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Lentes Surdas | Wayne Betts Jr |TEDxIslay

  • 0:10 - 0:13
    Tenho que confessar uma coisa.
  • 0:13 - 0:15
    A minha memória não é muito boa.
  • 0:16 - 0:19
    Não tenho grandes recordações
    da minha infância.
  • 0:19 - 0:20
    Tinha um truque que me ajudava
  • 0:20 - 0:23
    a lembrar-me das coisas,
    quando estava a crescer.
  • 0:23 - 0:26
    O que acontecia, por que ordem, etc.
    Que truque era esse?
  • 0:29 - 0:32
    A minha mãe dizia:
    "Lembras-te de quando tinhas 12 anos
  • 0:32 - 0:36
    "e vomitaste comida indigesta
    naquele restaurante?
  • 0:36 - 0:38
    "Lembras-te?"
    E eu: "Doze anos?"
  • 0:38 - 0:40
    A minha mãe dizia:
  • 0:40 - 0:42
    "Foi no dia em que vimos o Indiana Jones 3
  • 0:42 - 0:44
    "que tu adoraste.
  • 0:44 - 0:46
    "E, depois disso, o que é que fizemos?"
  • 0:46 - 0:48
    E eu: "Ah, pois! Aquele restaurante".
  • 0:48 - 0:51
    Assim, apoiava-me no filme
    para me lembrar das coisas.
  • 0:51 - 0:52
    A linha cronológica da minha memória
  • 0:52 - 0:55
    apoiava-se na data
    em que eu tinha visto filmes.
  • 0:55 - 0:56
    Porque é que eu trago isto para aqui?
  • 0:56 - 0:58
    A minha mãe levava-me sempre ao cinema.
  • 0:58 - 1:01
    Sempre. Mesmo sem legendas.
  • 1:01 - 1:04
    Sentávamo-nos no cinema
    e as imagens apareciam à nossa frente.
  • 1:04 - 1:06
    Aborrecíamo-nos, apesar de eu ser
    um miúdo irrequieto?
  • 1:06 - 1:08
    Nem pensar.
  • 1:08 - 1:09
    Porque é que eu ficava fascinado?
  • 1:09 - 1:11
    A câmara. A iluminação. O enquadramento.
  • 1:11 - 1:13
    A câmara estava sempre em movimento.
  • 1:13 - 1:16
    Aproximava-se dos atores,
    enquanto eles falavam, depois afastava-se.
  • 1:16 - 1:18
    Eu ficava paralisado.
  • 1:18 - 1:21
    As imagens separadoras, sem palavras,
    sem qualquer diálogo, Só imagens.
  • 1:22 - 1:25
    Juntavam-se para contar uma história.
  • 1:25 - 1:27
    Era realmente muito poderoso. Uau!
  • 1:27 - 1:29
    Especialmente num certo filme.
  • 1:29 - 1:32
    Ficou metido na minha cabeça.
    Ainda hoje, continua lá.
  • 1:38 - 1:40
    Quantos de vocês o viram?
  • 1:41 - 1:42
    Todos, claro.
  • 1:42 - 1:45
    Foi provavelmente o primeiro filme
    que eu vi no cinema.
  • 1:45 - 1:47
    Deste, pelo menos, lembro-me bem.
  • 1:47 - 1:49
    Lembro-me de ser miúdo e estar no cinema,
  • 1:49 - 1:51
    com a minha mãe, muito excitado.
  • 1:51 - 1:54
    Vimo-lo do princípio até ao fim.
  • 1:54 - 1:55
    Eu desfiz-me em lágrimas.
  • 1:55 - 1:58
    De noite não consegui dormir
    e a minha mãe tentou consolar-me.
  • 1:58 - 2:01
    Mas o E.T. fora-se embora!
    Eu estava inconsolável.
  • 2:01 - 2:03
    Mas... havia uma parte especial.
  • 2:03 - 2:06
    Lembram-se do começo?
  • 2:07 - 2:09
    O filme começa à noite, no bosque.
  • 2:09 - 2:11
    Um OVNI projeta a luz lá de cima.
