Tudo bom, pessoal? Vou conversar um pouquinho com vocês hoje sobre isto aqui, que é uma coisa que parece uma diversão, parece simples, mas já me levou pra vários lugares do mundo. Parece um pouco engraçado eu, que gosto de jogos, estar aqui conversando com vocês hoje e parece que soa assim: "Poxa, o Pase veio aqui e está um pouco contra isso". Muito pelo contrário! É por gostar de jogos, é por acreditar que isso é uma mídia diferente, que estou aqui pra dividir um pouco da minha preocupação com vocês. E pra poder entender um pouco essa jornada e pra poder entender porque estou preocupado, eu preciso voltar um pouco no tempo com vocês. Um bom tempo atrás, lá pelos anos 80, um ser bege, com monitor de uma só cor chegou na minha casa, chegou no colégio, chegou em vários lugares, e a gente tinha aulas com nomes estranhos do tipo: "aula de computação" ou "aula de introdução à informática". Lá atrás a gente aprendeu a programar, talvez alguns aqui aprenderam linguagens como o Basic, que parecia totalmente estranha. Só que a partir de alguns desafios que a gente tinha, a gente começou a domar a máquina, a gente começou a entender a máquina. Por exemplo: eu aprendi a perder o medo do computador com uma coisa chamada "Logo", uma linguagem que era uma tartaruga e precisava fazer ela andar. E era supersimples, tinha que dar algumas ordens lógicas, PD 15 mandava girar, tinha alguns comandos. E ali eu estava aprendendo, basicamente, cálculo um pouquinho e estava também aprendendo um pouco de lógica. Apesar de quebrar a cara várias vezes ali, eu estava aprendendo a conversar com a máquina. Eu estava aprendendo a ver aquele ser estranho e dialogar com ele. O problema é o seguinte, justo quando o computador ficou mais próximo, hoje estamos com o tablet na mão, com várias coisas ao nosso redor, o problema é que justo quando a informática avançou, nós acabamos mais seduzidos por sistemas operacionais, por um determinado programa ou outro, acabamos adotando coisas prontas e deixamos de programar, deixamos de tentar falar com a máquina. Nós perdemos a chance de estar aprendendo, e não só isso, eu sou um jornalista falando isso, nós perdemos a chance de estar aprendendo a comunicar com a máquina. Bem, tem um problema parecido com isso que estou vendo com os jogos eletrônicos. Eu sou apaixonado pelo tema então deem um desconto pra mim, perdão. O jogo eletrônico é um dos meios mais fascinantes que tem. O jogo eletrônico, vocês já devem ter visto alguém jogar "Candy Crush", jogar "Angry Birds", ou jogar o jogo da cobrinha no celular mesmo. E se alguém te atrapalha naquele momento, se você perdeu a conexão... Cara! Perdeu tudo! Porque o jogo é baseado em diversão, é baseado na minha vontade de jogar e, mais do que tudo, ele é baseado no meu foco, ele é baseado na minha concentração sobre o que estou fazendo. Essa concentração sobre o que estou fazendo é algo que é muito importante nos dias de hoje. Como o pessoal gosta de falar, quando a gente está preocupado não mais com "eyeballs", com o olhar das pessoas, mas com o que as pessoas estão vendo, estão pensando, estão refletindo sobre o que eu faço. Bem, isso é uma coisa legal, os jogos servem pra passar mensagens superbacanas, seja "The Beatles: Rock Band", pra contar a história deles, seja o "SimCity" pra fazer com que eu pense em cidades. A gente tem várias aplicações bacanas de jogos. O problema é o seguinte: a hora em que a gente tenta levar pra nossa vida, a hora em que a gente pega o digital, em que a gente pega essa motivação e tenta levar pro nosso trabalho, pro nosso cotidiano, nem sempre dá certo. E isso me deixa um pouco preocupado. Talvez alguns de vocês já ouviram falar de uma palavrinha que é uma dessas palavrinhas da moda, é uma palavrinha chamada "gamification", ou, na tradução tosca, perdão ao português, "gamificação". Isso tem a ver com jogos, isso deriva dos jogos, mas é um pouquinho diferente. O que é gamification? É quando eu pego regras, estabeleço regras, estabeleço mecânicas, estabeleço pontuações, estabeleço metas, estabeleço recompensas dentro de um processo, de uma sequência de trabalho, dentro de uma avaliação, dentro de uma produção de matéria, de uma correção de exercícios dos alunos. É quando eu uso algumas mecânicas de jogo dentro de um processo. Parece jogo, tem cara de jogo, mas é um pouco diferente. Até aí tudo bem, acho que... Ontem vocês ouviram histórias boas de usar jogos, de usar exercícios pra motivar as pessoas. Hoje a gente vai ainda ver coisas bacanas nesse sentido. Eu gosto de lembrar de algumas coisas. Vocês conhecem o clássico: fez o tema de casa superbem, ganha uma estrelinha no boletim. Ou, aquela coisa que todo dezembro a gente lembra: quem se comportou bem durante o ano, vai ganhar presente do Papai Noel. Ou seja, eu tenho uma motivação. Nós somos motivados por isso. O problema está na hora que eu pego essa ideia de processo, essa ideia de uma regra, essa ideia de jogo, aplico num determinado trabalho e nem sempre eu acabo encontrando um modo legal, um modo divertido, um modo que dá vontade de participar desse processo. Estava conversando com um empresa essa semana, e foi muito engraçado o pessoal comentando, me lembra muito aquela situação quando