John Ronald Reuel Tolkien nasceu a 3 de janeiro de 1892. Ele e o seu irmão Hilary, viveram uma infância difícil. Quando Tolkien tinha apenas quatro anos, perdeu o pai, Arthur, com uma febre reumática. Mabel, a mãe, uma viúva de baixos rendimentos, ensinou os filhos em casa e desempenhou um papel vital na sua educação e desenvolvimento. Tolkien era um rapaz inteligente, com um grande fascínio pelas línguas. Tolkien candidatou-se à Escola de King Edward, em Birmingham e foi aceite. A partir do outono de 1900, por 12 libras por ano, Tolkien iria ser educado num ambiente que incentivaria o seu potencial académico John Garth: A ida para King Edward foi de importância vital para Tolkien. Ele era um rapaz excecionalmente talentoso. A escola de King Edward proporcionou-lhe uma ampla visão e a companhia de outros rapazes que eram igualmente talentosos e que, provavelmente, Tolkien dificilmente encontraria. Simon Stacey: Tolkien jogava râguebi e era uma voz importante na sociedade de debates e na sociedade literária. Era a vida e a alma e penso que sentiu muito a falta da escola quando, por fim, teve que se ir embora. VO: Com 11 anos, Tolkien e o irmão Hilary, perderam a mãe, Mabel, devido a diabetes. Destroçado, ele dedicou-se à escola ainda mais energicamente do que anteriormente. Academicamente, era excelente mas, em 1905, encontra o seu rival intelectual, Christopher Wiseman. JG: Tolkien conhece o seu maior amigo na escola King Edward, Christopher Wiseman, no campo do râguebi. Músico, matemático, muito diferente de Tolkien. Estabeleceram uma ligação tão forte no râguebi que se intitulavam "Os Grandes Irmãos Gémeos", que era uma frase de "Lays of Ancient Rome", de Lorde Macauley. SS: Também eram rivais amigáveis na escola, sendo ambos rapazes muito académicos. Wiseman tinha um intelecto formidável e interessava-se por muitas das coisas em que Tolkien também estava interessado: línguas, penso que ele estava a pensar no egípcio e estava a pensar nos hieróglifos. JG: Tolkien e Wiseman devem ter-se ajudado a definir-se um ao outro durante os anos de adolescência, porque discutiam muito sobre as suas crenças na vida. SS: Wiseman era um músico cheio de talento. Tolkien era duro de ouvido mas isso não os impedia de continuar! VO: Tolkien também se tornou amigo do filho do diretor, Rob Gilson. Tolkien, Wiseman e Gilson, estabeleceram uma ligação que duraria durante todos os anos da escola e para além dela. Fora da escola King Edward, a vida de Tolkien vai mudar de novo. JG: Tolkien vivia numa pensão, com o irmão, Hilary. Quando tinha 16 anos conheceu uma outra pensionista, Edith Batt que, na altura, tinha 19 anos. Era uma rapariga muito bela uma pianista talentosa e também era órfã. Os dois ligaram-se pela sua tristeza comum mas também pelas suas esperanças e sonhos. A dificuldade para Ronald — como ela lhe chamava — e para Edith, era que ele era católico romano e ela era anglicana. VO: O tutor de Tolkien, o Padre Francis Morgan, um padre católico, percebe que isso é uma barreira importante e também acha que Edith poderá afastar Tolkien da sua tentativa de entrar na Universidade de Oxford. JG: O Padre Francis Morgan proibiu-os de se encontrarem, ou sequer de comunicarem. Ele voltou para os seus amigos da escola King Edward e foi nessa fase final da sua época que ele começou a florescer e a conquistar o seu lugar. Ele e os amigos davam cartas. VO: Aproveitando ao máximo o seu ano de finalistas na escola King Edward e os amigos que tinham feito, Tolkien e os seus pares fundaram uma sociedade informal. Estes jovens intelectuais reuniam-se na biblioteca da escola faziam o que era proibido fazer: faziam chá. Fora das horas da escola, reuniam-se num café de Barrow's Store, em Birmingham. Troçando de si mesmos, intitulavam-se o "Clube do Chá e a Sociedade de Barrow" ou o CCSB, enquanto sigla. JG: O núcleo principal do CCBS era provavelmente Tolkien e Wiseman, e os outros gravitavam à volta deles. Havia Robert Quilter Gilson, filho do diretor. Rob era um rapaz culto e sociável, era talvez o elemento aglutinador do grupo. Recebia bem toda a gente e encontrava causas comuns com eles. Um tipo gentil e artístico que adorava desenhar. SS: Era um