  • 2:11 - 2:12
    As árvores agitam-se quando ele aterra.
  • 2:12 - 2:15
    E uma criatura... um ser qualquer...
    sai correndo da nave.
  • 2:15 - 2:18
    As árvores abanam
    quando ele atravessa o bosque,
  • 2:18 - 2:20
    a câmara aproxima-se dos carros
    que chegam ao local,
  • 2:20 - 2:22
    os faróis iluminam as árvores.
  • 2:22 - 2:23
    Um carro para, abre-se a porta,
  • 2:23 - 2:25
    uns sapatos poisam no chão.
  • 2:25 - 2:26
    A câmara foca os sapatos.
  • 2:26 - 2:30
    Depois muda para um molho de chaves
    pendurado no cinto do homem
  • 2:30 - 2:33
    Nunca mostra a cara desse homem.
  • 2:33 - 2:34
    A câmara para nas chaves.
  • 2:34 - 2:38
    Quem era aquele homem? Eu não sabia
    Porque é que ele estava ali? Eu não sabia.
  • 2:38 - 2:41
    Só que ele perseguia a criatura
    mas não apanhara
  • 2:41 - 2:43
    e ela fugira para a cidade.
  • 2:43 - 2:45
    O homem vai-se embora e a cena desaparece.
  • 2:45 - 2:47
    Posteriormente, no filme,
  • 2:47 - 2:50
    depois da famosa cena da bicicleta,
    perto do fim,
  • 2:50 - 2:52
    o E.T. está a morrer, doente.
  • 2:52 - 2:54
    Encontram-no e levam-no para casa.
  • 2:54 - 2:57
    Levam-no para a casa de banho
    e escondem-no ali até ele morrer.
  • 2:57 - 2:59
    O rapaz chora sobre o corpo do E.T.
  • 2:59 - 3:01
    Depois, a câmara muda para o exterior,
  • 3:01 - 3:03
    onde está a chegar a polícia,
    a NASA e diversos agentes.
  • 3:03 - 3:05
    Abre-se a porta duma das carrinhas
  • 3:05 - 3:07
    e voltam a aparecer os mesmos pés!
  • 3:07 - 3:11
    A câmara sobe para mostrar
    o mesmo molho de chaves.
  • 3:12 - 3:14
    Vemos a cara dele? Não sei.
  • 3:14 - 3:16
    Qual era a profissão dele? Não sei.
  • 3:16 - 3:18
    Mas aquele pormenor da cena anterior
  • 3:18 - 3:20
    — o molho de chaves —
    corresponde a este molho aqui.
  • 3:20 - 3:23
    Aquele pormenor revela-nos imediatamente
    que é ele o mau da fita!
  • 3:23 - 3:26
    Está pronto para levar o E.T. e andar.
  • 3:26 - 3:29
    Sabemos isso, apenas a partir
    do molho de chaves. Desse pormenor.
  • 3:29 - 3:31
    Depois disso, a partir desse momento,
  • 3:31 - 3:33
    percebi que queria fazer filmes.
  • 3:33 - 3:37
    Queria fazer cenas separadas
    que se juntassem para nos dar uma história
  • 3:37 - 3:39
    sem precisar dum guião,
    falado ou assinado.
  • 3:39 - 3:41
    Foram aquelas imagens!
  • 3:41 - 3:45
    A partir daí, começou a minha jornada.
  • 3:46 - 3:49
    Mais tarde, entrei
    para a Universidade Gallaudet.
  • 3:49 - 3:51
    Fiz o curso para diretor de filmes.
  • 3:51 - 3:54
    Numa das minhas aulas,
    havia um professor, Facundo.
  • 3:54 - 3:55
    Morreu há pouco tempo.
  • 3:55 - 3:57
    Não era surdo
    e não sabia linguagem gestual.
  • 3:57 - 3:59
    Não quis o intérprete
    de linguagem gestual
  • 3:59 - 4:00
    e tentou substituí-lo.
  • 4:00 - 4:02
    E "falava" lentamente.
