Cloe Shasha: Bem-vindo, Ibram, e muito obrigada por juntar-se a nós. Ibram X. Kendi: Obrigado, Cloe e Whitney, e obrigado a todos por participarem desta conversa. Algumas semanas atrás, no mesmo dia em que soubemos da morte brutal de George Floyd, também soubemos que, no Central Park, uma mulher branca resolveu andar com seu cão solto, e foi advertida sobre isso por um homem negro. Em vez de colocar a guia no cão, ela decidiu ameaçar esse homem negro, chamar a polícia e alegar que sua vida estava sendo ameaçada. E, claro, quando soubemos disso através de um vídeo, muitos norte-americanos ficaram indignados, e essa mulher, Amy Cooper, acabou dizendo, em rede nacional, o que inúmeros outros norte-americanos dizem logo após cometer um ato racista: "Eu não sou racista". E eu digo inúmeros norte-americanos porque, quando pensamos em norte-americanos expressando ideias racistas, apoiando políticas racistas, na verdade estamos falando de pessoas que alegaram não serem racistas, porque todos alegam não serem racistas, sejam as Amy Coopers da vida, seja Donald Trump, que, logo após falar que Baltimore, com maioria da população negra, é uma bagunça infestada de ratos onde nenhum ser humano deseja morar, e de ser acusado de racista, disse: "Na verdade, sou a pessoa menos racista do mundo". A essência do racismo sempre foi a negação, e a expressão disso sempre foi: "Eu não sou racista". Então, o que tento fazer com meu trabalho é conseguir que os norte-americanos eliminem o conceito de "não racista" do seu vocabulário e percebam que ou estamos sendo racistas ou antirracistas. Ou estamos expressando ideias que sugerem que certos grupos raciais são melhores ou piores que outros, superiores ou inferiores a outros e estamos sendo racistas; ou sendo antirracistas, expressando noções de que grupos raciais são iguais, apesar de qualquer diferença cultural ou étnica. Ou estamos apoiando políticas que levam à desigualdade e à injustiça racial, como vimos em Louisville, onde Breonna Taylor foi assassinada, ou estamos apoiando e promovendo políticas que levam à igualdade e justiça para todos. Então acho que devemos ser muito claros se estamos expressando ideias racistas, se estamos apoiando políticas racistas, e admitir quando estivermos, porque ser antirracista é admitir quando expressamos uma ideia racista. É dizer: "Sabe, quando fiz aquilo no Central Park, sem dúvida eu estava sendo racista. Mas vou mudar, vou me esforçar pra ser antirracista". E ser racista é negar constantemente as desigualdades sociais que permeiam a sociedade norte-americana, é negar constantemente as ideias racistas que permeiam as mentes norte-americanas. Então quero construir uma sociedade justa e igualitária, e a única forma de conseguir ao menos começar esse processo é admitindo nosso racismo e começando a construir um mundo antirracista. Obrigado. CS: Muito obrigada por suas palavras. O seu livro "Como Ser Antirracista" se tornou um best-seller à luz do que tem acontecido, e você tem falado sobre como o antirracismo e o racismo são as duas únicas perspectivas possíveis e opostas sobre o racismo. Gostaria de saber se você pode falar um pouco mais sobre quais são os princípios básicos do antirracismo, para quem não está familiarizado com isso, em termos de como podem ser antirracistas. IXK: Claro. Como mencionei em minha palestra, a essência do racismo é a negação, e a essência do antirracismo é a confissão, é o reconhecimento de que crescer nesta sociedade significa, em algum ponto da nossa vida, internalizar ideias racistas que sugerem que certos grupos raciais são melhores ou piores que outros. E como acreditamos na hierarquia racial e como os norte-americanos têm sido ensinados sistematicamente que as pessoas negras são mais perigosas, que são mais propensas ao crime, quando vivemos em uma sociedade em que pessoas negras são 40% da população carcerária, isso parece normal. Quando vivemos em uma sociedade em uma cidade como Mineápolis, onde as pessoas negras, apesar de serem apenas 20% da população, perfazem mais de 60% das pessoas sujeitas a tiroteio policial, isso parece normal. Então, ser antirracista é acreditar que não há nada errado ou inferior sobre as pessoas negras ou outro grupo racial. Não há nada perigoso em relação às pessoas negras ou a qualquer outro grupo racial. Então, quando vemos essas disparidades raciais ao nosso redor, vemos elas como anormais, e começamos a nos dar conta: quais políticas estão por trás de tantas pessoas negras sendo mortas pela polícia? Quais políticas estão por trás de tantos latinos sendo desproporcionalmente infectados por COVID-19? Como