artista dotado e tinha a ambição de ser arquiteto. JG: Houve uma entrada tardia, Geoffrey Bache Smith, que era fascinado pela mitologia céltica. Isso deu-lhe um tema comum com Tolkien. Era outra das paixões de Tolkien. SS: Smith era um bom poeta, evoluído, que recomendava a Tolkien poesia contemporânea. Quando começou a escrever poesia, Tolkien, até certo ponto, foi inspirado por Smith e pelo grupo em geral. Foi esse o início de Tolkien enquanto escritor. JG: Desde o início, em que o importante era o divertimento até posteriormente, durante os anos da guerra, isso evoluiu para uma camaradagem em que todos eles beberam uma força tremenda e conforto. VO: No final desse ano, a época de Tolkien na escola King Edward chegou ao fim e ele começou o seu primeiro período em Oxford, depois de ter sido aceite com êxito. Na véspera do 21.º aniversário e da sua independência do Padre Francis Morgan, Tolkien escreve a Edith e, em menos duma semana, voltam a encontrar-se. Edith está noiva de outro homem, mas, apesar de um ridículo quase certo, concorda em quebrar o noivado para ficar com o seu Ronald. Nos meses seguintes, um sentimento crescente de problemas percorre a Europa e a 28 de junho de 1914, tudo muda. (som de disparos) Gavrillo Princip é preso pelo assassínio do arquiduque Franz Ferdinand. Segue-se uma crise diplomática e, em poucas semanas, as principais potências da Europa estão em guerra. A Alemanha invade a Bélgica e a Grã-Bretanha declara guerra à Alemanha. O Parlamento emite um apelo às armas para o público britânico. Paul Golightly: Não há uma corrida à bandeira imediatamente. Torna-se muito óbvio que as pessoas estão mais dispostas a aderir quando aparecem as histórias das atrocidades. Nessa altura sente-se um impulso muito maior para participar. JG: Havia um ambiente de excitação sobre a guerra. Havia um sentimento ingénuo de que ela iria permitir que os jovens cumprissem o seu potencial duma forma que não seria possível em tempo de paz. Havia um tremendo sentimento de patriotismo e um sentimento do dever para com o que quer que a Inglaterra ou a Grã-Bretanha defendesse. PG: Eram atraídos pela ideia de acertar as contas com os alemães ou, pelo menos, alguns deles eram. No todo, pensavam que iam pôr o nariz dos alemães a sangrar. JG: "Os alemães tinham sido uns cobardes" e precisavam de ser metidos na ordem PG: Os homens alistavam-se sem ser por necessidade económica, encontramos disso em qualquer guerra. A vida não é muito excitante e o romance e o colorido de se alistar no exército e de fazer parte duma coisa em grande, claro que tem um certo fascínio. Veem-se as coisas de modo romântico o que, obviamente, está condenado ao fracasso. Todos sabemos em que se tornou a I Guerra Mundial. Não é uma guerra de movimento, de choque, de entusiasmo. Não há cargas de cavalaria nem trombetas à distância. O que vai dominar é o matraquear das metralhadoras e as explosões da artilharia. Penso que eles têm expectativas sobre o que vai ser a guerra, e penso que a sua principal emoção era: "Será que vai acabar antes de eu chegar a França?" JG: Tolkien, cujas leituras englobavam a literatura de antigos heróis que, surpreendentemente, é muito franca sobre o que acontece na guerra, foi para a guerra de olhos muito mais abertos. Descreveu-se a si mesmo como um "jovem com demasiada imaginação" e portanto não se deliciava com a guerra fosse em que sentido fosse. PG: Penso que isso se aplicava, não apenas a homens como Tolkien, que lutou nela, mas também aos políticos e generais que a dirigiam. Penso que muita gente percebia que esta guerra ia ser terrível. SS: O que apanhamos nas cartas entre Gilson, Tolkien e Wiseman e depois na poesia de Smith, é uma forte determinação de cumprirem o dever e de estarem preparados para dar a vida, uma apreciação realista de que é uma época sombria e que eles têm que a atravessar. VO: G.B. Smith e Rob Gilson alistaram-se ambos no exército em 1914. Hilary, o irmão de Tolkien alista-se como corneteiro e Christopher Wiseman vai para a marinha. Mas Tolkien enfrenta um dilema. SS: Tolkien estava numa posição difícil quando a guerra rebentou. Faltava-lhe um ano para acabar o curso em Oxford e Tolkien precisava muito