  • 4:02 - 4:05
    Ao fim de algum tempo de aulas,
  • 4:05 - 4:07
    arranjou um projeto especial.
  • 4:08 - 4:09
    [Expressão visual]
  • 4:10 - 4:12
    Expressão visual?
  • 4:12 - 4:15
    Até aí, tínhamos aprendido
    a enquadrar cenas,
  • 4:15 - 4:17
    a contar uma história, etc.
  • 4:17 - 4:19
    Mas isto era diferente.
  • 4:19 - 4:21
    O professor viu-se aflito
    para nos explicar aquilo.
  • 4:21 - 4:23
    "Turma, quero que vocês
  • 4:23 - 4:27
    "exprimam qualquer coisa
    sobre vocês mesmos!"
  • 4:27 - 4:29
    Eu tinha que dizer qualquer coisa
    sobre mim. Mas o quê?
  • 4:29 - 4:34
    Então, ele mostrou-nos um trabalho seu.
    Ele não era surdo, não se esqueçam.
  • 4:34 - 4:35
    O trabalho era do seu tempo
    da universidade.
  • 4:35 - 4:37
    Tinha um começo invulgar.
  • 4:37 - 4:39
    A câmara demorava-se sobre a cara dele,
  • 4:39 - 4:40
    e ele, em tronco nu.
  • 4:40 - 4:43
    A câmara focava a erva
    que baloiçava com o vento.
  • 4:43 - 4:45
    Depois para um corta-relva,
    depois para uma fogueira.
  • 4:45 - 4:48
    Depois para um homem a correr.
  • 4:48 - 4:49
    Depois para as nuvens no céu.
  • 4:49 - 4:51
    Eu não percebia nada daquilo.
  • 4:51 - 4:53
    Mas era estranha — a expressão dele.
  • 4:53 - 4:57
    O professor acrescentou
    que havia música e som e disse:
  • 4:57 - 5:00
    "Isto é uma abstração sobre a minha vida".
  • 5:00 - 5:03
    "Quero que vocês, esta turma de surdos,
    se exprimam,
  • 5:03 - 5:05
    "não quero que copiem o meu filme.
  • 5:05 - 5:07
    "Este filme é meu. Qual é o vosso?"
  • 5:07 - 5:11
    Enquanto ele se esforçava por explicar,
  • 5:11 - 5:13
    eu percebia que ele
    não encontrava as palavras
  • 5:13 - 5:15
    para o que queria que nós fizéssemos.
  • 5:15 - 5:18
    Não sabia como dizê-lo.
  • 5:18 - 5:20
    No fim do prazo,
    entregámos os nossos trabalhos.
  • 5:20 - 5:22
    O professor elogiou o nosso trabalho
  • 5:22 - 5:24
    e passámos para o projeto seguinte.
  • 5:24 - 5:27
    Mas aquilo ficou na minha memória.
  • 5:27 - 5:29
    Passei da Gallaudet para o RIT
  • 5:29 - 5:32
    Aí, concentrei-me na tecnologia
  • 5:32 - 5:34
    e fiz várias cadeiras
    sobre câmaras, lentes
  • 5:34 - 5:37
    — a diferença entre lentes
    de 50 mm e de 35 mm,
  • 5:37 - 5:40
    como iluminar uma cena com três luzes,
  • 5:40 - 5:43
    porque não se podia
    deslocar uma terceira luz, etc.
  • 5:43 - 5:46
    Há uma cadeira na escola do cinema
  • 5:47 - 5:49
    de linguagem cinematográfica.
  • 5:51 - 5:54
    [Gramática da Linguagem Cinematográfica]
  • 5:58 - 6:00
    Alto lá, há uma cadeira
    de linguagem cinematográfica?
  • 6:01 - 6:05
    Não era a mesma coisa de um professor
    nos dar duas folhas de papel agrafadas.
  • 6:05 - 6:08
    Era uma cadeira totalmente dedicada
    à Linguagem Cinematográfica.
  • 6:08 - 6:11
    Era um livro grosso!
  • 6:11 - 6:13
    Havia inúmeros termos.