posso participar da luta para derrubar essas políticas e substituí-las por políticas antirracistas? Whitney Pennington Rodgers: Parece que você faz uma distinção entre não ser racista e ser antirracista. Você poderia detalhar isso um pouco mais? Qual a diferença entre os dois? IXK: De maneira bem simples, um não racista é um racista em negação, e um antirracista é alguém que tenta admitir as ocasiões em que é racista, e que tenta reconhecer os problemas e desigualdades raciais da nossa sociedade, e que tenta desafiar essas desigualdades raciais desafiando a política. Digo isso porque literalmente senhores e traficantes de escravizados achavam que as ideias deles não eram racistas. Eles diziam coisas como: "Os negros são os descendentes amaldiçoados de Ham, e estão condenados à escravidão para sempre". Isso não é: "Não sou racista". Isso é: "É a lei de Deus". Diziam coisas como: "Baseado na ciência, baseado na etnologia, baseado na história natural, a natureza dos negros os predispõe à escravidão e à servidão. Essa é a lei da natureza. Não sou racista. Na verdade estou fazendo o que a natureza diz que devo fazer". Essa construção de não ser racista e de negar o racismo de alguém vem desde as origens deste pais. CS: Sim. E por que você acha que tem sido tão difícil para algumas pessoas aceitarem que a neutralidade não é suficiente quando falamos de racismo? IXK: Acho que porque dá muito trabalho ser antirracista. Você tem que estar muito vulnerável. Tem de querer admitir que estava errado. Tem de querer admitir que, se você tem mais, se você é branco, por exemplo, e tem mais, pode não ser porque você é mais. Você tem de admitir que, sim, possivelmente, você trabalhou duro, mas você também teve certas vantagens que lhe deram oportunidades que outras pessoas não têm. Você precisa admitir essas coisas, e é muito difícil para as pessoas serem publicamente, ou mesmo particularmente, autocríticas. Acho que isso também tem relação, e eu deveria ter começado por isso, pelo modo como as pessoas definem "racista". As pessoas tendem a definir "racista" como uma categoria fixa, como uma identidade. Como sendo a essência de uma pessoa. Uma pessoa se torna um racista. E assim... E também associam o racista a uma pessoa má. Associam o racista a alguém da Ku Klux Klan. E dizem: "Eu não sou da Ku Klux Klan, não sou uma pessoa má, fiz coisas boas na vida. Fiz coisas boas para pessoas negras. Então não sou racista. Não sou isso, essa não é minha identidade". Mas não é assim que devemos definir uma pessoa racista. "Racista" é um termo descritivo. Ele descreve o que uma pessoa diz ou fala em determinado momento. Quando alguém, em dado momento, expressa uma ideia racista, por exemplo, dizendo que negros são preguiçosos, está sendo racista. Se no instante a seguir estiver apreciando a cultura de povos nativos, estará sendo antirracista. WPR: Em breve teremos algumas perguntas da nossa comunidade, mas acho que muitas pessoas, ao ouvirem sua ideia sobre antirracismo, têm o sentimento de que isso é algo que só diz respeito à comunidade branca. Você pode falar um pouco sobre como a comunidade negra e outras comunidades não brancas, de minorias étnicas, podem participar e pensar sobre essa ideia de antirracismo? IXK: Claro. Se norte-americanos brancos usualmente dizem: "Não sou racista", as pessoas não brancas usualmente dizem: "Eu não posso ser racista, porque não sou branco". Portanto alguns não brancos dizem que não podem ser racistas porque eles não têm poder. Então, primeiramente, com meu trabalho tento combater a ideia de que pessoas não brancas não têm poder. Não há nada mais desempoderador do que dizer ou pensar, como pessoa não branca, que você não tem poder. Há tempo as pessoas não brancas utilizam o poder mais básico que todo ser humano tem, que é o poder de resistir a políticas racistas e o poder de resistir a uma sociedade racista. Mas se você é uma pessoa não branca e acredita que as pessoas que vêm de Honduras e El Salvador estão invadindo este país, se acredita que os imigrantes latinos são animais e estupradores, então, se você for negro ou asiático, certamente você não vai participar da luta para defender os imigrantes latinos, para reconhecer que os imigrantes latinos têm tanto para dar a este país quanto qualquer outro grupo, você vai ver essas pessoas como "tirando seu emprego", e, portanto, você vai apoiar a retórica racista, vai apoiar políticas racistas, mesmo que provavelmente isso te prejudique, ou seja, que isso prejudique imigrantes do Haiti e da Nigéria, se você for negro, e imigrantes vindos da Índia, se você for asiático. Então acho