de o acabar porque queria continuar uma carreira académica. Não tinha dinheiro de família, ao contrário de Gilson e, portanto, depois de investir três anos no curso, era muito importante acabá-lo. Portanto, descobriu um esquema em que podia receber formação no Corpo de Formação de Oficiais, enquanto completava o curso, o que conseguiu triunfalmente com distinção, em Oxford. VO: Segue o seu grande amigo, G.B. Smith, nos Fuzileiros de Lancashire, na esperança de ser colocado no mesmo batalhão. JG: Tolkien procurou qualquer coisa no exército onde pudesse usar os seus talentos especiais, Os seus talentos epeciais eram as línguas e os sistemas de escrita. Tinha um fascínio pelos códigos e coisas dessas. Portanto, era mais que natural que ele arranjasse formação em transmissões. PG: Significava que Tolkien tinha que tomar contacto com a tecnologia disponível na época e deve ter ficado interessado. Daí o uso da rádio, o uso dos sinais, dos semáforos. SS: Aprendeu código Morse, aprendeu a usar lâmpadas de sinalização, telefones de campo, que, claro, acabaram em grande parte por serem ineficazes ou não funcionarem. JG: Veio a ser oficial do Batalhão de Transmissões no seu batalhão. Tolkien tinha que controlar as comunicações dum batalhão de cerca de 600 a 1000 homens, consoante a quantidade de força humana na altura. PG: Claro que o seu trabalho base era agir como ligação entre os diversos estratos de comando, e era responsável pela receção das ordens e por assegurar que eram entregues às pessoas certas e, claro, era responsável por transmitir ao comando superior a situação do seu setor. JG: Portanto, era uma peça crucial numa guerra que dependia totalmente da quantidade de informações que se tinham sobre a posição do inimigo. VO: Em março de 1916, quando a sua formação se aproxima do fim, Tolkien e Edith tomam consciência de que, em breve, ele será enviado para a Frente. Casam-se e dois meses depois, Tolkien embarca para França. Os dois despedem-se, sem saberem se alguma vez se voltarão a ver. (Som de canhões a disparar) VO: Quando Tolkien chega à Frente, a guerra já se desenrolava há dois anos. O custo da guerra é evidente: o campo está cheio de cicatrizes e as baixas são elevadas. Depois de um empate virtual de guerra das trincheiras, durante 1915, e com uma nova vaga de milhares de recrutas recém-treinados, torna-se claro que está iminente um Grande Empurrão. O Batalhão de Tolkien mantém-se na reserva, mas ele teme pela vida dos seus antigos colegas que estão na Frente. Um mês depois da sua chegada a França, os Aliados lançam a Ofensiva Somme. Às 7:30 da manhã, num sábado, dia 1 de julho, as tropas na linha da frente britânica, passam ao ataque. Só no primeiro dia da Ofensiva, morreram 20 000 homens, ficaram feridos 35 000 e mais de 2000 foram dados como desaparecidos. PG: A primeira baixa foi o plano. Começou a desmoronar-se muito rapidamente. Tragicamente para os homens apanhados em campo aberto, foi uma sentença de morte. Morreu um em cada cinco dos homens que entraram em combate no dia 1 de Julho. JG: Foi o dia mais desastroso da história do exército britânico e uma tragédia para todo o país. Houve aldeias que perderam todos os seus jovens. PG: Ficou marcado como uma perda de inocência. Os 20 000 que foram mortos representam um ponto de viragem na consciência britânica e talvez nas relações entre os que tomam as decisões e os que são forçados a cumpri-las. VO: Entre os muitos homens que se perderam naquele dia, estava o querido membro do CCSB, Robert Gilson. JG: Ele chefiou o pelotão no ataque, era o responsável pela sua companhia, mas foi baleado a meio da Terra de Ninguém. PG: Estava na quarta vaga. Viu a primeira vaga avançar e fracassar, a segunda vaga avançar e fracassar, a terceira vaga avançar e fracassar. E ele, que fazia parte da quarta vaga, teve que avançar e avançou. Penso que isso é a coisa mais comovente e provavelmente mais trágica naquele 1 de julho de 1916. Aquela geração tinha tanta fé nos seus superiores, provavelmente tinha tanta lealdade para com os seus colegas que estava preparada para avançar mesmo que significasse uma morte certa. JG: Tolkien soube disso depois da sua primeira ação no Somme, umas