E se os pobres fizessem parte do planejamento urbano?
-
0:01 - 0:04Qual é a nossa imagem de cidade?
-
0:04 - 0:09Quando pensamos em cidades,
normalmente as imaginamos assim. -
0:10 - 0:14Mas e se o que estamos vendo
for apenas metade da foto? -
0:14 - 0:17Há uma cidade dentro da cidade.
-
0:18 - 0:23Essas áreas são vistas como favelas,
assentamentos, ocupações ilegais, -
0:23 - 0:26e as pessoas que moram nelas
são chamadas de ilegais, informais, -
0:26 - 0:29criminosas, beneficiárias, pedintes, etc.
-
0:30 - 0:35Mas, na realidade,
são pessoas pobres e sem opções. -
0:36 - 0:38A pobreza é um círculo vicioso.
-
0:38 - 0:41Se alguém nasce pobre,
pode levar três ou mais gerações -
0:41 - 0:42para que uma escape da pobreza.
-
0:43 - 0:48Muitos são submetidos a esse círculo
sem opções, vivendo em calçadas, -
0:49 - 0:51perto de trilhos de trem,
-
0:52 - 0:54em aterros,
-
0:54 - 0:57às margens de rios,
-
0:57 - 1:00em mangues e outros lugares inabitáveis
-
1:00 - 1:04sem água potável, esgoto ou moradia.
-
1:04 - 1:08Mas esses lugares são familiares para mim,
pois desde os seis anos, -
1:08 - 1:11eu acompanhava meu pai, médico,
-
1:11 - 1:14que tratava pacientes
nas favelas de Bombaim. -
1:14 - 1:18Quando criança, eu o ajudava a carregar
sua maleta de remédios depois da escola. -
1:18 - 1:20Eu amava fazer aquilo.
-
1:20 - 1:25Com intuito de fazer algo por esses
lugares, decidi me tornar arquiteta. -
1:26 - 1:31Mas logo percebi que a beleza
da arquitetura era só para os ricos. -
1:32 - 1:35Então, decidi fazer planejamento urbano
-
1:35 - 1:39e me juntei a uma ONG na Índia
que trabalha com pobres em áreas urbanas, -
1:39 - 1:42que se organizam
para acessar serviços básicos, -
1:42 - 1:46como água, saneamento e habitação
para aqueles que moram em cidades. -
1:46 - 1:52Passei dez anos da minha vida na educação
profissionalizante, aprendendo, -
1:52 - 1:55e depois, cinco anos
desaprendendo tudo aquilo. -
1:55 - 2:00Porque percebi que meu conhecimento
em arquitetura, design e planejamento -
2:00 - 2:03falhou na realidade prática.
-
2:04 - 2:08E foi aí que aprendi o poder da escolha.
-
2:08 - 2:10Desaprendi muita coisa,
-
2:10 - 2:13mas convivemos com dois mitos
sobre pessoas em situação de pobreza -
2:13 - 2:16que eu gostaria de compartilhar.
-
2:16 - 2:21O primeiro é a percepção de que a migração
de pobres para a cidade é um problema. -
2:23 - 2:25Migração é mesmo uma escolha?
-
2:26 - 2:28Minha mentora, Sheela Patel,
-
2:28 - 2:31pediu aos que acreditam
que isso é um problema: -
2:31 - 2:35"Pergunte a seu avô
de onde ele veio", disse ela. -
2:38 - 2:41O que as pessoas pobres fazem
quando migram para cidades? -
2:41 - 2:46Vou dar um exemplo: este é
o aeroporto internacional de Bombaim. -
2:46 - 2:49O que vemos em azul é um grande
assentamento informal em torno dele. -
2:50 - 2:53Cerca de 75 mil pessoas moram aqui.
-
2:53 - 2:55Quem são essas pessoas
-
2:56 - 2:59que trabalham silenciosamente
em hotéis, restaurantes, -
2:59 - 3:02como trabalhadores braçais, babás,
empregados domésticos -
3:02 - 3:05e inúmeros outros trabalhos
de que precisamos -
3:05 - 3:07para que as cidades funcionem sem falhas?
-
3:07 - 3:09Onde elas moram?
-
3:09 - 3:12Na maioria das cidades,
elas moram em favelas. -
3:13 - 3:15Então, pensemos novamente.
