Então aqui estamos,
no centro da tecnologia
e gostaria de fazer
uma pergunta muito simples:
qual foi a maior descoberta
tecnológica já feita,
a base de todas as descobertas
subsequentes, e quando isso aconteceu?
O maior avanço tecnológico
dos seres humanos é a linguagem,
inventada há 2 milhões de anos,
na primeira e maior era da informação,
pelo "Home erectus", mamãe e papai.
(Risos)
O Homo erectus foi uma das criaturas
mais bem-sucedidas
da face da Terra.
Eles viveram neste planeta
por quase 2 milhões de anos.
Até agora, nós vivemos neste planeta
por pelo menos 200 mil anos
ou, possivelmente, por 500 mil anos.
Não chegamos a viver um quarto do tempo
que o Homo erectus viveu aqui.
Era uma criatura admirável.
Tinha o maior cérebro
que o mundo já tinha visto até então,
talvez que o Universo
tenha visto até então.
O tamanho médio do cérebro do Homo erectus
era de cerca de 950 cm³,
75% do tamanho de um "Homo sapiens" macho,
aproximadamente do tamanho
de muitas fêmeas Homo sapiens,
o que prova que tamanho não é documento.
(Risos)
O corpo e o cérebro do Homo erectus
eram ambos fenomenais.
O Homo erectus tinha a nossa altura.
Eles pesavam provavelmente uns 70 kg
e foram as primeiras criaturas
na história do Universo
capazes de caçar de forma persistente.
Nossa bipedalidade nos permitiu
correr longas distâncias
e nos refrescar mais eficientemente
do que os quadrúpedes.
Assim, o Homo erectus
era capaz de perseguir suas presas
até que elas morressem
de exaustão térmica,
ou batiam nelas com um machado
ou taco de pedra até que morressem.
O Homo erectus era
uma criatura maravilhosa.
E eles alcançaram muitas realizações.
Criaram muitas ferramentas,
começando com as "olduvaienses".
E eles mantinham, transportavam
e aperfeiçoavam essas ferramentas,
até chegar a um aprimoramento:
as ferramentas "auchelianas".
Depois aperfeiçoaram
para chegar às ferramentas Levallois.
E cada ferramenta era melhor
do que a antecessora.
Mas não se limitavam
às ferramentas de pedra.
O Homo erectus também produzia lanças
e ferramentas de madeira; há evidências
de lanças de milhares de anos.
E eles faziam dois tipos de lanças:
lanças para arremessar
e lanças para introduzir.
O que significa "para introduzir"?
Significa um Homo erectus macho
de 1,70m a 1,85m de altura, pesando 68 kg,
sair correndo e fincar
aquela lança num mastodonte.
Vê-se que eles eram criaturas ferozes,
eram criaturas corajosas
e criaturas extremamente inteligentes.
Ferramentas foram
uma de suas grandes conquistas
e nos trazem a percepção do tipo
de cérebro que estavam desenvolvendo.
Eles também faziam
representações da realidade.
Esta é uma peça de 250 mil anos
moldada parcialmente
pela natureza e pelo humano,
pelo Homo erectus, a "Vênus".
É chamada de "Vênus de Berekhat Ram",
e temos evidências de que era
pintada de vermelho em algumas partes.
Uma concha achada na Ilha de Java
tinha gravuras feitas pelo Homo erectus.
O Homo erectus não era
um simples fabricante de ferramentas.
Ele era fabricante de barcos.
Eles viajaram pelos oceanos
há 2 milhões de anos atrás.
Como sabemos disso?
Bem, a primeira ilha
em que descobrimos evidências deles
foi na Flores, na Indonésia,
no que teria sido uma viagem de barco
de quase 38 km, visível da costa,
algo como atravessar o Canal da Mancha,
exceto pelo fato que Flores
era, antes e agora,
rodeada pela correnteza marítima
mais traiçoeira e forte do mundo.
Eles não poderiam ter nadado até Flores.
Eles chegaram lá de barco.
Na verdade, esta é a ilha das Flores...
e não acho que o Homo erectus
fosse assim, mas...
(Risos)
Na verdade, arqueólogos tentaram simular
as viagens do Homo erectus
e construíram jangadas
similares às que ele teria usado.
Sabemos, pela quantidade de ilhas
onde encontramos suas colônias,
que o desembarque deles
nessas ilhas não é coincidência.