    Para vos dar uma ideia...
  • 6:14 - 6:17
    [Grande plano. Plano médio. Plano geral]
  • 6:17 - 6:19
    Conhecem estes termos?
  • 6:20 - 6:23
    Um grande plano.
    Um plano médio. Um plano geral.
  • 6:23 - 6:25
    Eu passo a explicar.
  • 6:25 - 6:28
    Um plano geral apresenta
    o local da história.
  • 6:28 - 6:31
    Na primeira imagem, vemos uma paisagem,
    uma árvore e uma casa,
  • 6:31 - 6:34
    um "cowboy" de chapéu,
    a mascar feno. É um plano geral.
  • 6:34 - 6:36
    A imagem reduz-se a um plano médio.
  • 6:36 - 6:38
    O enquadramento corta o homem pelas coxas.
  • 6:38 - 6:41
    Está ao pé da árvore, a mascar
    aquele bocado de feno.
  • 6:41 - 6:44
    Depois, o grande plano dirige-se
    para a cabeça do homem.
  • 6:44 - 6:46
    Esta imagem serve para indicar emoções.
  • 6:46 - 6:49
    O grande plano sublinha o que é preciso
    saber naquele momento.
  • 6:49 - 6:51
    São três tipos de enquadramento.
  • 6:51 - 6:53
    Ainda há mais tipos de imagens.
  • 6:53 - 6:55
    No ângulo oblíquo, a imagem
    fica inclinada.
  • 6:55 - 6:58
    Uma filmagem sobre rodas movimenta
    a câmara de um lado para o outro.
  • 6:58 - 7:02
    Uma filmagem com grua movimenta
    a câmara para cima e para baixo.
  • 7:02 - 7:06
    Há inúmeros tipos de filmagens.
  • 7:06 - 7:09
    Outro tipo de técnica, que me pareceu
    pouco adequada para mim,
  • 7:09 - 7:12
    usa-se nos noticiários.
  • 7:12 - 7:15
    Por exemplo, está ali um pobre rapazinho,
  • 7:15 - 7:18
    encolhido, com fome.
  • 7:18 - 7:20
    Mas a voz do narrador diz-nos
  • 7:20 - 7:22
    que este rapaz não tem pais
    e está perdido,
  • 7:22 - 7:24
    diz-nos que naquele país não é caso único
  • 7:24 - 7:26
    e que é precisa a nossa ajuda.
  • 7:26 - 7:29
    Alto aí — são duas histórias diferentes.
  • 7:29 - 7:31
    O rapaz com fome, doente,
    desperta a nossa simpatia
  • 7:31 - 7:35
    e ouvimos outra narrativa relacionada
    com a história que a câmara conta.
  • 7:35 - 7:38
    Os dois fios entrelaçam-se
    para formarem uma só história.
  • 7:40 - 7:42
    Num filme para surdos...
  • 7:42 - 7:45
    E há inúmeros elementos...
  • 7:48 - 7:51
    Posso dizer-vos que
    isto é um pequeno exemplo
  • 7:51 - 7:53
    do que é a linguagem de um filme.
  • 7:53 - 7:55
    Há muitas técnicas
    relacionadas com o guião:
  • 7:55 - 7:59
    o começo da história,
    a apresentação das personagens,
  • 7:59 - 8:00
    o conflito, a progressão da história,
  • 8:00 - 8:03
    conflitos após conflitos
    e depois a derrocada da terra
  • 8:03 - 8:06
    o RV afasta-se rapidamente
    esquivando-se às pedras que voam
  • 8:06 - 8:08
    e os conflitos continuam até ao desfecho.
  • 8:08 - 8:10
    Juntam-se todos e a ação acaba.
  • 8:10 - 8:12
    É o final feliz.
  • 8:12 - 8:14
    Estou a falar dos filmes norte-americanos
  • 8:14 - 8:16
    que acabam sempre bem.
  • 8:16 - 8:18
    Portanto, há regras
    para a progressão da ação.
  • 8:18 - 8:22
    Devemos segui-las, a escola encoraja-nos
    a seguir essas regras que são muitas.
