Há 20 anos, minha vida tomou
uma direção completamente inesperada.
Eu estava sentada, assistindo televisão
com meu então filho de quatro anos.
E ele disse que precisava
me contar uma coisa.
Eu falei: "Claro, o que é?"
Ele se virou pra mim e disse:
"Mamãe, Deus cometeu um erro;
eu devia ser uma menina".
Fiquei apavorada,
mas isso acabava por explicar tanta coisa,
tanta coisa.
Mas, como no jogo "Monopoly",
pulei direto do medo para a negação
e disse ao Jack que tudo bem ser
menino e gostar de coisas de menina,
mas que isso não fazia dele uma menina.
E ele olhou pra mim, baixou os olhos
e não disse mais nada naquele dia.
Então, hoje eu queria mostrar o processo
que ocorreu nos últimos 24 anos
da minha vida e da minha criança,
e tentar explicar nossa jornada.
Assim, de Jack para Jackie.
Como é que este bebê de 3,6 quilos...
a propósito, ela odeia esta foto,
pois diz que ela está parecida
com um membro do Village People...
(Risos)
se transformou nesta jovem de 24 anos?
Ela gosta desta foto,
pois se acha sexy nela.
Bem, Jack foi meu primeiro filho.
Achei que sabia o que esperar,
mas realmente comecei a notar
que, tão logo começou
a andar e a se expressar,
ele gravitava ao redor de coisas
vistas sob o estereótipo de "femininas".
Mas aquilo não me incomodava;
não me perturbava nem um pouco.
Sempre achei que as crianças
deviam brincar com o que quisessem,
mesmo que não fosse a regra.
E, quando tive de voltar ao trabalho
e deixar Jack na creche,
suas roupas favoritas eram o tutu
e a fantasia da Branca de Neve.
Pra mim, estava tudo bem.
Mas não para o pai.
O pai de Jack sofria, e me culpava.
Ele achava que, por permitir
que Jack brincasse
com Polly Pocket e My Little Pony,
eu estava encorajando esse comportamento.
E eu não concordava,
o que causava tensões.
Eu havia chegado à conclusão,
nos seus primeiros dois anos de vida,
que eu tinha um menininho
muito sensível e afeminado
que provavelmente era gay.
Mas o pai de Jack não aprovava
aquele comportamento afeminado,
e isso criou tanta tensão
que acabamos na terapia de casal.
Fomos pra terapia,
e o que nos disseram é que, como pais,
tínhamos de entrar num acordo,
não importava qual fosse,
mas tínhamos de entrar num acordo.
Naquela altura, Tim aparentemente decidiu
que era eu que tinha de concordar com ele,
e assim todos os "brinquedos de menina"
ou "brinquedos afeminados", coisas assim,
foram tirados dele e guardados,
e Jack foi informado
de que aquilo não era apropriado.
De repente, um menininho feliz e confiante
ficou quieto, retraído, dengoso e choroso.
Não gostei nada daquilo e não achei certo.
Mas o que me fez fincar o pé
foi quando, umas semanas depois,
minha mãe me ligou e disse:
"O que está acontecendo com Jack?"
Perguntei: "Como assim?"
Ela falou: "Eu liguei uns dias atrás
pra perguntar o que ele queria de Natal,
e ele levou o telefone
pra fora da sala e falou:
'Uma Barbie Rapunzel,
mas, por favor, escondido,
porque se o papai e a mamãe souberem,
não vão me deixar brincar'".
Aí percebi que eu estava envergonhando
minha criança e sua escolha de brinquedos,
então o embargo dos brinquedos parou.
Mas fui consultar minha médica,
pois estava perdida
e não sabia o que fazer.
E ela franziu a testa e falou:
"Puxa! Que interessante!",
o que não ajudou muito,
pois eu queria algum tipo de orientação.
E, assim, ela não foi a primeira,
e certamente não seria a última,
a me dizer que "era uma fase",
bem longa, naquela altura, né?
E que sairia dela.
Mas ela não saiu.
E ela continuava a repetir:
"Sou menina, sou menina,
sou uma menina de verdade".
Aos seis anos, ela perguntou
se podia fazer uma cirurgia
para virar uma menina.
E foi difícil demais para mim,
como mãe, assistir à sua devastação
quando respondi que ela teria
de esperar até ficar adulta
antes que isso pudesse acontecer.
Aquilo me mostrou que eu tinha
de fazer alguma coisa,
e que não podia continuar a ignorar
e fingir que isso não estava acontecendo.
Então, fui pesquisar na internet
e coloquei: "Meu filho
quer ser uma menina".