-
3:15 - 3:18Queremos que pessoas pobres
parem de migrar para as cidades? -
3:19 - 3:22E se elas tivessem a opção de não migrar?
-
3:24 - 3:28O segundo mito
é minha experiência pessoal. -
3:28 - 3:33É a postura de que nós, profissionais,
sabemos mais do que os outros. -
3:33 - 3:36Nós, profissionais,
amamos fazer escolhas pelos outros, -
3:36 - 3:38especialmente para os mais pobres.
-
3:38 - 3:39Vou contar uma experiência.
-
3:40 - 3:44Em uma oficina que planejava
a construção de 250 casas -
3:44 - 3:47para famílias carentes
de uma comunidade próxima, -
3:47 - 3:50foram apresentados
diferentes materiais de construção, -
3:50 - 3:54como papel machê, papelão,
placa com miolo em colmeia, etc., -
3:54 - 3:56simplesmente porque eram baratos.
-
3:57 - 4:00Mas havia uma sugestão
de usar contêineres de navio. -
4:01 - 4:03Nós imediatamente aprovamos a ideia
-
4:03 - 4:07porque pensamos que era sustentável,
escalável, acessível. -
4:08 - 4:09Mas durante a apresentação,
-
4:09 - 4:13uma senhora da comunidade
manifestou-se humildemente. -
4:13 - 4:17E perguntou ao palestrante:
"Você escolheria morar nisso?" -
4:17 - 4:19(Risos)
-
4:20 - 4:23"Se não, por que acha
que nós escolheríamos?" -
4:24 - 4:27Aquele foi um momento
de desaprendizado para mim, -
4:27 - 4:32quando percebi que a pobreza só muda
a acessibilidade, não os desejos. -
4:33 - 4:37Pessoas pobres têm morado
em estruturas provisórias a vida inteira. -
4:37 - 4:41Elas passam de uma parede a outra,
do tijolo à lata. -
4:41 - 4:46Ao construir, passam de bambu,
lona, plástico, para o papelão, -
4:46 - 4:49lata, tijolo e cimento,
assim como fazemos. -
4:50 - 4:54Naquela situação, estávamos impondo
nossas escolhas a elas. -
4:54 - 4:59Devemos impor nossas escolhas
ou ampliar as delas? -
5:00 - 5:03E se a oportunidade de escolher
fosse dada às pessoas? -
5:04 - 5:09Estas mulheres moravam nas calçadas
de um bairro de Bombaim. -
5:09 - 5:13Eram despejadas constantemente
e, em resposta a isso, -
5:13 - 5:16organizaram uma rede de mulheres
chamada Mahila Milan. -
5:17 - 5:21Elas não apenas lutaram contra
os despejos frente às autoridades, -
5:21 - 5:23guardaram dinheiro e compraram terra,
-
5:23 - 5:28mas também planejaram
e ajudaram a construir a casa delas. -
5:28 - 5:31Elas eram analfabetas,
como fizeram tudo isso? -
5:33 - 5:37Elas usaram tapetes e saris
para compreender as medidas. -
5:37 - 5:42Um sari tem quatro metros de comprimento
e um metro e meio de largura. -
5:42 - 5:47Usaram itens simples do dia a dia
para demonstrar os modelos de casa. -
5:47 - 5:53Até fizeram três opções e convidaram
outros moradores para darem uma olhada. -
5:53 - 5:54(Risos)
-
5:55 - 6:01E todos amaram esta opção
com loft por dois motivos. -
6:01 - 6:05Primeiro, acomodava famílias maiores.
-
6:05 - 6:08E segundo, permitia trabalho domiciliar,
-
6:08 - 6:11como produção de pulseiras,
design de joias, bordado, costura, -
6:11 - 6:13empacotamento de objetos, etc.