Sabemos, pelo tamanho das colônias
que eles provavelmente fizeram lá,
que muitos indivíduos teriam
de ter chegado ao mesmo tempo
para começar essas colônias,
e sabemos, portanto,
que eles tiveram de planejar isso.
Então uma ilha foi a Flores,
a outra foi Socotorá, antes e agora,
240 km oceano adentro
desde a ilha mais próxima,
onde encontramos colônias do Homo erectus.
Isso requer imaginação,
velejar até um lugar para explorar,
e aparentemente eles fizeram isso.
Também temos evidência
de que tiveram colônias em Creta.
Portanto, eles eram navegadores,
eram fabricantes de ferramentas,
o Homo erectus era
uma pessoa muito inteligente,
mas eles fizeram mais do que isso.
O Homo erectus também
viajou o mundo por terra.
O Homo erectus evoluiu
há 1,9 milhão de anos.
Há cerca de 1,7 milhão de anos,
o que não é muito tempo,
eles já estavam em Beijing,
na Indonésia,
no Oriente Médio,
na Europa.
O Homo erectus viajou...
Eu não ficaria surpreso
quando os jornais finalmente noticiarem
que temos evidências
do Homo erectus na Califórnia,
porque, se eles conseguiram chegar
a Beijing num período tão curto,
seria simplesmente um pulo passar
pelo Estreito de Bering para o Novo Mundo.
Talvez eles tenham ido, talvez não.
Mas suas habilidades mostram que eram
capazes de realizar feitos tremendos.
No entanto, nem tudo é notícia boa;
existiam algumas deficiências.
O Homo erectus tinha o aparato vocal
parecido com o de um gorila.
Não conseguiam produzir
todos os sons que nós.
Eles tinham uma gama de sons
mais parecida com a dos gorilas.
Seria isso tão importante quando
falamos de língua? Na verdade, não.
Existem muitas línguas hoje
que possuem menos de 12 sons.
Aqui temos uma:
(Falando Pirahã)
Essa é uma das línguas com que venho
trabalhando na Amazônia há 40 anos,
Pirahã, e tem somente 10 sons,
se for uma mulher falando,
e 11, se for um homem.
E, com 11 sons, consegue-se produzir
uma língua humana totalmente funcional.
Mas será que o erectus
era capaz de produzir 11 sons?
Na verdade, eles nem precisavam disso.
Para nos comunicar, conseguimos digitar
qualquer coisa em português no computador.
Fazemos isso usando o Microsoft Word
ou qualquer outro editor de texto,
e, quando o fazemos,
quantas letras o computador usa?
O computador usa somente
duas letras, dois sons: zero e um,
e, com esses sons,
comunicamos qualquer coisa.
Então, o homo erectus, teoricamente,
só precisava produzir
dois sons para se comunicar.
Nossos ancestrais foram
os primeiros e únicos gorilas falantes,
com a anatomia que eles tinham.
O cérebro deles não só era menor,
mas também mais lento
do que o nosso, pelas evidências.
O seu desenvolvimento infantil
era mais rápido que o nosso,
o que é uma desvantagem cognitiva,
pois nossas crianças têm
mais tempo para se desenvolver...
hoje em dia, isso leva cerca de 30 anos...
(Risos)
E eles são capazes de usar
todo tipo de mecanismo cognitivo.
Quando conto essa piada na universidade,
ninguém dá risada, mas...
(Risos)
Mas nós sabemos como é.
Então o Homo erectus tinha
vantagens e desvantagens,
mas o mais importante
é que nenhuma dessas desvantagens
os afastaram da linguagem
e das conquistas que vemos.
Agora mesmo, cientistas estão escavando
uma vila do Homo erectus,
com cerca de 750 mil anos,
em Gesher Benot Ya'aqov, em Israel.
E descobrimos que essa vila
é organizada hierarquicamente.
Há uma seção da vila
para processamento de produtos animais,
uma seção para processamento
de produtos vegetais,
e outra seção onde encontramos
evidências de habitações.
Então, eles não só construíam vilas,
mas o faziam de maneira estruturada.
Eles eram capazes
de pensar hierarquicamente,
de planejar, de imaginar.
O que constrói uma língua? O que faltava
para que tivessem uma língua?
Uma língua é, em essência, duas coisas:
símbolos e gramática.
E quantos símbolos e quanta gramática
são necessários para tanto?
Para começar, o que é um símbolo?
Charles Sanders Peirce,
filósofo norte-americano
que viveu cerca de cem anos atrás,
definiu três tipos de sinais.
