Porque vale a pena ouvir pessoas com as quais não concordamos
-
0:02 - 0:06Em 1994, Charles Murray
e Richard Herrnstein -
0:06 - 0:08escreveram ''The Bell Curve'',
-
0:08 - 0:10um livro extremamente controverso,
-
0:10 - 0:12que alega que, em média,
-
0:12 - 0:16algumas etnias são mais espertas
e têm uma maior probabilidade de sucesso. -
0:16 - 0:19Murray e Herrnstein também sugerem
-
0:19 - 0:24que a falta de inteligência crítica
explica o predomínio de crimes violentos -
0:24 - 0:26nas comunidades afro-americanas pobres.
-
0:28 - 0:31Mas Charles Murray e Richard Herrnstein
não são os únicos que pensam assim. -
0:32 - 0:33Em 2012,
-
0:33 - 0:38um escritor, jornalista e comentador
político, chamado John Derbyshire, -
0:38 - 0:41escreveu um artigo, que era suposto
ser uma versão não negra -
0:41 - 0:45da conversa que muitos pais negros
sentem que têm de dar aos seus filhos: -
0:45 - 0:48conselhos sobre como
se manterem em segurança. -
0:49 - 0:52Nesse artigo, ele oferecia sugestões como:
-
0:52 - 0:55''Não vão a eventos
que possam atrair muitos negros,'' -
0:55 - 0:58''Fiquem fora de bairros
predominantemente negros'' -
0:58 - 1:01e ''Não sejam bons samaritanos
para com negros em aflição''. -
1:02 - 1:08Mesmo assim, em 2016, convidei
John Derbyshire e Charles Murray -
1:08 - 1:10para fazerem uma palestra na minha escola,
-
1:10 - 1:14sabendo bem que lhes estava a dar
uma plataforma e atenção -
1:14 - 1:18para ideias que eu desprezava e rejeitava.
-
1:18 - 1:21Mas isto é apenas mais uma evolução
-
1:21 - 1:25de um percurso de aprendizagem
desconfortável ao longo da minha vida. -
1:25 - 1:29Quando eu tinha 10 anos, a minha mãe
foi diagnosticada com esquizofrenia, -
1:30 - 1:35uma doença mental caracterizada por
mudanças de humor e ilusões paranóicas. -
1:36 - 1:39Durante toda a minha vida,
os ataques de fúria da minha mãe -
1:39 - 1:42transformavam a nossa pequena casa`
num campo de minas. -
1:42 - 1:46No entanto, embora temesse
as suas fúrias todos os dias, -
1:46 - 1:48também aprendi muito com ela.
-
1:49 - 1:53A nossa relação era complicada
e com problemas, -
1:54 - 1:59e, aos 14 anos, decidiram
que eu tinha de viver separado dela. -
2:00 - 2:02Mas, ao longo dos anos,
-
2:02 - 2:04eu acabei por apreciar
algumas lições importantes -
2:04 - 2:07que a minha mãe me ensinou sobre a vida.
-
2:07 - 2:11Foi a primeira pessoa que me falou
de aprender com outros pontos de vista. -
2:12 - 2:15Ela, tal como eu, nascera e fora criada
-
2:15 - 2:18numa família de democratas
liberais empenhados. -
2:19 - 2:23Ela incentivou-me a ver o mundo
e os problemas que enfrentamos -
2:23 - 2:27como coisas complexas, controversas
e em constante mudança. -
2:28 - 2:31Um dia, deparei-me com
a expressão ''ação afirmativa'' -
2:31 - 2:33num livro que estava a ler.
-
2:33 - 2:36Quando lhe perguntei o seu significado,
-
2:36 - 2:38ela passou o que me pareceu uma hora,
-
2:38 - 2:40a dar-me uma explicação
minuciosa e refletida, -
2:40 - 2:43que fizesse sentido para uma criança.
-
2:43 - 2:46Até fez com que o assunto parecesse,
pelo menos, tão interessante -
2:46 - 2:49como faria um dos meus professores.