-
6:14 - 6:18Elas também decidiram não colocar
o banheiro dentro das casas, -
6:18 - 6:21e sim do lado de fora, nos corredores,
-
6:21 - 6:24porque teriam mais espaço
e seria mais barato. -
6:25 - 6:29Profissionais jamais teriam pensado
em algo parecido. -
6:30 - 6:34Um projeto formal precisaria
ter um banheiro interno. -
6:35 - 6:40Esses são pequenos exemplos,
mas vou dar um contexto maior: -
6:41 - 6:47881 milhões de pessoas, cerca de um sexto
do planeta nesse momento, -
6:47 - 6:49moram em favelas
ou assentamentos informais. -
6:49 - 6:52Quase toda cidade no sul global
-
6:52 - 6:56tem favelas enormes,
do tamanho de municípios. -
6:56 - 6:58Kibera, em Nairobi;
-
6:59 - 7:01Dharavi, em Bombaim;
-
7:03 - 7:06Khayelitsha, na África do Sul,
são algumas. -
7:07 - 7:13A princípio, eram terras abandonadas,
que não interessavam às cidades. -
7:13 - 7:14Conforme as cidades cresciam,
-
7:14 - 7:17pessoas pobres começaram
a construir nessas terras, -
7:17 - 7:19valorizando-as com o tempo.
-
7:20 - 7:24Agora, essas terras se tornaram
áreas de interesse do mercado imobiliário, -
7:24 - 7:26todos querem um pedaço.
-
7:26 - 7:30Como as cidades e autoridades
escolhem lidar com elas? -
7:31 - 7:34Derrubam as casas e despejam as pessoas,
-
7:34 - 7:40removendo-as de seu território e economias
para construir nova infraestrutura. -
7:41 - 7:44Transferem-nas para moradias verticais,
-
7:45 - 7:48que, na verdade, são assim.
-
7:49 - 7:53Quando construídas em alta densidade,
há pouca luz natural e ventilação, -
7:53 - 7:55o que leva a condições insalubres.
-
7:58 - 8:02Por um lado, os moradores
não estão envolvidos no planejamento -
8:02 - 8:05e a construção é de baixa qualidade.
-
8:05 - 8:09Por outro lado, eles não sabem
como fazer manutenção, -
8:09 - 8:13controle de contas, manter registros,
formar sociedades, -
8:13 - 8:15isso é difícil para eles.
-
8:17 - 8:21Forçados a se mudar
para a sociedade formal, -
8:21 - 8:24eles acabam assim em alguns anos.
-
8:25 - 8:28Porque a formalização
não é um produto, é um processo. -
8:28 - 8:32Mudar-se da informalidade para formalidade
é uma jornada para essas pessoas. -
8:32 - 8:35Leva tempo para aceitar e se adaptar.
-
8:36 - 8:40E quando essa opção não é dada,
as coisas ficam assim, -
8:40 - 8:44e temo que essas se tornarão
novas favelas no futuro. -
8:46 - 8:50E se, em vez de agir assim,
nós acomodássemos essas pessoas -
8:50 - 8:54e déssemos a elas a opção de ser parte
da cidade e de se desenvolver onde estão, -
8:54 - 8:57fornecendo serviços básicos, como na foto?
-
8:59 - 9:02O que aconteceria se cidade
e governo trabalhassem juntos, -
9:02 - 9:05se o governo reconhecesse os pobres
-
9:05 - 9:07e eles pudessem construir isso juntos?
-
9:07 - 9:09Isto é Mukuru.
-
9:10 - 9:12Um grande assentamento
informal em Nairóbi. -
9:12 - 9:15Um dos maiores da África.
-
9:15 - 9:20É o lar de 300 mil pessoas,
que ocupam 2,6 quilômetros quadrados. -
9:21 - 9:23Para entender essa escala,
-
9:23 - 9:27é como encaixar a população de Pittsburgh
no Central Park de Nova York. -
9:28 - 9:30Isso é Mukuru.
-
9:31 - 9:35Para termos uma ideia,
estas são as condições de habitação. -
9:37 - 9:40E isto é o que há entre as moradias.
-
9:41 - 9:44De maneira breve, como é a vida em Mukuro?
-
9:45 - 9:49Uma única torneira
é usada por 550 pessoas, -
9:49 - 9:53que pagam 9 vezes mais
do que os habitantes da cidade, -
9:54 - 9:57apenas porque não há infraestrutura
hídrica e a água é vendida. -
9:59 - 10:03Muitos voltam do trabalho e descobrem
que sua casa não existe mais, -
10:03 - 10:06porque foi demolida ou queimada.
-
10:09 - 10:11Cansados dessa situação,
-
10:11 - 10:16uma federação de moradores
chamada Muungano decidiu fazer algo. -
10:16 - 10:22Durante 4 anos, organizaram 20 mil
moradores para coletar dados, -
10:22 - 10:25mapear as estruturas e juntar tudo.