muito importante que mesmo as pessoas não brancas percebam que têm poder de resistir. Quando pessoas não brancas veem outras pessoas não brancas como problema, elas não veem o racismo como problema. E qualquer um que não vê o racismo como problema não está sendo antirracista. CS: Você falou um pouco sobre isso em sua fala inicial, mas você falou sobre como o racismo é a razão pela qual comunidades negras e comunidades não brancas são sistematicamente prejudicadas nos Estados Unidos, o que levou a tantas mortes por COVID-19 nessas comunidades. E, ainda assim, a mídia sempre culpa as pessoas não brancas por sua vulnerabilidade à doença. Por isso gostaria de saber qual a relação entre o antirracismo e o potencial para mudança sistêmica? IXK: Acho que é uma relação direta, porque quando você é... quando você acredita e consome ideias racistas, você nem ao menos vai acreditar que a mudança é necessária, porque vai acreditar que a desigualdade racial é normal. Ou não vai acreditar que a mudança é possível. Em outras palavras, vai acreditar que a razão pela qual pessoas negras são mortas pela polícia em taxas tão altas ou a razão pela qual pessoas latinas são infectadas a taxas tão altas é porque há algo errado com elas, e nada pode ser feito. Então você nem ao menos vai ver a necessidade de mudanças estruturais e sistêmicas, muito menos ser parte da luta por mudanças estruturais e sistêmicas, Então, ser antirracista, de novo, é reconhecer que só há duas causas para a desigualdade racial: ou há algo errado com as pessoas, ou há algo errado com o poder e a política. E se percebe que não há nada de errado com nenhum grupo de pessoas, e sigo falando em grupos, não falo em indivíduos... Claro que há indivíduos negros que não levam o coronavírus a sério, que é uma das razões pelas quais eles são infectados. Mas há pessoas brancas que não levam o coronavírus a sério. Ninguém jamais provou, e na verdade estudos mostram que as pessoas negras são mais propensas a levar o coronavírus a sério do que as pessoas brancas. Não estamos falando de indivíduos, e certamente não devemos individualizar grupos. Certamente não devemos olhar o comportamento individual de uma pessoa latina ou negra, e dizer que ela representa o grupo. Essa, por si só, é uma ideia racista. Então falo de grupos e, se você acredita que os grupos são iguais, então a única alternativa, a única explicação para a persistência da desigualdade e da injustiça é o poder e a política. Então, passar tempo transformando e desafiando o poder e a política é passar tempo sendo antirracista. WPR: Temos algumas perguntas do público. A primeira delas é de um membro da comunidade que pergunta: "Quando falamos sobre o privilégio branco, também falamos sobre o privilégio de não ter conversas difíceis. Você acha que isso começa a mudar?" IXK: Espero que sim, porque acho que norte-americanos brancos, também, precisam simultaneamente reconhecer seus privilégios, os privilégios que eles têm acumulado como resultado de sua branquitude, e a única forma de fazer isso é começando e tendo essas conversas. Mas eles também teriam de reconhecer que, sim, eles têm mais, os norte-americanos brancos têm mais, devido às políticas racistas, mas o que os norte-americanos brancos deveriam se perguntar, especialmente quando eles têm essas conversas entre si, é: se tivéssemos uma sociedade mais igualitária, nós teríamos mais? O que pergunto é: os norte-americanos brancos têm mais por causa do racismo, mas há outros grupos de pessoas, em outras democracias ocidentais, que têm mais do que os norte-americanos brancos, e aí você começa a se perguntar: por que as pessoas em outros países têm atendimento à saúde de graça? Por que elas têm licença-maternidade e licença-paternidade? Por que elas têm uma rede de segurança massiva? Por que nós não temos? E uma das principais respostas para não termos isso é o racismo. Uma das principais respostas à pergunta: por que Donald Trump é presidente dos Estados Unidos é o racismo. Então não peço que os norte-americanos brancos sejam altruístas para serem antirracistas. Na verdade pedimos às pessoas que tenham interesse próprio inteligente. Esses 4 ou 5 milhões de brancos pobres em 1860 cuja pobreza era resultado direto da riqueza de alguns milhares de famílias brancas escravistas, para desafiar a escravidão, não dissemos que vocês tinham de ser altruístas. Não, na verdade precisamos que você faça o que é de seu próprio interesse. Esses 10 milhões de norte-americanos brancos que perderam o emprego em função da pandemia, não estamos pedindo que sejam altruístas. Pedimos que se deem conta de que, se