a pessoa pega, calibra, enche, pega um tablet, coloca um monte de PDF, dá pro funcionário e diz: "Está aqui 'mobile learning'". Não cara! Isso é "escravo learning"! Eu tenho pena da pessoa lendo aquilo sem uma condução, sem alguma coisa realmente pensada e aplicada para aquilo. Bem, quando a gente olha pra essa questão da gamification, o que me deixa um pouco preocupado é que se a gente vive num mundo de metas, se vive num mundo de pontuações, quando a gente faz compras supersimples, às vezes você não está nem pensando no desconto que vai ter, mas na pontuação que vai ganhar pra trocar não sei que dia. Você está sempre pensando em pontos. No trabalho nós temos metas, no trabalho nós temos itens a cumprir, produtos a vender, nós temos clientes a fidelizar. E o jogo acaba entrando de uma forma, que é pra motivar, que é pra que eu me sinta divertido nesse processo. Só que nem sempre é assim. E o pior, o que me deixa um pouco preocupado é que quando a gente está colocando dinâmicas de jogo pra dentro de um trabalho, nem sempre a gente entende a natureza do meu trabalhador, a natureza do meu colega de trabalho pra entender e pra usar essa mecânica toda pra estimular. Eu fico um pouco com olhar espantado, eu fico um pouco com olhar atento, quando eu olho e vejo que, na verdade, o que está acontecendo? Eu estou colocando a pessoa dentro de um mesmo trilho, estou colocando a pessoa pra fazer a mesma coisa e, pior, estou gerando competição a partir de uma coisa de jogo, que nem sempre poderia ser competição. E aí o segundo ponto da minha preocupação. Perdão, mas ela é mais direcionada pra quem já joga um pouco. Quando a gente joga videogame, por mais que eu tenha, sei lá, vou lembrar o clássico exemplo do Mario Bros, eu tenho que passar de fase e salvar a princesa, mesmo que me digam no final: "Desculpa, mas a princesa está no próximo castelo" e você segue. O que me preocupa é: um jogo de videogame, por mais que tenha um objetivo, uma regra, que ele tenha etapas a cumprir, nem sempre... como a gente viu agora há pouco, cada pessoa pensa diferente. Se eu der o mesmo jogo pra você, se eu der o jogo da cobrinha, o Angry Birds, o que seja, cada um de vocês vai jogar de uma maneira diferente. E o problema principal é que, quando aplico uma métrica de gamification pro trabalho da pessoa, muitas vezes eu estou tratando as pessoas como iguais. E não estou valorizando que essa pessoa, talvez, ela não vai querer completar a tarefa tão rápido, pra só chegar na pontuação, só bater uma meta mensal da empresa e desligar a cabeça pra deixar de trabalhar, pra deixar de pensar como ela tem que pensar. O que me preocupa nessa história é que, quando a gente coloca metas, quando coloca regras, quando a gente faz um sistema muito específico, eu estou tolhendo a criatividade. Esse "Somos Humanidade", que está atrás de mim, ele vai pro espaço. E o pior: um sistema de gamification, muitas vezes ele não entende que às vezes, na minha vida, trabalhar menos, ganhar menos é viver mais. Porque quero poder fazer uma tarefa de um jeito legal, quero fazer de um jeito pensado, quero fazer de um jeito criativo. Estou preocupado com a perda, com o modo como estamos perdendo a criatividade. E fico muito preocupado que, vira e mexe, a gente vê propostas, vê ideias de gamification e o problema é o seguinte: na verdade, a gente está usando a tecnologia, que era algo que deveria ser usado para me dar outras formas... Acabamos de ver a neurociência, legal pra caramba, a gente viu ontem várias ideias bacanas, e estou usando isso como uma ferramenta que está escravizando o homem, e o pior, está fazendo com que eu me sinta que nem um hamster correndo naquela rodinha, produz, produz, produz, achando que eu estou me divertindo, porque estou com a ideia de que a minha vida foi transformada em um jogo e o pior, não sou eu quem joga esse jogo. Quem joga é quem está controlando. Se vocês lembrarem de "Metrópolis", o filme, sim, é um pouco do que o "Metrópolis" fala. Só que com uma cara de Mario Bros, com uma cara de Angry Birds. E isso me deixa um pouco preocupado. No final das contas, o que fico pensando é que quando finalmente a gente tem chance de fazer coisas legais, quando finalmente a gente tem chance de usar o digital, de ser humanidade através de uma ferramenta, de olhar, de motivar as pessoas pra usar isto aqui e fazer com que elas se divirtam, que elas trabalhem cooperativamente, eu estou competindo por mim, eu estou usando só pra bater a minha meta, não estou pensando no outro, e o pior, eu estou esquecendo de duas coisas. A primeira, eu trabalho muito melhor quando eu me divirto, quando eu tenho vontade de fazer isso. A gente joga não porque a gente é obrigado a jogar, a gente joga porque a gente gosta. Porque a gente quer resolver um problema, e está com uma motivação nossa pra se divertir, pra resolver esse problema. E a outra preocupação maior é que finalmente quando a gente poderia usar isso pra motivar as pessoas pra que a gente jogue junto, a gente está jogando separado. E vocês sabem muito bem, que quando jogamos juntos, jogamos cooperativamente e nós nos divertimos, nós compartilhamos conhecimento e é isso que nos faz humanidade. Muito obrigado. (Aplausos)