Os indícios, que são sinais fisicamente
conectados ao que representam.
Quando sentimos cheiro de fumaça,
sabemos que há fogo.
A fumaça é um indício de fogo.
Vemos uma pegada, isso é um indício.
Todos os animais precisam de sinais.
Nossos cinco sentidos evoluíram
para que fôssemos capazes de ler indícios.
Sem os indícios e a capacidade
de interpretá-los,
não funcionaríamos no mundo.
O próximo tipo de sinal é o ícone:
não há uma conexão física,
mas há uma semelhança física.
A figura de Berekhat Ram, Vênus,
que mostrei mais cedo, é um ícone.
A "Mona Lisa" é um ícone.
A cruz na Cristandade nasceu como um ícone
e se tornou um símbolo.
Então, há isso tudo.
E o que é um símbolo então?
O símbolo é convencionalmente
um sinal convencional ou culturalmente
ligado a um significado.
Peguem por exemplo o número quatro:
q-u-a-t-r-o, ou nos dedos "quatro".
O que isso significa?
Significa a cardinalidade do quatro,
temos de continuar falando em português.
Mas o quatro é uma forma
culturalmente determinada
com um significado determinado.
Nem todas as línguas possuem matemática.
A Pirahã, por exemplo,
não tem nem o número um.
Nessa língua não existe
nenhum conceito matemático.
Então, a matemática
é uma descoberta cultural,
se não um construto cultural,
e nem todos têm
a matemática nesse sentido.
Os símbolos matemáticos
são determinados culturalmente,
são dados pela cultura.
Outro ponto que é preciso
para construir uma língua...
Mas, antes, temos um fato fascinante:
quando Peirce disse que indícios vêm
primeiro ou mais fáceis e depois os ícones
e depois os símbolos,
ele, acidental e indiretamente,
previu exatamente o que descobrimos
nos registros arqueológicos.
Assim, indícios, todas as criaturas têm.
Existem há 5 bilhões de anos
ou o tempo em que existe vida na Terra,
perto de 4 bilhões.
Mas quando foi que o primeiro ícone,
a primeira imagem,
apareceu nos registros arqueológicos?
Bem, temos de voltar 3 milhões de anos,
o que não é tanto tempo assim,
até os "Australopithecus africanus".
Achamos numa caverna dos Australopithecus
a caverna Makapansgat, na África do Sul,
um pequeno seixo de 5 cm por 7 cm
chamada de seixo de Makapansgat,
ou de Makapansgat Manuport
porque foi carregado até a caverna,
e alguns Australopithecus reconheceram
nessa pequena pedra um rosto humano.
Parece a camiseta oficial
da "carinha feliz".
E os Australopithecus
eram fascinados por ela.
Sabemos disso porque eles
a carregaram por quilômetros,
trouxeram para sua caverna
e a mantiveram lá.
Talvez tenha sido uma coincidência,
e ela tenha ficado presa nos dedos do pé.
Mas 5 cm por 7 cm é um pouco grande
até para os dedos dos Australopithecus.
Então, aparentemente eles levaram
até lá pelo que ela representava.
Primeiro vemos indícios,
depois vemos ícones
e, por último, vemos símbolos.
Então, o que seria um símbolo?
Pensem numa pá.
Em geral, ao falar sobre símbolo,
pensamos em arte abstrata,
mas a arte abstrata não é
necessariamente um símbolo.
Pensem numa pá.
A pá é uma ferramenta,
mas, quando olhamos para uma pá,
pensamos em trabalho,
pensamos em feridas,
pensamos em jardinagem,
pensamos na nossa família...
temos todos os tipos de memórias.
A pá se transforma num símbolo
por uma série de valores culturais.
As ferramentas que o erectus usava
eram facilmente vistas como símbolos.
Na maneira como eram cuidadas,
elas representavam símbolos.
De fato, achamos um biface
especial, batizado de Excalibur,
uma machadinha de quartzo pintada,
enterrada num cemitério erectus,
que indica que eles viam
aquela ferramenta,
como mencionei, como algo simbólico.
Então, eles tinham símbolos,
tinham a aptidão para símbolos,
eles planejavam, tinham
um tipo de sistema hierárquico
tinham pensamentos ordenados.
Precisavam, portanto, de uma gramática.
E quais tipos de gramática existem?
Bem, existe uma teoria
popular sobre gramática,
feita por alguém que não vou mencionar,
mas essa teoria em particular é
um pouco mais elaborada do que precisamos.