  • 8:25 - 8:29
    Na minha turma,
    havia poucos estudantes surdos.
  • 8:29 - 8:31
    Eu arregaçava as mangas,
    porque queria tudo
  • 8:31 - 8:34
    — os diversos termos e regras —
  • 8:34 - 8:37
    queria reorganizá-los para poder
    fazer um filme para surdos.
  • 8:37 - 8:39
    O resultado é o meu primeiro filme no RIT.
  • 8:39 - 8:45
    O objetivo era um diálogo de surdos,
    com linguagem gestual, no ecrã.
  • 8:45 - 8:49
    Se a linguagem gestual ficava
    fora da imagem, era sempre: "Corta!"
  • 8:49 - 8:53
    "Corta! Tens as mãos
    fora do enquadramento.
  • 8:53 - 8:55
    "Outra vez!"
  • 8:55 - 8:57
    Um amigo meu e eu queríamos
    resolver esse problema.
  • 8:57 - 8:59
    E eu: "Não, o medo de uma mão fora do ecrã
  • 8:59 - 9:02
    "não nos deve obrigar
    a fazer sinais canhestros dentro do ecrã.
  • 9:02 - 9:04
    "Acho que vão conseguir perceber-nos".
  • 9:04 - 9:06
    Então fizemos este filme.
  • 9:38 - 9:40
    Aconteceram aqui
    duas coisas interessantes.
  • 9:40 - 9:44
    Mostrei isto a uma audiência
  • 9:44 - 9:45
    — eu estava no primeiro ano
  • 9:45 - 9:48
    trabalhava com uma câmara pequena
    e tinha muitas ideias.
  • 9:48 - 9:51
    Executei essas ideias,
    só para provar que podíamos fazê-lo.
  • 9:51 - 9:54
    A audiência viu-o e todos disseram: "Uau!"
  • 9:54 - 9:57
    Mas eu sentei-me no meio da audiência
  • 9:57 - 9:59
    e senti que faltava qualquer coisa.
  • 9:59 - 10:03
    Não me sentia natural. Nada mesmo.
  • 10:03 - 10:05
    O meu mundo de surdos — o único que via —
  • 10:05 - 10:08
    não estava ali.
  • 10:08 - 10:10
    Este filme mostrava um mundo diferente.
  • 10:10 - 10:12
    Percebi isso.
  • 10:12 - 10:15
    Outra coisa: porque é que
    havia ali um telefone? O homem era surdo!
  • 10:15 - 10:20
    Foi um erro meu. Ainda não percebo
    porque é que ele tinha um telefone.
  • 10:20 - 10:23
    A minha luta começou com aquele projeto.
  • 10:23 - 10:25
    A seguir, cumpri as regras
    da linguagem dos filmes.
  • 10:25 - 10:28
    Experimentei diversas formas
    de reorganizar as regras.
  • 10:28 - 10:30
    Mas nunca consegui
    a sensação de naturalidade.
  • 10:30 - 10:32
    Queria ver qualquer coisa no ecrã e dizer:
  • 10:32 - 10:35
    "Aquele é o meu mundo!"
  • 10:35 - 10:41
    Aqui, neste ecrã, nunca senti isso.
  • 10:41 - 10:43
    A linguagem do cinema estava
    dentro duma caixa
  • 10:43 - 10:46
    e eu sentia-me fechado dentro dessa caixa.
  • 10:46 - 10:49
    Tentava sair da caixa,
    reorganizando as regras.
  • 10:49 - 10:52
    Então percebi que tinha
    que pôr a caixa de lado.
  • 10:56 - 10:59
    A caixa tinha um conjunto de regras
    que evoluíram com o tempo.
  • 10:59 - 11:02
    Toda a gente trabalhava com som,
  • 11:02 - 11:04
    fossem de que país fossem,
  • 11:04 - 11:07
    porque o som que era
    uma parte essencial do filme.
  • 11:07 - 11:10
    Isso influenciava a montagem do filme
    — o som estava ligado a tudo.