E vieram diversos sites,
mas acho que o décimo da lista era
um site chamado "Mermaids", sereias.
Então, cliquei nele,
e tinha um número de telefone.
Acabei dando um telefonema
fundamental pra mim,
e conversando com Lynn,
que era membro fundadora da instituição.
Acho que chorei a conversa inteira,
porque foi um alívio grande demais
finalmente falar com alguém
que entendia o que eu estava passando
e que apontava semelhanças
entre suas crianças e a minha.
Isso me deu esperança.
Aos sete anos, Jackie
foi indicada para Tavistock,
que é uma clínica pública que ajuda
crianças e jovens com disforia de gênero,
e recebeu um diagnóstico
de disforia de gênero.
Sério? Que surpresa!
No entanto, aos oito anos, infelizmente,
o pai dela e eu nos separamos.
Mas isso acabou me dando
muito mais liberdade
para deixar Jackie se expressar.
A Tavistock disse que ajudava permitir
que ela usasse roupas de menina em casa,
mas que ela precisava permanecer
como menino fora de casa,
e tudo bem.
Eu me lembro da nossa primeira ida
ao shopping pra comprar roupas.
Entramos numa loja,
e eu falei: "Ali é a seção
de roupas de menina.
Você pode escolher algumas,
o que você quiser.
E o olhar dela foi indescritível.
Ela ficou feliz demais.
E lá foi ela,
e voltou uns dois minutos depois
com dois vestidos;
não conseguia se decidir.
E ficou segurando os vestidos, radiante,
e falava assim:
"Qual deles? De qual você
gosta mais, deste ou deste?",
e fazia uma volta.
E eu cá comigo:
"Meu Deus, se alguém
estiver me vendo agora,
vai pensar: 'A mãe desse menininho
com vestidos, o que ela está fazendo?'''
E olhei novamente
pra minha criança na minha frente,
olhei bem para o rosto dela e pensei:
"Quer saber? Não me importo
com o que os outros vão pensar.
A pessoa mais importante pra mim
está bem aqui na minha frente".
E, aos dez anos, saímos de férias.
Passamos três semanas
em que Jackie viveu como Jackie:
pronomes femininos, nome de menina,
roupas de menina o tempo todo.
E aquilo me mostrou
como minha criança ficou mais leve,
mais feliz, muito mais animada,
praticamente desde que levantava
até a hora de dormir,
e foi aí que percebi que forçá-la
a viver como menino na escola
era errado, porque eu estava
passando a ela a mensagem
de que querer e precisar ser
e se expressar como menina
era uma vergonha, algo a ser
escondido, algo secreto.
Assim, o último ano do fundamental I
foi o melhor ano da vida dela na escola.
Ela deixou o cabelo crescer,
usou o uniforme de menina,
e, na escola, eles notaram
uma criança completamente diferente
daquela do ano anterior.
E as outras crianças foram incríveis!
Lembro de uma professora me contar
ter ouvido uma conversa
entre duas das meninas,
e uma dizendo pra outra:
"Por que o Jack está de cabelo comprido
e usando roupa de menina?"
E a outra respondeu:
"Ah, você não sabia? Ele tem o cérebro
de menina num corpo de menino".
(Risos)
E a outra: "Ah... entendi".
(Risos)
E foi isso.
Infelizmente, alguns dos pais
não tinham a mente tão aberta,
e tivemos de chamar a polícia
quando uma mãe,
ao buscar o filho quase da mesma idade
da Jackie na escola,
botava a cara pra fora do carro pra xingar
minha filha de dez anos,
que caminhava de volta pra casa.
A essa altura, Tim tinha mudado.
Ele tinha visto mais e mais
que não se tratava de uma escolha,
que aquilo simplesmente
fazia parte da nossa filha,
e ele agora apoiava... e,
pra ser sincera, ele come na mão dela.
Mas estávamos nos preparando
para o ensino fundamental II,
e a Tavistock estava nos dando
apoio total e ajudando,
mas, quando Jackie pôs
o pé na escola, foi aniquilada.
Completamente aniquilada.
E, em duas semanas,
ela tomou sua primeira overdose.
Passei os três anos seguintes
em alerta de suicídio.
E, quando lembro,
não sei como dei conta,
mas também não sei como ela deu.
Pra piorar, veio a puberdade.
Aos 12 anos de idade, ela começou
uma puberdade masculina,
e foi horrível.
Ela começou a se cortar.
E ficamos completamente desesperados,
e confrontados com o NHS daquele tempo,
pois é diferente hoje em dia,
que não prescrevia nenhum medicamento
para pausar a puberdade,
não importava o sofrimento
da criança ao passar por esses estágios.