tivéssemos outro tipo de governo, com outras prioridades, eles estariam bem melhores agora. Desculpem, não me façam começar. CS: Não, nós agradecemos. Obrigada. Alinhado a isso, obviamente esses movimentos e protestos trouxeram progresso: a remoção de monumentos confederados, a petição à câmara de Mineápolis para desmantelar o departamento de polícia, etc. Mas, politicamente, o que você vê como maior prioridade política, se essa luta por justiça continuar? Há algo a aprender com outros países? IXK: Na verdade, não acho necessariamente que haja uma prioridade política única. Quero dizer, se me obrigassem a responder, eu provavelmente diria duas, que são: saúde de alta qualidade e gratuita para todos, e, quando digo de alta qualidade, não falo só de plano de saúde de baixo custo para todos, falo de um cenário simultâneo em que na região rural do sudoeste da Geórgia, onde as pessoas são predominantemente negras e há uma das mais altas taxas de mortalidade por COVID nos EUA, esses municípios no sudoeste da Geórgia teriam acesso à saúde com a mesma qualidade que as pessoas em Atlanta e Nova York, e então, simultaneamente, a atenção à saúde seria gratuita. Este ano, muitos norte-americanos estão morrendo, não só de COVID, claro, mas também de câncer e doenças cardíacas, que são as doenças que mais matam norte-americanos depois da COVID, e, de forma desproporcional, os negros. Então eu diria isso e, em segundo lugar, reparação. Muitos norte-americanos alegam que acreditam na igualdade racial, que querem a igualdade racial. Muitos norte-americanos reconhecem como a subsistência econômica é crítica para todos neste país, neste sistema econômico. Mas muitos norte-americanos rejeitam ou não apoiam as reparações. Então temos uma situação na qual os norte-americanos brancos, pelo que eu verifiquei, têm renda média dez vezes mais alta que a dos negros, e, de acordo com um estudo recente, de hoje a 2053 a renda média dos brancos vai crescer - esse estudo é anterior à recessão atual - e a renda média dos negros vai cair para zero. E, com base na recessão atual, isso deve ocorrer dez anos antes. Então não só temos diferença de riqueza relacionada à raça, como isso está aumentado. E, para os norte-americanos que se dizem comprometidos com a igualdade racial, que reconhecem a importância da subsistência econômica e que também sabem que a maior parte da riqueza é herdada, e ao pensar em herança, pensamos no passado, e nas políticas do passado que muitos norte-americanos consideram racistas, seja a escravidão ou a segregação, como vamos pelo menos nos aproximar de reduzir a distância racial da riqueza sem um programa massivo como as reparações? WPR: Bem, um pouco conectada com a ideia de pensar sobre a disparidade e a desigualdade de riqueza neste país, temos uma pergunta de alguém da comunidade, Dana Perls: "Como você sugere que as organizações liberais brancas encaminhem efetivamente problemas de racismo no ambiente de trabalho, especialmente em ambientes em que as pessoas silenciam diante do racismo ou fazem declarações simbólicas sem olhar internamente?" IXK: Certo. Eu faria algumas sugestões. Uma, há várias décadas todos os locais de trabalho anunciam publicamente um compromisso com a diversidade. Tipicamente, eles têm declarações referentes à diversidade. Eu basicamente rasgaria essas declarações e escreveria uma nova, e seria uma declaração comprometida com o antirracismo. Nessa declaração, eu definiria claramente o que é uma ideia racista, o que é uma ideia antirracista, o que é uma política racista e o que é uma política antirracista. E, como local de trabalho, você declararia estar comprometido a ter uma cultura de ideias antirracistas e uma instituição feita de políticas antirracistas. Assim todos poderiam avaliar as ideias de todos e as políticas daquele local de trabalho, baseadas nesse documento. Acho que isso poderia iniciar o processo de transformação. Também acho muito importante que os locais de trabalho não só diversifiquem sua equipe, mas também a administração superior. E acho que isso também é absolutamente crítico. CS: Temos mais perguntas da audiência. Temos uma pergunta de Melissa Mahoney: "Donald Trump parece fazer do apoio ao Black Lives Matter uma questão partidária, por exemplo, debochando de Mitt Romney por participar de um protesto pacífico. Como separar isso, para que não seja algo partidário?" IXK: Bem, acho que dizer que a vida dos negros é uma bandeira dos democratas simultaneamente afirma que os republicanos não valorizam a vida dos negros. Se é isso, essencialmente, que Donald Trump diz, se ele declara que há um problema