  • 11:10 - 11:14
    Eu sou surdo, sou muito visual.
  • 11:14 - 11:16
    Nem sequer penso no som.
  • 11:16 - 11:19
    Esta descoberta
    levou-me a olhar para dentro.
  • 11:19 - 11:22
    Para o meu mundo
    e a forma como eu o sentia.
  • 11:22 - 11:25
    Como é que eu devia aplicar
    esses princípios ao filme.
  • 11:26 - 11:29
    [Guião]
  • 11:30 - 11:33
    Todos sabem o que é um guião.
    Escrito no papel.
  • 11:34 - 11:37
    Começa com: "INT: A CASA NA ÁRVORE...
  • 11:37 - 11:39
    "Esta e aquela personagem...", etc.
  • 11:39 - 11:41
    Palavras em páginas.
  • 11:41 - 11:43
    O meu primeiro pensamento: a linguagem.
  • 11:43 - 11:46
    Usamos linguagem gestual.
  • 11:46 - 11:49
    Claro que eu sei escrever,
    o meu inglês é perfeito.
  • 11:49 - 11:52
    Mas debatia-me para escrever no papel.
  • 11:52 - 11:55
    Linguagem gestual...
  • 11:55 - 11:57
    Bernard Bragg,
  • 11:57 - 11:59
    Ben Bahan
  • 11:59 - 12:01
    e o professor de Gallaudet
  • 12:01 - 12:04
    sempre nos disseram
    que a linguagem gestual
  • 12:04 - 12:08
    tinha valor cinematográfico.
  • 12:08 - 12:11
    Diziam que a linguagem gestual
    é como o ecrã do filme.
  • 12:11 - 12:15
    Um olho ambulante, grandes planos, etc.
  • 12:15 - 12:17
    Era verdade. Mas seria idêntico?
  • 12:17 - 12:19
    Nem por isso.
  • 12:19 - 12:22
    Penso que a linguagem
    gestual norte-americana [ASL]
  • 12:22 - 12:26
    é muito mais rica do que o que temos
    para trabalhar no cinema.
  • 12:26 - 12:31
    A ASL vai muito para além disso.
  • 12:31 - 12:33
    Portanto, podemos pôr de lado
    o guião escrito.
  • 12:33 - 12:36
    Em vez dele, podemos
    arranjar um guião ASL.
  • 12:36 - 12:39
    Eu conto a história em frente duma câmara.
  • 12:39 - 12:42
    Há pouco tempo, fiz isso para um projeto.
  • 12:42 - 12:43
    Eis como era.
  • 12:46 - 12:49
    A imagem aproxima-se
    e entramos por uma parede.
  • 12:49 - 12:51
    É a 6.ª Avenida.
  • 12:51 - 12:54
    Carros de um lado para o outro,
    edifícios de cada lado da rua.
  • 12:54 - 12:56
    Nuvens por cima das nossas cabeças.
  • 12:56 - 12:59
    Aparecem duas mãos, que fazem
    um movimento de varredela.
  • 12:59 - 13:01
    Uma fila de edifícios
    desaparece do terreno.
  • 13:01 - 13:05
    As mãos fazem outro gesto,
    e aparece um novo edifício no mesmo local.
  • 13:05 - 13:08
    Vemos aqui desenhos que se transformam
    em edifícios e ocupam um dos lados da rua.
  • 13:08 - 13:10
    Este foi o meu primeiro guião ASL.
  • 13:10 - 13:13
    Não fui só eu a usá-lo.
    Tínhamos uma equipa inteira,
  • 13:13 - 13:14
    uma grande equipa de membros surdos.
  • 13:14 - 13:18
    Havia artistas de apoio,
  • 13:18 - 13:21
    os atores e os seus agentes,
    operadores de imagem, editores,
  • 13:21 - 13:24
    pessoas de efeitos especiais,
    uma grande equipa.
  • 13:24 - 13:26
    Baseávamo-nos nisto.
  • 13:26 - 13:28
    Na linguagem gestual.
    Nada de escrita no papel.
