espaço aberto, E um novo espaço se forma. E é esse espaço que me interessa, o espaço intermediário. Por ser um novo espaço, eu poderia fazer qualquer coisa que quisesse. Eu decidi fazer um lago. Eu diria que foi uma decisão aleatória, mas se você quiser conectar isso com os lagos na cultura indiana relacionando a flor de lótus, o começo do universo e o lago como centro cósmico, você consegue. Um dia eu vi o Pêndulo de Foucault, e, como você deve saber, foi assim que se provou que a Terra se move. Porque existe esse pêndulo pendurado bem alto que fica constantemente se movendo por causa da rotação da Terra. Eu pensei: "O que aconteceria se uma bola de sinuca fosse um pêndulo?" E em vez de usar uma mesa retangular, decidi fazer uma mesa elíptica ou oval. Assim acabamos jogando mais próximo das leis do universo. Na sinuca, por conta da mesa ser retangular, é possível calcular como a bola vai se mover. Mas nesse caso, quando a bola começa a tocar a borda oval, ela começa a se mover de um lado para o outro até se perder completamente. Enfim, é um jogo totalmente diferente e, e... bem mais complexo de várias formas. E muito mais chato que um jogo de sinuca normal, mas eu não coloquei nenhuma regra, exceto as regras básicas de acertar suas bolas com uma outra. As pessoas jogam. Eu jogo ás vezes. E as regras ainda precisam ser inventadas. Tentei usar ferramentas que qualquer pessoa pode usar. Eu não quero ser um especialista. Nem usar técnicas super difíceis. Prefiro ser um iniciante. Eu gosto de aprender a arrumar carros, assim eu fiz o Citroen. Eu não sou um especialista em carros. Até eu mesmo penso, quando faço cerâmica, que é como se fosse um hobby pra mim. É tipo: "Ah, gosto de cerâmica, é legal, quero aprender um pouquinho". É exatamente como se define um hobby. Normalmente, quando se faz cerâmica, se tem muita ciência do espaço vazio no centro. Nesse caso, eu não queria focar no centro, e sim na forma externa. Por isso precisei de uma argila especial. Esse espaço era uma fábrica de tijolos antes, então possui máquinas que produzem muito rápido a argila que preciso. É possível trabalhar por várias horas em um dia quase como um operário em uma linha de produção. Para mim, isso era importante. O processo de pensar está ligado à bola de muitas formas. Estar num trem em movimento ou olhar para o oceano. Trabalhar com as mãos na argila, de modo muito físico. Tudo isso gera um estímulo no cérebro, e você pensa. Mas é a conexão entre o cérebro, a respiração, o suor, o tempo investido, a desaceleração ou aceleração do pensamento, que acaba criando os diferentes jeitos de pensar.