-
2:49 - 2:53Ela explicou-me as razões pela quais
pessoas de diferentes visões políticas -
2:53 - 2:56desafiam e apoiam a ação afirmativa,
-
2:56 - 3:00salientando que, apesar de ela
a apoiar fortemente, -
3:00 - 3:03era importante que eu visse o assunto
como controverso, -
3:04 - 3:07com uma longa história,
um futuro questionável -
3:07 - 3:10e uma série de fatores complicados.
-
3:11 - 3:14Embora a ação afirmativa possa
aumentar a presença de minorias -
3:14 - 3:17em instituições educacionais de elite,
-
3:17 - 3:20ela sentia que também pode deixar
em desvantagem pessoas trabalhadoras -
3:21 - 3:23de diferentes etnias mais abastadas.
-
3:25 - 3:32A minha mãe queria que eu percebesse
que nunca devia pôr de lado opiniões -
3:32 - 3:34com que não concordasse
ou de que não gostasse, -
3:34 - 3:38porque havia sempre algo a aprender
com as perspetivas dos outros, -
3:39 - 3:41mesmo que fosse difícil fazê-lo.
-
3:42 - 3:45No entanto, a vida em casa
com a minha mãe -
3:45 - 3:49não foi o único aspeto do meu percurso
que tem sido formativo e desconfortável. -
3:50 - 3:53No quarto ano, ela decidiu que eu devia
frequentar uma escola privada, -
3:53 - 3:56para receber a melhor educação possível.
-
3:57 - 4:00Como aluno negro em escolas privadas
predominantemente brancas, -
4:00 - 4:04encontrei atitudes e comportamentos
que refletiam estereótipos raciais. -
4:05 - 4:10Vários pais de amigos meus assumiam,
poucos minutos depois de me conhecerem, -
4:10 - 4:13que a minha melhor aptidão
era jogar basquetebol. -
4:13 - 4:17Eu ficava chateado ao pensar
que a minha etnia os impedia de me verem -
4:17 - 4:21como um aluno que gostava
de ler, de escrever e de falar. -
4:21 - 4:25Experiências como esta motivaram-me
a trabalhar de forma incansável -
4:26 - 4:30para refutar o que eu sabia
que as pessoas assumiam. -
4:31 - 4:34A minha mãe dissera que,
para eu criar uma boa impressão, -
4:35 - 4:38tinha de ser paciente, atento
e extremamente bem educado. -
4:38 - 4:42Para provar que pertencia,
eu tinha de mostrar postura e confiança, -
4:42 - 4:45capacidade para falar bem
e ouvir atentamente. -
4:45 - 4:48Só assim os meus colegas veriam
que eu merecia estar ali -
4:48 - 4:50tanto quanto eles.
-
4:50 - 4:55Apesar deste estereótipo racial
e do desconforto que eu sentia, -
4:55 - 5:00o que aprendi com outros aspetos
de estudar numa escola privada de elite -
5:00 - 5:01foi incrivelmente valioso.
-
5:02 - 5:07Fui encorajado pelos meus professores
a explorar a minha curiosidade, -
5:07 - 5:09a desafiar-me de novas formas
-
5:09 - 5:13e a aprofundar o meu conhecimento
dos assuntos que mais me fascinavam. -
5:14 - 5:17Ir para a faculdade era o passo seguinte.
-
5:18 - 5:21Eu estava entusiasmado em elevar
para um nível superior -
5:21 - 5:23o meu impulso intelectual e interesse
no mundo das ideias. -
5:23 - 5:28Estava ansioso por me envolver
em debates com colegas, professores -
5:28 - 5:31e oradores do exterior;
-
5:31 - 5:34para ouvir, aprender e adquirir
um conhecimento mais profundo -
5:34 - 5:36sobre mim mesmo e sobre os outros.
-
5:36 - 5:40Embora tenha tido a sorte
de conhecer colegas e professores -
5:40 - 5:42que estavam interessessados
em fazer a mesma coisa, -
5:42 - 5:47o meu desejo em me envolver
com ideias difíceis encontrou resistência. -
5:49 - 5:53Para me preparar para o meu envolvimento
na controvérsia no mundo real, -
5:53 - 5:57juntei-me a um grupo que levava
oradores polémicos à faculdade. -
5:57 - 6:00Mas muitas pessoas opunham-se
ferozmente a este grupo, -
6:00 - 6:03e recebi uma reação negativa significativa
-
6:03 - 6:06de estudantes, do corpo docente
e da minha administração. -
6:08 - 6:11Para muitos, era difícil perceber
-
6:11 - 6:15qual a mais valia de oradores polémicos
-
6:15 - 6:17se eles eram prejudiciais.