Identifiquei 3 tipos de gramática
nos meus 40 anos de estudos de campo.
Vou chamar uma de G1, a outra de G2,
e a última, para ser original, de G3.
As G1 são gramáticas em ordem linear.
Temos exemplos disso no inglês:
"Você bebe, você dirige, você é preso";
"Sem camiseta, sem sapatos,
sem atendimento".
São apenas palavras em ordem.
É preciso esclarecer que existem
línguas modernas, como a Riau,
da Indonésia, e a Pirahã,
sobre as quais psicolinguistas renomados
defendem que sua gramática
é do tipo G1, ou seja, somente
palavras em ordem linear.
Uma gramática G2 tem hierarquia:
"Se você beber e você
dirigir, você vai preso".
Pegamos as palavras e construímos
uma sentença maior.
E a gramática G3 tem
hierarquia e repetição:
"Se você beber e dirigir,
sabendo que não deveria,
pois sua esposa vai ficar chateada,
porque, da última vez, o pai dela avisou
que não te emprestaria mais dinheiro",
e assim vai.
Esse tipo de gramática é encontrada
facilmente em muitas línguas no mundo,
mas pode-se expressar
qualquer coisa da G3 na G1,
matematicamente elas têm o mesmo poder.
Então, uma vez que tenhamos
símbolos e a gramática G1,
temos uma língua,
uma língua completamente humana.
Temos isso hoje em dia.
O Homo erectus era capaz disso?
Sim, eles eram.
Será que demonstraram
os tipos de comunicação,
correção, cooperação e planejamento,
que são requisitos para uma língua humana?
Sim, eles demonstraram.
Todos os animais se comunicam,
não existe um único animal
entre todas as espécies
que não se comunique,
mesmo assim, parece que só os humanos
se comunicam através de uma língua.
Somente os humanos têm sistemas
elaborados, simbólicos e gramaticais
que nos permitem nos comunicar.
Mas existe alguma coisa
sobre o que falamos
que justifique que a gramática
seja uma mutação?
Ou que as gramáticas sejam inatas?
Ou que as gramáticas sejam instintivas?
Seria isso diferente de ter
um instinto para química,
para a produção de carros,
ou para fazer burritos?
Consigo achar uma receita
de burritos na minha cabeça.
Se formos para o campo da anatomia,
podemos identificar onde está a receita
dentro do meu cérebro,
onde está a informação,
mas não significa que seja inata.
Só significa que é para onde vai
quando eu aprendo,
por uma variedade de razões.
Assim, a linguagem,
por tudo o que sabemos,
foi inventada e desenvolvida com o tempo.
No momento em que uma cultura se apropria
de uma língua, começa a transformá-la.
As línguas estão sempre em mudança.
Às vezes tornam-se mais elaboradas,
às vezes mais simples.
O Homo erectus começou
o processo da linguagem
através das suas conquistas,
através do que sabemos
sobre seu raciocínio,
através de seus artefatos e suas vilas,
e evidências de viagens que deixaram
nos registros arqueológicos.
A linguagem, se isso tudo está correto,
e insisto na visão de que esteja,
começou há 60 mil gerações.
É um dos grandes avanços,
o começo da era da informação
para a humanidade,
que permitiu todas as outras
conquistas da nossa espécie.
E, se voltarmos para esse cara,
vamos chamá-lo de "Johnny Erectus",
no sentido de andar de pé,
em oposição a outros sentidos,
ele foi...
(Risos)
a primeira pessoa que falou.
A primeira pessoa que talvez
tenha dito para outra:
"Eu te amo".
Ou disse: "Vamos".
Ou: "Eu quero isso".
Imaginem as possibilidades e elaborações
de 60 mil gerações de língua.
As palestras TED são um exemplo
da intenção de potencializar
o poder da linguagem humana.
Não existe nada mais poderoso
na Terra do que a linguagem.
Ainda não compreendemos tudo sobre isso,
mas sabemos o que nos torna quem somos:
a habilidade de falar
e nos comunicar uns com os outros.
Então, quando forem embora
do TED esta noite,
quando deixarem estas palestras
e este dia que passamos juntos,
usem a língua, conversem e escutem,
e apreciem o valor
dessa invenção maravilhosa
que os gorilas falantes,
os Homo erectus, nossos ancestrais,
os primeiros humanos
a caminhar na Terra, nos deram.
Obrigado.
(Aplausos)