  • 13:28 - 13:30
    Eis o resultado.
  • 13:32 - 13:33
    (Filme)
  • 13:52 - 13:54
    Obrigado.
  • 13:54 - 13:57
    Eu senti que o futuro era este.
  • 13:57 - 13:58
    Se trabalhasse em ASL,
  • 13:58 - 14:01
    o meu mundo alargar-se-ia.
  • 14:01 - 14:04
    Podia facilmente traduzir esta visão
  • 14:04 - 14:05
    porque falamos todos a mesma linguagem.
  • 14:05 - 14:07
    Eles viram-no e perceberam-no logo.
  • 14:07 - 14:09
    "O edifício aparece. Percebi.
    Vou tratar disso".
  • 14:09 - 14:12
    Portanto, é uma coisa em que
    devemos porfiar. Guiões em ASL.
  • 14:12 - 14:16
    Há mais uma coisa.
  • 14:16 - 14:18
    O fluxo da câmara.
  • 14:18 - 14:21
    Todos sabemos o que é a montagem.
  • 14:21 - 14:23
    Numa cena, há uma pessoa a falar.
  • 14:23 - 14:25
    Depois cortamos para outro lado:
    "Não, mamã".
  • 14:25 - 14:28
    Voltamos à cena original, etc.
    É isso a montagem.
  • 14:28 - 14:30
    Alternar entre duas cenas.
  • 14:30 - 14:32
    Olhei para esta prática uniforme
  • 14:32 - 14:34
    e, quando falamos em ASL com outra pessoa,
  • 14:34 - 14:37
    estamos a olhar um para o outro
    durante a conversa?
  • 14:37 - 14:39
    É assim que se fala em ASL,
  • 14:39 - 14:41
    ou agitamos as mãos bruscamente
    em frente dessa pessoa?
  • 14:41 - 14:44
    "Oh, ok. O quê? Há uma coisa no chão?"
  • 14:44 - 14:45
    Não.
  • 14:46 - 14:48
    Mantemos contacto visual
    durante toda a conversa,
  • 14:48 - 14:49
    mesmo quando estamos a andar,
  • 14:49 - 14:52
    mesmo quando os postes telefónicos
    passam pelo meio de nós,
  • 14:52 - 14:54
    mesmo quando há obstáculos.
  • 14:54 - 14:56
    Temos que nos manter ligados um ao outro,
  • 14:56 - 14:57
    estar sintonizados.
  • 14:57 - 14:59
    Portanto, a câmara tem que ser fluida
  • 14:59 - 15:01
    e permanente.
  • 15:01 - 15:04
    Isso vai apelar
    aos nossos valores interiores.
  • 15:04 - 15:06
    "Sim, isto é tal e qual o meu mundo".
  • 15:06 - 15:08
    Comecei a fazer uma outra coisa:
  • 15:08 - 15:10
    ligar a câmara ao corpo,
    de modo que, quando ando,
  • 15:10 - 15:12
    a câmara balança levemente.
  • 15:12 - 15:15
    Chama-se a isso uma "steadicam".
  • 15:15 - 15:18
    Sinto-me mais sintonizado
    com a ação quando a uso.
  • 15:18 - 15:21
    Isto é um exemplo duma cena filmada
    com uma "steadicam":
  • 16:06 - 16:08
    Outra coisa: Viram as legendas?
  • 16:08 - 16:10
    Repararam nas legendas?
  • 16:10 - 16:12
    Não estavam na parte de baixo do ecrã
  • 16:12 - 16:14
    — como um corte brusco na montagem —
  • 16:14 - 16:15
    que atraem os olhos.
  • 16:15 - 16:16
    Quando estou a olhar para o ator
  • 16:16 - 16:18
    tenho que desviar o olhar.
  • 16:18 - 16:19
    Não queria fazer isso.
  • 16:19 - 16:21
    As legendas têm que
    estar à volta dos atores
  • 16:21 - 16:22
    para eu poder lê-las.
  • 16:22 - 16:24
    Posso apreciar o fluxo da sequência.
  • 16:24 - 16:26
    Fico sintonizado com o que se passa.
