Eu tenho andado meio nostálgica ultimamente. Esses dias eu estava lembrando da minha época de estagiária; como o ritmo era outro. Eu lembro que eu chegava no escritório, apertava o botão do computador, e demorava um pouquinho até ele ligar. E ainda tinha que me conectar com a internet. Eu trabalhava no departamento de comunicação e lidava com imagens pesadas. Toda vez que eu colocava uma dessas imagens pra salvar, eu levantava e ia tomar um cafezinho ou então conversava com as pessoas de tanto que demorava. Só que hoje, de repente, num piscar de olhos, tudo mudou. O mundo anda veloz, incerto, complexo e ambíguo. As exigências aumentaram e, com elas, a necessidade de fazermos as coisas cada vez mais rápido. E eu tentei acompanhar toda essa agilidade. Só que eu não esperava que eu precisasse fazer uma pausa forçada, independente da minha vontade. Eu estava numa carreira internacional em ascensão quando fui surpreendida por um diagnóstico psiquiátrico. É que em março de 2005, eu fui diagnosticada com transtorno bipolar com características psicóticas. No início, o quadro não era bom e as perspectivas, menos ainda. Eu tive um médico inclusive que disse que eu deveria me aposentar por invalidez. Imagina você... eu tinha 30 e poucos anos, com tanta coisa pra viver pela frente, quando uma parada total acontece em minha vida. No caso do transtorno bipolar, eu tenho dois momentos distintos de comportamento: um é a depressão e o outro é euforia, que antes era chamado de mania. Na fase eufórica, era uma energia sem igual. Eu lembro que eu ia pro escritório trabalhar, voltava de madrugada e continuava trabalhando como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Até que meu chefe me disse: "Dyene, dá uma desacelerada, os outros departamentos não estão aguentando a sua demanda". Aí eu comecei a piorar e eu não conseguia enxergar as coisas direito. Era como se eu colocasse meu rosto pra fora de um carro em alta velocidade e não conseguisse distinguir os objetos. Uma vez eu olhei pra geladeira e vi vultos, cores e formas. Até hoje eu dou uma olhada na geladeira pra ver se ela está paradinha no lugar. Às vezes afetava minha audição também. Eu escutava coisas que ninguém mais escutava, como uma bola de basquete batendo incessantemente do meu lado. O meu maior medo naquela época era de enlouquecer gradativamente até deixar de ser quem eu sempre fui. E depois dessa energia toda provocada pela euforia, eu caía numa depressão avassaladora. Nessa fase era muito difícil, eu me sentia uma inválida. Eu chorava o dia inteiro, sem nenhum motivo aparente. Eu lembro que uma vez a gente fez uma festa de aniversário pro meu marido e eu não conseguia levantar da cama. Eu lembro que orei, roguei, barganhei, mas o meu corpo não respondia. Isso era muito atípico porque eu sempre fui uma pessoa extremamente sociável, e agir daquela forma não era muito o jeito que eu era. E aí, em momentos como esse, vinha uma verdadeira culpa de não poder fazer as coisas com tanta facilidade. E junto com a culpa, vinha uma vergonha, uma tristeza, uma agonia imensa. E essa agonia continuou se exacerbando até que uma vez eu gostaria de dormir e nunca mais acordar. Comecei até a planejar esse meu desaparecimento... se é que vocês me entendem. E eu falei isso pra minha terapeuta, e ela me disse: "Dyene, isso é um perigo. Você está tendo ideações suicidas". E essa palavra eu conheço bem. A minha avó cometeu suicídio aos 56 anos de idade. E ela também tinha transtorno bipolar. E a minha terapeuta sugeriu que eu fosse pra um hospital psiquiátrico, e esse termo "hospital psiquiátrico" assusta qualquer um. Só que pra mim, o que assusta muito mais é o estigma, é o preconceito, porque isso impede que as pessoas busquem um tratamento adequado. E eu fui pro hospital, onde eu tinha pessoas me avaliando 24 horas por dia; pessoas profissionais, médicos competentes. E isso me ajudou muito a melhorar. E ao sair do hospital, eu acho que o que me fez o meu maior bem foi poder contar com o apoio e o amor incondicional da minha família. Eu lembro que uma vez no hospital, eu cheguei pro meu marido e falei: "Amor, se você quiser se divorciar de mim, eu até entendo. Eu, neste momento, não tenho nada pra te oferecer". E ele me disse: "Você está doida que eu vou me divorciar de você!" Quando eu respondi: "Bom, que eu estou doida está muito bem pré-estabelecido, a gente está num hospital psiquiátrico". E o tempo foi passando, a minha vontade de melhorar continuou, e eu comecei a visualizar a minha recuperação que nada mais era do que uma visão otimista de quem eu queria ser. Me imaginei estudando, trabalhando, fazendo as coisas que eu sempre gostei. E aí eu lembro que foi janeiro de 2007, eu resolvi fazer uma resolução de ano novo. Escrevi no papel e disse que eu faria o possível