Comecei a pesquisar de novo
e encontrei um médico nos EUA
que trabalhava com crianças
com disforia de gênero,
e que prescreveu medicação
de bloqueio, totalmente reversível,
para pausar a puberdade.
Se pararmos a medicação,
a puberdade volta,
mas isso dá a jovens como minha filha
tempo e espaço para viver e ser
sem mudança no corpo.
Sei que ele parece o Indiana Jones,
mas é um médico de verdade.
É o Dr. Norman Spack, e trabalha
no hospital infantil de Boston,
um especialista mundialmente reconhecido,
que salvou a vida da minha filha.
Não tenho nenhuma dúvida sobre isso.
No meio disso tudo,
altos e baixos na escola,
acabamos achando uma escola
a 12 km de casa,
onde ninguém a conhecia,
a não ser como Jackie,
e as coisas meio que acalmaram.
Mas o efeito em sua educação
e sua vida foi profundo.
Em três anos, ela tinha
tido sete overdoses,
tudo relacionado
a abusos e ataques transfóbicos.
E uma de suas melhores amigas
foi a mentora dos crimes
de ódio da West Leeds,
só para dar uma ideia
do que Jackie teve de passar.
Mas, aos 16 anos, minha filha se submeteu
a uma cirurgia de redesignação sexual.
E, agora, vou deixar
que ela converse com vocês.
(Vídeo) (Música)
Jackie: Nasci no corpo de um menino,
mas tinha a mente e o cérebro de menina.
Acho que eu tinha uns cinco anos
quando falei pra minha mãe:
"Deus cometeu um erro; eu não devia...
este não sou eu. Está errado".
Acho que foi aos sete anos
que comecei a deixar o cabelo crescer,
e comecei a vestir uniforme de menina.
Na escola, as pessoas foram ótimas comigo,
realmente me ajudaram muito,
assim como muitos colegas.
O problema eram alguns pais
que não aceitavam bem.
Quando eu saía da escola e ia pra casa,
por duas ou três semanas consecutivas,
uma mãe punha a cabeça pra fora
da janela do carro e berrava, me xingando.
Dava pra sentir o ódio.
E então entrei no ensino médio,
que foi um pesadelo.
Minha história se espalhou rapidamente.
No meu primeiro dia no ensino médio,
eu estava na minha sala,
e um menino que eu nunca tinha visto
abriu a porta da sala,
e falou: "Ah, aquela aberração
está aqui? Aquela aberração".
Cuspiram em mim, me bateram,
e dói demais lembrar
como as pessoas podem ser cruéis.
Foi empoderador passar por tudo isso.
Aí, fui convidada a participar
do "Miss Inglaterra" e pensei:
"Devo ser... atraente. Nossa!"
Isso me deu o estímulo
de que eu precisava.
É parte da minha história,
mas não é a história toda,
porque, como eu disse,
sou irmã, cantora, atriz, modelo,
tudo isso, antes de ser
uma "pessoa trans".
Odeio isso; por que me rotular?
Não posso ser uma mulher simplesmente?
Todo mundo tem o direito
de viver a vida como quiser
e ser quem quiser, então
por que seria diferente comigo?
Tenho orgulho de tudo por que passei,
e não mudaria nada disso agora.
É parte do que sou. Está em meu DNA.
Sou uma mulher, e sempre fui.
(Fim da música) (Fim do vídeo)
Susie Green: Não consigo assistir; tenho
de desviar os olhos, pois ainda me afeta.
Agora sou a CEO das Mermaids,
dirijo a instituição humanitária
que contactei tantos anos atrás.
Isso dá um pouco da ideia da demanda,
e como está crescendo,
e o que estamos enfrentando
em termos de jovens se assumindo.
E o bom é que os pais
agora estão ouvindo também.
Mas dá pra ver a diferença.
A sociedade talvez esteja aceitando mais,
mas, ao mesmo tempo,
crianças e jovens pelo país
ainda são tratados como a Jackie foi.
Esta é uma pesquisa de 2017 da Stonewall:
51% das crianças trans sofrem bullying.
Uma em dez crianças
recebe ameaça de morte.
E 84% se automutilam
em comparação com 10% da população.
E 45% delas tentam o suicídio
pelo menos uma vez.
Ser transgênero não é
ter uma doença mental,
mas o preconceito, a discriminação
e o ódio da sociedade
levam à ansiedade e depressão.
Bem, agora esta é a Jackie.
E vocês podem ver...
ela talvez seja meio diva também,
não sei a quem está puxando...
mas o mais importante é que ela é feliz.
E não é isso o que importa?
Muito obrigada.
(Aplausos)