ao marchar pela vida dos negros, qual é a solução? A solução é não marchar. Qual é a alternativa? A alternativa é não marchar pela vida dos negros. A alternativa é não se importar quando os negros morrerem por violência policial ou por COVID. Então, para mim, a forma de tornamos isso uma questão não partidária é retaliando ou argumentando dessa forma, e obviamente os republicanos vão alegar que não estão dizendo isso, mas é algo simples: ou você acredita que vidas negras importam ou não. E se você acredita que vidas negras importam porque você acredita em direitos humanos, então você acredita no direito humano dos negros e de todas as pessoas de viver, de não ter medo da violência policial, de não ter medo do Estado e de não ter medo que um protesto pacífico enfraqueça porque algum político quer fazer campanha, então você vai instituir políticas que mostrem isso. Ou não. WPR: Quero perguntar como as pessoas podem pensar sobre o antirracismo e como podem realmente trazer isso para a vida delas. Imagino que muita gente ouve isso e pensa: preciso ser muito cuidadoso sobre como minhas ações e palavras são percebidas. Qual a intenção que se percebe no que eu falo, e isso pode ser exaustivo, e acho que isso se conecta inclusive com essa ideia de política. Então eu gostaria de saber. Há um grande elemento de preocupação que vem com esse trabalho de ser antirracista. Qual sua reação e resposta para quem se preocupa com a exaustão mental de ter que pensar constantemente sobre como suas ações podem ferir ou machucar aguém? IXK: Acho que parte da preocupação que as pessoas têm com a exaustão mental é essa ideia de nunca querer cometer um erro, e acho que ser antirracista é cometer erros e reconhecer quando isso acontecer. Para nós, o importante é ter essas definições bem claras, assim podemos avaliar nossas palavras, podemos avaliar nossos atos, e, ao cometer um erro, podemos apenas assumi-lo e dizer: "Sabe, essa foi uma ideia racista", "Sabe, eu estava apoiando uma política racista, mas vou mudar". Outra coisa que acho importante é perceber que, de várias formas, somos viciados, e digo nós individualmente e certamente o país como um todo é viciado em racismo, e essa é uma das razões pela qual tantas pessoas simplesmente negam. As pessoas normalmente negam seus vícios. Mas então, ao percebermos o vício, todos que tinham um vício, você fala com amigos e familiares que estão superando o vício de uso de drogas, eles não dizem simplesmente que estão curados, que não precisam pensar nisso regularmente. Alguém que esteja superando o alcoolismo diz: "Esse é um processo diário, e passo por ele a cada dia e a cada momento e sim, é difícil me conter de voltar ao meu vício, mas ao mesmo tempo é libertador, porque não preciso mais me afundar naquele vício. E não preciso mais magoar pessoas por causa do meu vício". E acho isso muito importante. Passamos muito tempo pensando sobre como nos sentimos e menos tempo pensando sobre como nossas ideias e ações fazem os outros se sentirem. E uma coisa que o vídeo do George Floyd forçou os norte-americanos a fazerem foi realmente ver e especialmente escutar como alguém se sente em função do racismo dos outros. CS: Temos outra pergunta da audiência. A pergunta é: "Você pode falar sobre a interseccionalidade entre o trabalho do antirracismo, do feminismo e dos direitos homossexuais? Como o antirracismo se relaciona e afeta o trabalho dessas outras questões de direitos humanos?" IXK: Certo. Eu defino uma ideia racista como qualquer ideia que sugere que um grupo racial é superior ou inferior a outro por qualquer motivo. E uso o termo grupo racial em oposição a raça porque toda raça é uma coleção de grupos racializados interseccionados, então temos mulheres negras e homens negros e temos heterossexuais negros e pessoas queer negras, assim como temos mulheres latinas e mulheres brancas e homens asiáticos, e o importante para nós é entender que não são só ideias racistas que atingem as pessoas negras. Há ideias racistas que se desenvolveram e atingiram mulheres negras, que atingiram lésbicas negras, que atingiram mulheres trans negras. E muitas vezes as ideias racistas que atingem esses grupos interseccionais cruzam com outras formas de preconceito que também atingem esses grupos. Para dar um exemplo sobre mulheres negras, uma das ideias racistas mais antigas sobre as mulheres negras era a ideia de que elas eram mulheres inferiores ou que nem mesmo eram mulheres, e que eram inferiores às mulheres brancas, que eram o topo da condição feminina. E essa ideia fez uma intersecção com a ideia sexista que sugere que as mulheres são