  • 16:26 - 16:29
    É esse o meu mundo.
    É assim mesmo.
  • 16:29 - 16:34
    Há mais um elemento.
  • 16:34 - 16:36
    Lembrem-se da voz em sobreposição.
  • 16:36 - 16:39
    Para nós, o som não corresponde
    ao que está a acontecer.
  • 16:39 - 16:41
    Somos pessoas visuais. Não ouvimos nada.
  • 16:41 - 16:44
    Como é que trabalhamos isso?
  • 16:44 - 16:47
    Voltemos ao primeiro elemento:
    o guião ASL.
  • 16:47 - 16:49
    Quando fazemos gestos,
    estamos a ver a história.
  • 16:49 - 16:52
    O segundo elemento é o fluxo.
  • 16:52 - 16:55
    Aliando estes dois elementos,
    fiz um filme, "Sinais Vitais".
  • 16:55 - 16:57
    Uma pessoa conta uma história
  • 16:57 - 17:01
    à medida que aparecem
    vinhetas à volta dela.
  • 17:01 - 17:03
    As vinhetas correspondem à história.
  • 17:03 - 17:07
    O carro sai da garagem e afasta-se.
  • 17:07 - 17:09
    "Tenho que entrar no carro!"
  • 17:09 - 17:10
    Chaves na ignição, o roncar do motor!
  • 17:10 - 17:14
    O ponteiro da velocidade sobe e desce,
    as engrenagens rangem,
  • 17:14 - 17:16
    os pneus chiam e o motor ronca!
  • 17:16 - 17:17
    O roncar do motor... e o carro avança.
  • 17:17 - 17:19
    "Um sinal vermelho!".
    O carro passa por ele.
  • 17:19 - 17:22
    Os outros carros travam,
    enquanto o outro avança.
  • 17:22 - 17:24
    O carro dobra uma esquina,
    no meio do tráfego.
  • 17:24 - 17:27
    Esgueirando-se no meio do trânsito
    atrás de outro carro,
  • 17:27 - 17:32
    o carro acelera e ultrapassa-o... mas oh!
  • 17:32 - 17:34
    Encontra o que procura e persegue-o,
  • 17:34 - 17:36
    quase batendo noutro carro à sua frente.
  • 17:36 - 17:39
    Para e sai do carro.
    Avança: "Onde está a minha mulher?"
  • 17:39 - 17:41
    Este é o narrador.
  • 17:41 - 17:44
    Portanto, os três elementos combinados
  • 17:44 - 17:46
    levam-me a Facundo,
    o meu professor de Gallaudet.
  • 17:46 - 17:49
    Na altura, ele não conseguia
    encontrar as palavras,
  • 17:49 - 17:51
    mas agora acho que sei
    o que ele tentava dizer.
  • 17:54 - 17:55
    [Lentes Surdas]
  • 17:56 - 18:00
    Era como se tivéssemos um buraco na nuca.
  • 18:00 - 18:02
    E a câmara captasse
    o que os meus olhos viam.
  • 18:02 - 18:05
    Segundo essa perspetiva, diríamos:
    "Ah, esse é o mundo deles!
  • 18:05 - 18:07
    "É como o veem — fluidamente".
  • 18:07 - 18:09
    Isto é uma coisa nova.
  • 18:09 - 18:11
    E leva-nos às
  • 18:11 - 18:13
    Lentes para Surdos.
  • 18:13 - 18:16
    Deixou de haver limites. Nenhuns.
  • 18:16 - 18:19
    Quero aprofundar mais isto.
  • 18:19 - 18:21
    Obrigado.
Title:
Lentes Surdas | Wayne Betts Jr |TEDxIslay
Description:

Wayne Betts transmite-nos o início da sua paixão pelos filmes, os seus estudos sobre a linguagem do cinema e como fazer filmes que correspondam à verdade que um realizador surdo vê através dos seus olhos.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
18:29
  • Impossível acertar o sincronismo para quem, como eu, não sabe linguagem gestual.

Portuguese subtitles

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