e o impossível, eu me comprometeria pra me realizar e superar esse transtorno. E nessa época, eu comecei a ler todos os livros sobre transtorno bipolar, li todas as biografias. E o que aprendi naquela época é que as pausas não são permanentes. Na verdade, a pausa é uma excelente oportunidade pra descobrir um reservatório de potencial que a gente nem sabe que a gente tem. E de alguma forma, eu acho que todos nós estamos passando por uma pausa forçada por causa do COVID-19. É um momento muito dolorido, mas acho que se a gente prestar atenção, a gente vai conseguir tirar lições riquíssimas deste momento tão difícil. No fundo, tudo começa dentro da gente. Não são os fatores externos que geram estresse, e sim como a gente lida com esses fatores externos. E eu presto muito atenção no estresse porque pode ser um gatilho pros meus sintomas. E a depressão, transtorno bipolar são doenças seríssimas. De acordo com a OMS, a depressão é a maior causa de incapacitação do mundo, e pesquisadores de Oxford descobriram que quem tem transtorno bipolar tem uma expectativa de vida de 9 a 20 anos a menos. E eu sempre penso: como eu posso ficar fora dessa estatística? A primeira coisa é sabendo que eu não estou curada, e sim estabilizada. Isso faz com que a adesão ao meu tratamento seja ainda maior. E a outra eu acho que tem muito a ver com a autorresponsabilidade, que é esse meu comprometimento com a minha saúde mental, em adotar hábitos saudáveis a longo prazo. E é até curioso alguém que tem um transtorno mental chegar aqui pra vocês e falar sobre equilíbrio e vida saudável, mas faz todo sentido do mundo. Saúde mental, pra mim, não é opção, é uma questão de vida ou morte. Se eu não me cuidar, a minha probabilidade de me suicidar aumenta exponencialmente. É por isso que eu vim aqui hoje, dividir os cinco passos que eu faço pra complementar o meu tratamento. Vou dar um exemplo pra vocês. Lembra que na época de euforia eu falei que meus pensamentos eram extremamente rápidos? Isso acontecia muito. Eu acho que essa nossa mania de viver ocupado é uma adrenalina que vicia. Aí chega no final do dia, a gente pensa: "Nossa, eu trabalhei tanto, mas eu tenho a sensação de que eu não fiz nada". Pesquisadores de Stanford descobriram que quando você faz multitarefas, a sua eficiência e produtividade caem. Nosso cérebro é muito parecido com um computador. Sabe no computador quando você deixa todas as abas abertas? O nosso cérebro é igual. E no fundo a nossa atenção consciente é um dos recursos mais preciosos que nós temos. E lá em 2007, quando eu prometi a mim mesma que eu iria cuidar da minha saúde mental, a primeira coisa que eu vi foi sobre a meditação. E aí eu tentei. Eu morava em Houston na época e aí eu fui pra um templo budista aprender a meditar. E confesso pra vocês: eu fui um verdadeiro desastre. Essa concepção de esvaziar a mente, focar na respiração e não pensar em nada... aquilo não era pra mim. Aí eu cheguei pro monge e falei: "Olha, eu entendo a importância da meditação, mas eu acho que eu não tenho capacidade cognitiva pra isso". E ele me disse com toda aquela calma que só um monge tem: "Dyene, meditação não é uma coisa que a gente faz, meditação é uma coisa que a gente pratica". E ele tinha razão, e eu resolvi praticar. Até hoje eu percebo que quando eu não medito, eu não durmo tão bem e a minha capacidade de foco e concentração diminuem e a minha ansiedade aumenta. E essa falta de foco, falta de clareza que eu tinha foram ajudadas pela meditação, mas não eram os únicos sintomas. Um dos outros que eu tinha muito evidente era minha necessidade de isolamento. Eu acho que é compreensível: quem tem depressão sabe que é uma angústia, um desespero, que você quer se afastar do outro, você não quer que o outro veja você daquela forma. Então, você se afasta. Só que quanto mais difícil fica nossa vida, mais a gente precisa do outro. Escutei uma vez que monstros existem no escuro, mas quando você acende a luz, você vê que monstros não existem. Só que às vezes você não tem aquela força pra levantar e acender aquele interruptor. E é aí que você precisa da mão amiga. E quando eu decidi que eu ia melhorar, eu comecei a investir nos meus relacionamentos... esse foi meu segundo passo. Aí eu montei o meu grupo com minha família e meus amigos, cheguei a frequentar vários grupos de apoio e isso foi muito importante pra mim. E hoje eu vejo que o isolamento impera. A gente tem tanta tecnologia pra nos aproximar e está cada vez mais difícil nós formarmos relacionamentos sinceros e duradouros; e talvez ainda mais difícil de a gente conviver com pessoas que pensam diferente da gente. E o que a gente deveria realmente fazer é ter cada vez mais relacionamentos inclusivos, mais diversos. Porque quanto maior a inclusividade, a diversidade, maior a