fracas, que, quanto mais fraca é uma mulher, mais feminina ela é, e, quanto mais forte é uma mulher, mais masculina ela é. Essas duas ideias se cruzaram para degradar constantemente as mulheres negras com a ideia de mulher negra forte e masculina, inferior à mulher branca e fraca. A única forma de realmente entender essas construções de uma mulher branca e fraca superfeminina e uma mulher negra e forte hipermasculina é entender as ideias sexistas, é rejeitar as ideias sexistas, e, rapidamente, o mesmo acontece na intersecção entre racismo e homofobia, na qual pessoas negras queer estão sujeitas à ideia de serem mais hipersexuais porque há essa ideia de que pessoas queer serem mais hipersexuais que as heterossexuais. Então as pessoas negras queer têm sido rotuladas de serem mais hipersexuais do que pessoas brancas queer e do que pessoas negras heterossexuais. E você não consegue realmente ver e entender e rejeitar isso se não rejeitar e entender e desafiar também a homofobia. WPR: Nessa questão de desafiar, temos outra pergunta da nossa comunidade, feita por Maryam Mohit: "Como você vê o antirracismo e a cultura do cancelamento interagindo. Por exemplo, quando alguém fez algo obviamente racista no passado e isso vem à tona?" Como reagir a isso? IXK: Uau. Acho isso muito, muito complexo. Obviamente eu encorajo as pessoas a se transformarem, a mudarem, a admitirem que eram racistas, então obviamente nós, como comunidade, devemos dar às pessoas a possibilidade de fazer isso. Quando alguém admite que estava sendo racista, claro que não podemos cancelá-lo imediatamente. Mas também acho que há pessoas que fazem coisas tão ofensivas e há pessoas tão relutantes em reconhecer como é ofensivo o que acabaram de fazer, que em determinado momento não é só o ato horrível e repulsivo, mas, acima disso, a recusa a ao menos admitir o ato horrível e repulsivo. Nesse caso, consigo entender que as pessoas queiram mesmo cancelá-las e, por outro lado, acho que é preciso ter algum tipo de consequência, consequência pública, cultural, para as pessoas que agem de forma racista, especialmente se for uma forma extremamente ofensiva. E muita gente decidiu simplesmente cancelar essas pessoas. E não vou criticá-las, mas acho que devemos encontrar uma forma de discernir aqueles que se recusam a se transformar e aqueles que cometeram um erro e reconhecem isso e estão verdadeiramente comprometidos em se transformar. CS: Sim, uma das preocupações que muitos ativistas estão expressando é que a energia por trás do movimento Black Lives Matter deve permanecer elevada para que a mudança antirracista realmente ocorra. Acho que isso também se aplica ao que você acaba de dizer. E gostaria de saber sua opinião sobre quando os protestos começarem a enfraquecer e as campanhas de arrecadação diminuírem, como podemos garantir que a conversa sobre antirracismo continue em pauta? IXK: Claro. Em "Como Ser Antirracista", num dos capítulos finais, chamado "Fracasso", falei sobre o que chamo de defesa do sentimento, que é a pessoa se sentir mal com o que está acontecendo, com o que aconteceu com George Floyd ou com o que aconteceu com Ahmaud Arbery ou Breonna Taylor. Elas se sentem mal com este país e para onde ele está indo. Então a forma de elas se sentirem melhor é irem a uma manifestação. A forma de se sentirem melhor é doando para uma organização específica. A forma de se sentirem melhor é lendo um livro. E se é isso que muitos norte-americanos estão fazendo, uma vez que eles se sintam melhor, ou seja, quando o indivíduo se sentir melhor através da participação em clubes de leitura, manifestações ou campanhas de doação, nada vai mudar, a não ser seu próprio sentimento. Então precisamos ir além de nossos sentimentos. E isso não é dizer que as pessoas não devem se sentir mal, mas devemos usar nossos sentimentos, o quão mal nos sentimos com o que está havendo, para colocar em prática políticas e poder antirracistas. Em outras palavras, nossos sentimentos devem nos fazer avançar. Eles não devem ser o ponto de chegada. Não tem a ver com nos sentirmos melhor. Tem a ver com transformar este país, e precisamos mirar a transformação deste país, porque, se não o fizermos, quando as pessoas se sentirem melhor depois que tudo isso tiver passado, voltaremos à mesma situação de ficarmos horrorizados por outro vídeo, e então nos sentirmos mal, e assim o ciclo só vai continuar. WPR: Sabe, acho que quando pensamos que tipo de mudanças podemos implementar e como podemos fazer o sistema funcionar melhor, fazer nossos governos funcionarem melhor, nossa polícia funcionar melhor, há modelos em outros