semanas mais tarde, e ficou devastado. Ficou abalado até aos alicerces das suas crenças. Tal como todos os membros do CCSB, tinha formado o seu grupo com camaradagem, com ideais e no espírito de que tinham alguma coisa a dar ao mundo, em que todos os quatro eram partes vitais, e agora um deles estava morto. O que é que aquilo significava quanto aos seus objetivos gerais? E também ao seu objetivo. SS: Geoffrey Smith escreveu-lhe uma carta em que, claramente, Smith transmite sentimentos de devastação e um sentimento de que a camaradagem tinha sido violada. Rob nunca viria a ser arquiteto, nunca cumpriria o seu papel naquilo com que tinham sonhado. JG: Penso que ele levou muito tempo a recuperar. Os outros dois membros, Wiseman e Smith, teimaram em convencê-lo de que, não, os propósitos do CCSB continuavam e penso que, por fim, Tolkien se sentiu encorajado. VO: Tolkien escreve ao pai de Rob, o diretor da escola King Edward, a dar-lhe os pêsames. "O CCSB perdeu um jovem brilhante, "um artista de talento e, o mais doloroso de tudo, "um querido amigo". A guerra de Tolkien tinha começado verdadeiramente e nos meses seguintes é sujeito às muitas provações da guerra das trincheiras. JG: Estava sempre a entrar e a sair das trincheiras. Os batalhões eram rodados da linha da Frente para as trincheiras de reserva para descansarem, como eles diziam na galhofa, mas não havia qualquer descanso, era treino. Tolkien falava do desgaste universal de toda aquela guerra. Mas, durante este período, esteve envolvido em três ataques. Teve muita sorte por não ter participado no primeiro dia do Somme. Estava uns quilómetros atrás da linha da Frente, nessa altura. O seu batalhão avançou para uma segunda vaga de ataques. Foram enviados contra uma aldeia chamada Ovier, que tinha sido a linha da Frente alemã. Uma das primeiras coisas que encontrou foi um caos no sistema de comunicações do campo de batalha. Era muito primitivo. Só estava parcialmente montado e danificado pelos acasos da batalha. Tinha sinalizadores a atravessar a Terra de Ninguém a transportar luzes para dizer: "Chegámos". Mais luzes: "Fizemos prisioneiros". Tinham pombos que eram o método de comunicação mais fiável. Um dos sinalizadores de Tolkien ganhou uma medalha por conseguir que os pombos atravessassem a Terra de Ninguém e fizessem o trabalho corretamente. VO: O ataque é um êxito e foram feitos muitos prisioneiros. De todo o combate que Tolkien relata, uma das batalhas mais significativas é também uma das suas últimas: um ataque à Trincheira Regina. JG: Isso foi em outubro, altura em que o campo de batalha estava reduzido a lama. O ataque tinha sido adiado por causa da chuva pesada mas a 21 de outubro, houve uma vaga de frio, o solo ficou duro com o gelo e o ataque pôde ser concretizado. (Disparos de canhão) (Tiros de metralhadora) JG: Presenciou mortes violentas, também viu e sentiu um terror enorme. Tanto quanto sabemos, ele nunca descreveu em pormenor como foi aquela guerra das trincheiras mas resumiu-o em duas palavras, numa das suas cartas: "horror animal". Retirava-lhes toda a humanidade e transformava-os em bestas desesperadas que só pensavam em fugir e sobreviver. É muito interessante, se procurarmos no Senhor dos Anéis, sempre que as personagens estão numa situação de terror extremo, são sempre descritas como paralisadas e estupidificadas, desumanizadas pelo terror. PG: Muitas das trincheiras britânicas eram propositadamente desconfortáveis porque os generais queriam que os homens acreditassem que eram apenas temporárias. que iam sair dali, que aquilo não era a casa deles. VO: Na Frente Ocidental, Tolkien sente-se isolado de casa e as cartas para Edith e as cartas dela são um cabo de salvamento. Por razões de importância estratégica, Tolkien está impedido de informar nas cartas a sua localização portanto inventa um código de pontos para manter Edith informada do local onde está. JG: Escolhe as letras do alfabeto no texto do que lhe escreve e põe um ponto por cima das relevantes para escrever o nome do local onde estava nessa altura. Edith tinha um mapa na parede e assinala com um alfinete o local onde ele estava na altura. VO: Depois do ataque com êxito à Trincheira Regina, o