-
6:17 - 6:20Para mim, foi dececionante
encarar ataques pessoais, -
6:20 - 6:23ter a minha administração
a cancelar oradores, -
6:23 - 6:26e ouvir as minhas intenções
distorcidas pelos que me rodeavam. -
6:28 - 6:31O meu trabalho também magoou
os sentimentos de muitos, -
6:31 - 6:32e eu percebi isso.
-
6:33 - 6:36É óbvio que ninguém gosta de ser ofendido,
-
6:36 - 6:39e claro que não gosto de ouvir
oradores polémicos argumentar -
6:39 - 6:42que o feminismo se tornou
numa guerra contras os homens, -
6:42 - 6:45ou que os negros têm um QI
mais baixo que os brancos. -
6:46 - 6:47Eu também percebo
-
6:47 - 6:52que algumas pessoas tiveram
experiências traumáticas na sua vida. -
6:54 - 6:57E, para alguns, ouvir
pontos de vista ofensivos -
6:57 - 7:01pode ser como reviver os traumas
que tanta dificuldade tiveram em superar. -
7:02 - 7:05Muitos argumentam que, ao darmos
a estas pessoas uma plataforma, -
7:05 - 7:07estamos a fazer mais mal que bem,
-
7:07 - 7:10e lembro-me disso todas as vezes
que ouço estes pontos de vista -
7:10 - 7:13e sinto o meu estômago às voltas.
-
7:13 - 7:16Todavia, ignorar as perspetivas opostas
não as faz desaparecer, -
7:16 - 7:19porque milhões de pessoas
concordam com elas. -
7:19 - 7:23Para perceber o potencial
da sociedade em progredir, -
7:24 - 7:26precisamos de entender a oposição.
-
7:27 - 7:31Ao envolvermo-nos com ideias
controversas e ofensivas, -
7:31 - 7:34acredito que podemos encontrar
um denominador comum, -
7:34 - 7:37se não com os próprios oradores,
-
7:37 - 7:41mas com as audiências
que eles possam atrair ou doutrinar. -
7:41 - 7:47Ao nos envolvermos, eu acredito que
podemos alcançar uma melhor compreensão, -
7:47 - 7:50uma compreensão mais profunda,
das nossas próprias crenças -
7:50 - 7:53e preservar a capacidade
de resolver problemas, -
7:53 - 7:56coisa que não podemos fazer
se não falarmos uns com os outros -
7:56 - 7:59e nos esforçarmos para ser bons ouvintes.
-
8:00 - 8:02Mas pouco tempo depois de anunciar
-
8:02 - 8:05que o John Derbyshire ia discursar
no "campus" da faculdade, -
8:05 - 8:08surgiu um movimento de oposição
estudantil nas redes sociais. -
8:08 - 8:10A onda de resistência foi,
de facto, tão intensa, -
8:10 - 8:13que o presidente da minha faculdade
rescindiu o convite. -
8:14 - 8:17Fiquei profundamente desiludido,
pois, na minha perspectiva, -
8:17 - 8:20não havia nada que eu
ou os meus colegas pudéssemos fazer -
8:21 - 8:23para silenciar aqueles
que concordavam com ele -
8:23 - 8:26no ambiente de escritório
dos nossos futuros empregadores. -
8:26 - 8:29Eu olho para o que se está a passar
nos "campus" das universidades, -
8:29 - 8:31e vejo a raiva.
-
8:31 - 8:32E eu entendo.
-
8:32 - 8:36Mas o que eu desejava poder dizer
às pessoas é que o incómodo vale a pena, -
8:36 - 8:38vale a pena ouvir,
-
8:38 - 8:42e que somos mais fortes,
e não mais fracos, por causa disso. -
8:42 - 8:46Quando penso nas minhas experiências
com esta aprendizagem desconfortável, -
8:47 - 8:50e reflito sobre elas,
-
8:50 - 8:54descubro que tem sido muito difícil
mudar os valores -
8:54 - 8:57da comunidade intelectual
da qual eu faço parte. -
8:59 - 9:00Mas eu tenho esperança
-
9:00 - 9:04quando penso nas interações individuais
que tive a oportunidade de ter -
9:04 - 9:07com estudantes que apoiam
o trabalho que eu estou a fazer -
9:07 - 9:09e também se sentem desafiados por ele,
-
9:09 - 9:11e com aqueles que não me apoiam.