países... Obviamente a história dos EUA é única em termos de pensamento sobre raça e opressão, mas, ao olhar outras nações e culturas, você vê outros modelos como exemplos que poderíamos implementar aqui? IXK: Há tantos. Há países em que os policiais não usam armas. Há países que têm população maior que a dos EUA, mas menos presos. Há países que tentam combater crimes violentos não com mais policiais e prisões, mas com mais trabalho e oportunidades, porque eles sabem e veem que as comunidades com níveis mais altos de violência tendem a ser comunidades com altos níveis de pobreza e desemprego de longa duração. Acho que... Obviamente, outros países oferecem consideráveis redes de segurança social de forma que as pessoas não cometem crimes devido à pobreza, não cometem crimes devido ao desespero. Então acho que é fundamental para nós primeiramente pensar desta forma: certo, se não há nada errado com as pessoas, como podemos reduzir a violência policial? Como podemos reduzir a desigualdade racial na saúde? Quais políticas podemos mudar? Quais funcionaram? É esse tipo de pergunta que precisamos fazer, porque na verdade nunca houve nada de errado com as pessoas. CS: No seu artigo no "The Atlantic" chamado "Who Gets To Be Afraid in America", você escreveu: "O que eu sou, um homem negro, não deveria importar. Deveria importar quem sou". Sinto que é como se você dissesse que em outros lugares talvez isso seja mais possível, e gostaria de saber, quando você imagina um país no qual importa mais quem você é, como ele seria? IXK: Para mim, como negro norte-americano, as pessoas não me achariam perigoso, e assim minha existência não seria perigosa. Isso me permite andar pelo país sem achar que os outros têm medo de mim por causa da cor da minha pele. Isso me permite acreditar que não consegui um emprego porque não me saí bem na entrevista e não por causa da cor da minha pele. Isso me permite... Um país com equidade racial, com justiça racial, com oportunidades para todos, um país onde a cultura afro-americana, a cultura nativa, a cultura de mexicanos-americanos e de coreanos-americanos são igualmente valorizadas, onde não se pede que ninguém assimile a cultura branca norte-americana. Onde não há um padrão de vestimenta profissional. Onde não é obrigatório falar inglês para ser norte-americano. E não só teríamos verdadeiramente igualdade e justiça para todos, mas encontraríamos um jeito de valorizar a diferença, de valorizar toda a diferença cultural e étnica que há nos Estados Unidos. Isso tornaria este um país incrível, seríamos realmente um país onde poderíamos de fato viajar pelo país e conhecer culturas do mundo todo, valorizar essas culturas e até mesmo entender nossa própria cultura a partir do que os outros estão fazendo. Há tanta beleza no meio de toda essa dor, e só quero de alguma forma lapidar isso e remover todas as cicatrizes de políticas racistas de forma que as pessoas possam se curar e possamos ver a verdadeira beleza. WPR: Ibram, ao pensar neste momento, quanto precisamos avançar para conquistar essa verdadeira beleza? IXK: Bem, sempre vejo progresso e resistência nas manifestações. e só pelo fato de as pessoas estarem clamando nas praças e nas prefeituras por mudanças progressivas e sistêmicas, sei que a mudança está aqui, mas as pessoas clamam e clamam em pequenas e grandes cidades, clamam de lugares conhecidos e de lugares de que nunca ouvimos falar. As pessoas clamam por mudança e estão cansadas. Estamos vivendo um período em que enfrentamos uma pandemia viral, uma pandemia racial junto com a pandemia viral onde as pessoas não brancas são infectadas e morrem desproporcionalmente, e mesmo uma pandemia econômica em que mais de 40 milhões de norte-americanos perderam o emprego e certamente uma pandemia de violência policial, e então as pessoas se manifestam contra a violência policial só para sofrer violência policial nas manifestações. Quer dizer, as pessoas veem que há um problema fundamental aqui, e que é um problema que pode ser resolvido. Há um país que pode ser criado e as pessoas clamam por isso, e isso é sempre o começo. Começa pelo que estamos vivendo hoje. CS: Acho que a próxima pergunta da audiência vai bem nessa linha: "O que te dá esperança agora?" IXK: Com certeza a resistência ao racismo sempre me deu esperança, mesmo que seis meses atrás as pessoas não estivessem praticamente todas as noites por todo o país, se manifestando contra o racismo, mas eu podia olhar para a história e ver que as pessoas resistiam. Então a resistência sempre me dá esperança, porque sempre é resistência. E, claro, é tempestuosa, mas o arco-íris