batalhão retira-se da Frente e estaciona em frente das altas patentes. Mas Tolkien adoece. JG: Era a febre das trincheiras. Era uma doença provocada pelos piolhos devido à falta de higiene nas trincheiras. PG: Espalha-se pelo contacto com os piolhos e os sintomas não são nada agradáveis. Provocam dores de cabeça, pode-se ter dores de estômago, dores nas articulações e nos ossos, lesões na pele. Não é fatal mas pode ser muito debilitante. Tão debilitante que não se pode ser um soldado eficaz. Tolkien teve um ataque muito grave, tão grave que teve que ser evacuado "de volta a Blighty", como escreveram. De facto, foi o fim da sua guerra. JG: Salvou a vida de Tolkien. Tirou-o do campo de batalha e ele voltou à Grã-Bretanha. Foi enviado para Birmingham, para o Hospital Geral First Southern, como se chamava na época, que estava instalado nos terrenos da Universidade de Birmingham. Foi ali que Tolkien se reencontrou com a mulher, Edith e onde ele começou a escrever as primeiras histórias da "Terra-Média". A sua reunião com Edith foi duplamente emotiva e foi uma inspiração para diversas partes da escrita na sua mitologia, nomeadamente a história de Luthien e Beren, que aparecem no Silmarillion e estão referidas no Senhor dos Anéis. Uma história de amor entre um homem mortal e um duende imortal. VO: Mas o descanso de Tolkien é de curta duração. Pouco depois de regressar a Birmingham, Tolkien vem a saber por Christopher Wiseman, que o seu grande amigo G.B. Smith tinha sido morto. JG: A Batalha do Somme acabara e Smith estava a organizar um desafio de futebol para os seus homens a cerca de 6 km da Linha da Frente, quando uma bomba perdida explodiu perto dele. Foi atingido pelos estilhaços e contraiu uma gangrena gasosa, que o matou em poucos dias. No início de 1916, ainda Tolkien estava em formação, tinha recebido uma carta de G.B. Smith que, na altura, estava nas trincheiras, em França. VO: Smith ia sair na patrulha da noite. O oficial que chefiara a patrulha na noite anterior tinha sido capturado e muito provavelmente morto. JG: Era uma das atividades mais perigosas que se podiam ter na Frente Ocidental e Smith ia fazê-la. Aproveitou a oportunidade para escrever a Tolkien e dizer-lhe: "Vou sair na patrulha da noite. "Sou um ardente e apaixonado admirador "daquilo que escreveste e daquilo que hás de escrever". Dissera a Tolkien: "Tenho a certeza que és um eleito, "e tens que publicar". Smith foi essencialmente o primeiro fã da Terra-Média. SS: Smith diz na carta que a morte não podia pôr fim ao CCSB, aos "quatro imortais", nas suas palavras, que Tolkien podia dizer as coisas que quisesse dizer, muito depois de deixar de as poder dizer. É muito comovente porque penso que Tolkien, apesar do seu "eu" artístico individual, viu a sua carreira posterior como uma tentativa de cumprir os sonhos artísticos que tinham partilhado. JG: Ele conseguiu reunir as suas forças e ver talvez em Smith um ideal digno de viver. VO: No verão de 1918, Tolkien e Wiseman reúnem alguns dos poemas de Smith e publicaram-nos num pequeno volume, intitulado: "Uma Colheita da Primavera". A guerra de Tolkien acabara, mas o impacto das suas experiências ficará sempre nele e influenciará a sua escrita futura. JG: Toda a experiência da guerra teve um efeito permanente na mitologia de Tolkien. Logo que Tolkien regressou do Somme começou a escrever uma história chamada "A Queda de Gondolin", que foi o primeiro elemento da sua mitologia que tratava de batalhas. A coisa fascinante nisso foi que as forças atacantes usavam coisas que Tolkien designava por "dragões", "bestas" ou "monstros" mas eram descritas como metálicas e a rolar e a cuspir fogo. Algumas delas tinham tropas lá dentro. É muito claro que é uma espécie de mitificar o tanque que era a arma secreta dos britânicos, que tinha sido lançada no Somme quando Tolkien lá estava. O Senhor dos Anéis concentra-se numa irmandade, em que os membros estão separados em diversas frentes de batalha, tal como estavam os do CCSB. SS: É quase impensável que, ao escrever sobre a dispersão da irmandade, no Senhor dos Anéis, Tolkien não tenha sido influenciado pela sua perda durante a I Guerra Mundial e pelo fim da irmandade do CCSB. Há