-
9:11 - 9:13O que descobri é que,
-
9:13 - 9:15embora possa ser difícil mudar
os valores de uma comunidade, -
9:16 - 9:19podemos ganhar muito
com interações individuais. -
9:19 - 9:23Apesar de não ter conseguido
interagir com o John Derbyshire -
9:23 - 9:25devido à rescisão do convite
do meu presidente, -
9:25 - 9:29consegui jantar com o Charles Murray
antes da sua palestra. -
9:30 - 9:33Eu tinha a noção
que a conversa seria difícil. -
9:33 - 9:35E não esperava que fosse agradável.
-
9:35 - 9:40Mas foi cordial, e adquiri uma compreensão
mais profunda dos seus argumentos. -
9:41 - 9:46Descobri que, tal como eu, ele acreditava
na criação de uma sociedade mais justa. -
9:46 - 9:50A questão é que a compreensão dele
quanto ao que a justiça implica -
9:50 - 9:52era bem diferente da minha.
-
9:53 - 9:56A maneira como ele queria
compreender o problema, -
9:56 - 9:59como queria abordar
o problema da desigualdade -
9:59 - 10:01também era diferente da minha.
-
10:01 - 10:03E descobri que a sua compreensão
de problemas -
10:03 - 10:05como o bem-estar e a ação afirmativa
-
10:05 - 10:08estava profundamente enraizada
na sua compreensão -
10:08 - 10:11de várias crenças
libertárias e conservadoras, -
10:11 - 10:15o que diminui e aumenta
a sua presença na nossa sociedade. -
10:16 - 10:19Embora tenha manifestado
os seus pontos de vista eloquentemente, -
10:19 - 10:21permaneci totalmente cético.
-
10:21 - 10:24Mas saí de lá com uma compreensão
mais aprofundada. -
10:25 - 10:30Acredito que, para conseguir
progredir face à adversidade, -
10:32 - 10:34é necessário um compromisso genuíno
-
10:34 - 10:38para adquirir uma compreensão
mais aprofundada da humanidade. -
10:38 - 10:41Gostava de ver um mundo com mais líderes
-
10:41 - 10:44familiarizados
com as opiniões aprofundadas -
10:44 - 10:46daqueles de quem
discordam profundamente, -
10:47 - 10:51de forma a conseguirem compreender
os matizes de todos os que representam. -
10:51 - 10:55Eu vejo isto como um processo contínuo
que necessita de aprendizagem constante, -
10:55 - 10:59e estou confiante de que serei capaz
de ser uma mais-valia no futuro, -
10:59 - 11:02se continuar a criar empatia
e compreensão -
11:02 - 11:04ao envolver-me
com perspetivas desconhecidas. -
11:04 - 11:06Obrigado.
-
11:06 - 11:09(Aplausos)
- Title:
- Porque vale a pena ouvir pessoas com as quais não concordamos
- Speaker:
- Zachary R. Wood
- Description:
-
Somos mais fortes, não mais fracos, através do envolvimento com ideias e pessoas com as quais não concordamos, diz Zachary R. Wood. Numa palestra importante sobre encontrar um denominador comum, Wood argumenta que é possível criar empatia e ganhar compreensão ao nos envolvermos com tato e refletidamente com ideias controversas e perspetivas desconhecidas. "Ignorar perspetivas opostas não as faz desaparecer", diz Wood. "Para conseguir progredir face à adversidade, é necessário um compromisso genuíno para adquirir uma compreensão mais aprofundada da humanidade."
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 11:22
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João Garcias
Estive a rever a correção e encontrei alguns erros. Aos 05:40: "que estavam interessessados" -> "interessados". 06:39: "que o feminismo se tornou numa guerra contras os homens," -> "contra". Não sei se ainda é possível fazer a alteração ou não, mas quis deixar o comentário na mesma.