normalmente está do outro lado. Mas também recebo esperança filosoficamente, porque sei que, para gerar mudança, precisamos acreditar na mudança. Não tem como querer promover mudanças e ser cínico. É impossível. Eu sei que preciso acreditar na mudança para poder fazê-la acontecer. WPR: Temos outra pergunta que toca em pontos que você falou antes em termos da mudança estrutural que precisamos promover. De Maryam Mohit: "Para colocar em prática as políticas transformativas, o mais importante é votar nas pessoas certas e eleger para todos os níveis pessoas que possam fazer essas mudanças estruturais?" IXK: Acho que uma parte é isso. Certamente acho que devemos votar, de diretores de escola ao presidente dos Estados Unidos, em pessoas comprometidas com instituir políticas antirracistas que levem à igualdade e justiça. E acho que isso é muito importante, mas não acho que devemos pensar que essa é a única coisa que devemos focar ou a única coisa que devemos fazer. E há instituições, há bairros que precisam ser transformados, que em certa medida estão fora da competência de um legislador oficialmente eleito. Há administradores, CEOs e presidentes com poder de transformar políticas em suas esferas e instituições, então devemos focar isso. A última coisa que vou dizer sobre votar é que escrevi uma série de artigos para o "The Atlantic" no início deste ano que buscam fazer os norte-americanos pensarem no que chamo "o outro eleitor oscilante". Não o tradicional eleitor que oscila entre republicanos e democratas, que são principalmente velhos brancos. Falo sobre os que oscilam entre votar nos democratas e não votar. E esses eleitores são tipicamente mais jovens e tipicamente não brancos, mas são especialmente jovens não brancos, especialmente jovens negros e latinos. Devemos ver essas pessoas, esses jovens eleitores negros e latinos que estão decidindo se votam ou não da mesma forma que vemos as pessoas que estão decidindo se votam em Trump ou Biden nas eleições gerais. Em outras palavras, vê-los também como eleitores oscilantes é vê-los de forma a dizer: precisamos persuadir essas pessoas. Elas não são gado político. Não vamos simplesmente desconsiderá-las. Precisamos encorajá-las e persuadi-las, e também precisamos facilitar a votação para esses outros eleitores oscilantes, e geralmente é difícil para esses jovens não brancos votarem por causa das políticas de supressão de eleitores. CS: Obrigada, Ibram. Bem, estamos chegando ao fim desta entrevista, mas eu adoraria que você lesse algo que escreveu alguns dias atrás no Instagram. Você fez um post lindo com uma foto de sua filha, e me pergunto se você gostaria de compartilhá-lo conosco e dizer brevemente como cada um de nós pode trazer essa perspectiva para a própria vida. IXK: Sim, claro. Eu postei uma foto da Imani, minha filha de quatro anos, e escrevi: "Eu amo. E, por amar, eu resisto. Tem havido muitas teorias sobre o que está impulsionando o aumento das manifestações contra o racismo no âmbito público e privado. Vou oferecer outra: o amor. Nós amamos. Sabemos que a vida de quem amamos, especialmente dos negros que amamos, está em perigo pela violência do racismo. O tempo todo me perguntam o que me impulsiona. É a mesma coisa: o amor. O amor desta garotinha. O amor de todos, grandes e pequenos, que quero que tenham uma vida plena na plenitude de sua humanidade, não barrados por políticas racistas, nem degradados por ideias racistas, nem aterrorizados pela violência racista. Sejamos antirracistas. Vamos defender a vida. Vamos defender nosso direito humano de viver, e viver plenamente, porque amamos". E Cloe, só quero enfatizar que o cerne de ser antirracista é o amor, é amar seu país, amar sua humanidade, amar seus familiares e amigos e certamente amar a si mesmo. E o amor pra mim é um verbo. Para mim o amor é ajudar os outros e até eu mesmo a me tornar constantemente uma versão melhor de mim mesmo, deles mesmos, de quem eles querem ser. Então amar este país e amar a humanidade é impulsionar a humanidade de maneira construtiva a ser uma versão melhor de si mesma. E não podemos ser uma versão melhor, não podemos construir uma humanidade melhor, enquanto estivermos presos pelo racismo. WPR: Isso é lindo. Obrigada por tudo que compartilhou, Ibram. Sinto que ficou bem claro que não é algo fácil, certo? Não há um paliativo que faça isso sumir, isso exige trabalho de todos nós, e realmente agradeço pela honestidade e consideração que você nos trouxe hoje. IXK: Por nada. Muito obrigado por terem essa conversa comigo. CS: Muito obrigada, Ibram. Estamos muito gratas por sua participação. IXK: Obrigado.