possibilidade de a gente encontrar soluções pros problemas mais complexos que a humanidade oferece. Será com a colaboração mediada pela tecnologia que nós conseguiremos atingir os índices mais altos de inovação. E essa tecnologia vem com alguns desafios, pelo menos pra mim. Um deles foi a sobrecarga digital, e dá pra entender, a gente vive em frente às telas o dia inteiro. É a tela do computador, da televisão, do celular. Estudiosos da Universidade de Chicago disseram, inclusive, que as redes sociais viciam mais do que o álcool e o cigarro. E pra me ajudar a equalizar essa sobrecarga digital, eu priorizei o sono na minha vida. Se na época da depressão eu dormia 18 horas por dia e na época de euforia eu não dormia, hoje eu sei que 7 a 8 horas é o meu ideal. O sono restaurativo potencializa a nossa capacidade de aprendizado e memória e nos ajuda também a diminuir alguns tipos de câncer, diabetes e doenças cardiovasculares. Eu lembro que quando era mais jovem eu achava o máximo virar a noite trabalhando. E hoje eu sei o quão prejudicial isso foi pra minha saúde. Dormir melhor foi a terceira coisa que eu fiz pra melhorar minha saúde mental. A quarta foi o exercício. E eu sempre usei a falta de tempo como desculpa. Até que um amigo meu me disse: "Dyene, um dia tem 1440 minutos... se você não encontra 30 pra se exercitar, você está fazendo alguma coisa errada". E ele tinha razão, e eu comecei a ver o exercício como uma prescrição médica, como algo que fosse me ajudar a combater as minhas comorbidades. E quando eu comecei a ver o exercício dessa forma, ficou muito mais fácil vencer a procrastinação e sair do sofá. Eu acho que a procrastinação é algo com que todos nós temos algum tipo de familiaridade. Às vezes é tão difícil tirar os nossos sonhos do papel que a gente tem tanto medo de errar. Eu escutei uma vez que em algum lugar do mundo tem o museu da procrastinação. Lá tem aquele livro incrível que nunca foi escrito, aquela tela genial que nunca foi pintada e aquela inovação brilhante que nunca foi patenteada. A gente tem que lembrar de uma coisa: a vida é bem diferente da escola. Na escola, primeiro a gente tem a lição e depois a gente tem... primeiro a gente tem a lição e depois a gente tem a prova. Na vida, primeiro a gente tem a prova e depois a gente tem a lição. E pra contrapor essa procrastinação imposta pela doença, eu precisei de muita disciplina pra fazer os quatro passos que eu contei hoje aqui: pra dormir melhor, pra me exercitar, pra meditar, pra buscar relacionamentos saudáveis. E foi com essa disciplina que eu segui em frente. Eu precisei pausar, até andei pra trás. Mas eu continuei. Hoje eu posso dizer que o transtorno bipolar me transformou. Eu não reclamo do meu trabalho porque eu sei o que é estar incapacitada. Eu sei que imprevistos acontecem com qualquer um. E que aquele senso de controle que eu achava que eu tinha era uma mera ilusão. Também reconheço os privilégios que eu tive. Um deles foi acesso à medicina de qualidade. E meu desejo mais sincero é que todas as pessoas que tenham um transtorno mental tenham acesso às mesmas facilidades que eu tive. E hoje eu faço o que eu gosto. Sou diretora global de marketing em uma empresa de inteligência e informação, e através de um livro eu contei minha história. O nome do livro é "Vencendo a Mente", e eu coloquei no gerúndio de forma proposital porque o trabalho nunca termina. E contar a minha história assim tão abertamente foi um verdadeiro desafio. Eu fiquei com muito medo de ser ridicularizada, estigmatizada ou até excluída. Mas isso não aconteceu. Eu fui tratada com muito carinho. Na época do lançamento do livro, eu tinha que contar pro meu chefe, e eu achei que eu fosse ser demitida ou então que minha carreira acabaria naquele momento. E ele me surpreendeu quando disse: "Dyene, coragem, autenticidade e vulnerabilidade são características de verdadeiros líderes". Isso foi muito importante pra mim pra seguir em frente. Por um momento, eu cheguei a pensar em publicar o livro de forma anônima, mas aí eu perderia a excelente oportunidade de mostrar pras pessoas que é possível, sim, viver com transtorno mental e viver uma vida plena, e reforçar a importância do tratamento pra que isso aconteça. No fundo foi assim, com hábitos saudáveis, autoconhecimento e disciplina que eu consegui virar o jogo e retomar a velocidade, lembrando a importância da pausa, seja ela proposital ou não. Foi através da minha pausa que eu consegui me conectar com quem eu realmente era e contei a minha história com minha própria voz. Um sábio um dia disse: "Mude, mas vá devagar. Porque mais importante que a velocidade é a direção que você vai". Então, comece onde você está, vá no seu próprio ritmo e nunca desista até encontrar o seu ponto de equilíbrio. Obrigada. (Aplausos)