-
10:26 - 10:30O plano era simples, precisavam
de apenas quatro coisas. -
10:30 - 10:34Queriam água limpa,
banheiros, ruas decentes -
10:34 - 10:37e o mais importante,
não serem despejados. -
10:39 - 10:42Eles apresentaram o plano
para o governo de Nairóbi. -
10:42 - 10:47E, pela primeira vez na história,
uma cidade aceitou implementá-lo. -
10:48 - 10:50A cidade de Nairóbi e o governo do Quênia
-
10:50 - 10:53declararam Mukuru
uma área de planejamento especial, -
10:53 - 10:56o que significa que as pessoas
podiam fazer seu próprio planejamento. -
10:57 - 11:00Podiam criar normas e padrões próprios,
-
11:00 - 11:03porque os padrões que funcionam
para cidadãos formalizados -
11:03 - 11:06não funcionam em um cenário informalizado.
-
11:06 - 11:09O que isso significa,
para termos um exemplo? -
11:10 - 11:11Estas são ruas de Mukuru,
-
11:11 - 11:15podemos ver que há casas
de ambos os lados. -
11:16 - 11:20Para trazer uma linha de ônibus,
de acordo com os padrões, -
11:20 - 11:24urbanistas fariam uma luxuosa
avenida com 25 metros de largura. -
11:25 - 11:30Isso significaria desalojar
20% das estruturas, afetando muita gente. -
11:32 - 11:36Em vez disso, criamos uma rua
com 12 metros de largura, -
11:36 - 11:39que manteve as estruturas intactas
e trouxe o ônibus -
11:39 - 11:41sem comprometer muito os serviços.
-
11:42 - 11:46Em outro exemplo, vamos falar
de banheiros comunitários. -
11:46 - 11:48Em áreas de alta densidade,
-
11:48 - 11:51onde não há possibilidade
de banheiros individuais, -
11:51 - 11:53temos banheiros públicos como este.
-
11:54 - 11:57Então, faríamos uma seção
masculina e uma feminina. -
11:58 - 12:00Mas imaginem esta situação:
-
12:00 - 12:03pela manhã, no horário de pico
de uso do banheiro, -
12:03 - 12:06quando todos estão
com pressa para se aliviar, -
12:06 - 12:12se temos uma fila com 50 pessoas,
e há uma criança logo atrás de um adulto, -
12:12 - 12:13quem ganha?
-
12:14 - 12:17As crianças acabam se aliviando
do lado de fora. -
12:17 - 12:22Por isso, as mulheres decidiram criar
uma área separada para crianças. -
12:22 - 12:24Quem pensaria em algo assim?
-
12:25 - 12:30A ideia é que quando pessoas
pobres escolhem, escolhem melhor. -
12:30 - 12:32Escolhem o que funciona para elas.
-
12:34 - 12:36Escolha é tudo.
-
12:36 - 12:38E o poder determina a escolha.
-
12:38 - 12:42Precisamos que aqueles que estão no poder,
-
12:42 - 12:46políticos, líderes, governos,
arquitetos, urbanistas, -
12:46 - 12:50instituições, pesquisadores
e todos nós, em nossa vida diária, -
12:50 - 12:52respeitemos as escolhas.
-
12:53 - 12:57Em vez de escolher o que é certo
para as pessoas pobres, -
12:57 - 13:00vamos reconhecer e fortalecer
a escolha delas. -
13:00 - 13:05Assim poderemos construir cidades
melhores e mais inclusivas para o amanhã, -
13:05 - 13:06completando a imagem de cidades
-
13:06 - 13:09construídas pela escolha
de seu próprio povo. -
13:09 - 13:10Obrigada.
-
13:10 - 13:13(Aplausos)
- Title:
- E se os pobres fizessem parte do planejamento urbano?
- Speaker:
- Smruti Jukur Johari
- Description:
-
Quase um bilhão de pessoas ao redor do mundo vivem em comunidades informais e favelas, muitas vezes, sem infraestrutura básica, como água potável, banheiros e ruas adequadas. A urbanista Smruti Jukur Johari quebra alguns mitos sobre essas comunidades e compartilha exemplos de soluções simples e sensatas que surgem quando governos e arquitetos trabalham juntamente com os moradores, em vez de ignorá-los.
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 13:27
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