uma carta posterior em que ele refere que os pântanos mortos, que Frodo, Sam e Gollum atravessam, se devem ao norte da França, na área do Somme, onde ele combateu. JG: Frodo e Sam são o equivalente a um oficial e à sua ordenança, o seu impedido. Tolkien diz mesmo: "O meu Sam Gamgee é inspirado nos impedidos e ordenanças "que conheci na I Guerra Mundial". Frodo representa os sentimentos dum jovem, como o próprio Tolkien, atirado para uma guerra involuntariamente e tendo que suportar uma carga terrível, a carga do dever. Podemos ver que Frodo exibe sintomas daquilo a que hoje se chama Perturbação Pós-Traumática ou Trauma da Guerra ou, como lhe chamavam na época, Psicose de Obus. Começa a afastar-se do mundo, cada vez mais encerrado em si mesmo. Diz que não consegue recordar como era a relva, como era a luz do sol. Quando a guerra acaba em O Senhor dos Anéis, Frodo não se pavoneia como um herói, está visivelmente traumatizado por aquela experiência. Isso era o que acontecia com muitos dos soldados que regressavam da Frente Ocidental, incapazes de falar sobre as experiências que os tinham afetado tão profundamente. PG: A geração que luta na I Guerra Mundial devia ser considerada corajosa. SS: O sacrifício dessa geração foi extraordinário. JG: Foi uma perda trágica, não só para as famílias, para os amigos, mas para a civilização no seu todo. Abalou crenças antigas e preconceitos sobre a honra e a glória. SS: É a primeira guerra a sério das máquinas. Foram eliminados tantos milhares, tantos milhões de homens, que foram destruídos sem terem enfrentado o inimigo individualmente. PG: Esses homens não tiveram o privilégio de morrer um a um, morreram em massa. Penso que é esse número que nos traumatiza tanto. É por isso que temos os memoriais em Thiepval e Menin Gate. São apenas uma longa lista de nomes. Os corpos desapareceram, pura e simplesmente. Todos tinham vidas separadas mas todos desapareceram ao mesmo tempo. JG: Quando lemos a crónica da escola King Edward, como eu fiz quando investiguei a vida de Tolkien, ficamos a conhecer os rapazes com quem ele cresceu e vemos as suas realizações, vemos o que andavam a estudar, vemos como eram maravilhosamente inteligentes potencialmente criativos e brilhantes. Depois veio a I Guerra Mundial e vemos que era para isso que eles estavam destinados. PG: Aqueles jovens, com a vida inteira à sua frente, foram — sim, é uma frase que todos conhecemos — foram ceifados na sua juventude. Tinham um grande potencial, cheio de vida, cheio de vigor, cheio de planos, cheio de ambições. Queriam fazer montes de coisas na sua vida profissional e pessoal e essa oportunidade foi-lhes negada. JG: Quando olhamos para os acasos da guerra, é espantoso como Tolkien sobreviveu e conseguiu produzir as grandes obras de literatura que escreveu. Obras que moldaram a nossa cultura. Ficamos a pensar quantos outros não sobreviveram que potencial tinham dentro deles que nunca tiveram tempo de revelar. É uma perda irreparável. SS: G.B. Smith dá um breve lampejo duma vida jovem aniquilada que só comunicou os seus sonhos de forma muito incompleta. PG: É uma geração que não falou sobre o que sentia. Nesse sentido, penso que o efeito psicológico foi de longa duração. Muitos veteranos sobreviveram à guerra mas descobriram que não conseguiam sobreviver à paz. VO: Na capela da escola King Edward há oito placas de latão que têm os nomes de 245 antigos alunos que perderam a vida durante a I Guerra Mundial. Tolkien e os seus amigos do CCSB, são apenas quatro dos quase 1500 antigos alunos que responderam à chamada do seu país e combateram na Grande Guerra. Cada uma das suas histórias devia ser contada. PG: Os cemitérios que podemos visitar no norte da França tornaram-se quase nas catedrais do século XXI. É preciso fazer algumas perguntas muito importantes sobre a natureza da guerra e a natureza do sacrifício. E, no caso da I Guerra Mundial, a escala desse sacrifício, e se qualquer guerra é digna disso. [1403 antigos alunos da escola King Edward [prestaram serviço ao país durante o conflito. [Foram mortos quase um em cada cinco] [Calcula-se que houve mais de 16 milhões de mortos [e 20 milhões de feridos durante a I Guerra Mundial]