Porto Sonoro | Gustavo Costa | TEDxPorto

Porto Sonoro: Documentação e transformação do património sonoro da cidade do Porto

Gustavo Costa tem neste projeto a ambição de fazer uma cartografia sonora do Porto, recolhendo sons, expressões e a sonoridade que define e caracteriza esta cidade.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

(Áudio de ruídos da cidade)

(Fim do áudio)

Olá, boa tarde.

Eu desde sempre tive um fascínio pelo som,

pelo som como matéria-prima
para criar e compor.

Quando falo em som, falo em som,

quando se pensa em som
para fazer uma composição,

pensamos automaticamente numa orquestra

num quarteto de cordas, num piano,

e, obviamente, esses sons
são interessantes.

Mas também há outro tipo de sons
que são os sons que nos rodeiam

que são belos, se os conseguirmos
ouvir com atenção.

Pode ser o som da chuva,

pode ser, por exemplo,
o som deste projetor

que está aqui a fazer um ruído
aparentemente irritante

mas que pode ser levado
para fins musicais no devido contexto.

E tudo isto foi sempre
um grande fascínio para mim,

perceber como é
que se podiam ouvir os sons.

Nunca houve uma distinção entre sons

que pudessem ser musicais ou não musicais.

Esta distinção faz-se pela forma
como utilizamos esses sons.

Eu sou também um cidadão do Porto

e acredito na identidade
que está dentro duma cidade.

As cidades têm uma característica
muito própria.

Esta característica tem também um som,

ou seja, as cidades têm um som próprio.

Então, é desta fusão do meu interesse
pelo som e pela cidade do Porto

que nasce este projeto
que é o Porto Sonoro.

O que é que é então o Porto Sonoro?

O Porto Sonoro é um arquivo de sons
da cidade do Porto

que se dedica à recolha e à organização
e à transformação destes mesmos sons.

Foi um projeto que foi iniciado
para o Festival Manobras no Porto

no final do ano 2010,

e onde conseguimos reunir
uma equipa de aficionados do som

para trabalhar neste projeto.

Qual é o nosso objetivo principal?

É pensar sobre o som.

Isto pode parecer muito simples
mas há um dado muito curioso.

Nós saímos à rua, diariamente.

Vamos, por exemplo,
ao Centro Histórico do Porto,

e ficamos deslumbrados com a beleza
da paisagem, da ponte, do rio,

da expressão das pessoas,

mas muitas vezes esquecemos
de ouvir e ouvir com atenção.

Isto é um exercício
que é difícil de ser feito.

Sair à rua e, em vez de pensarmos
só na componente visual,

darmos importância também ao som

e como é que o som nos pode ajudar
a melhorar a nossa vida,

por exemplo, pensarmos como é
que o ruído ambiente duma cidade

condiciona a nossa forma de estar.

Como fizemos este projeto?

Saímos à rua e tentamos perceber

quais eram os sons que podiam
caracterizar a cidade do Porto.

Fizemos as recolhas, armazenamos os sons

e esses sons foram depois analisados.

Houve aqui nesta fase
um aspeto muito curioso.

Nós começamos a notar que havia
um som que descrevia muito bem a cidade.

Esse som é a voz,

ou seja, o sotaque do Porto,

a musicalidade que está inerente
ao sotaque do Porto

que é uma musicalidade
muito bela, se a conseguirmos ouvir.

Então, nós tivemos aqui um problema.

Como é que nós conseguíamos captar
a musicalidade do sotaque do Porto,

ir, por exemplo, ao Centro Histórico,

ir a um café na Ribeira

e conseguir captar toda a espontaneidade
daquelas conversas maravilhosas

que há nos cafés, nos tascos da Ribeira.

Nós queríamos preservar
essa espontaneidade

essas vidas diárias que são
muitas vezes as histórias

que ficam por contar.

Então, nós optamos por uma captação
que é a captação binaural,

que utiliza uns microfones
que são muito pequenos

como podem ver nesta imagem.

São microfones que se assemelham
a "headphones"

e, dito por outras palavras,
fazem com que nós possamos estar a gravar

num café, sem sermos notados.

Isto faz com que nós possamos ter

uma série de registos
espontâneos das pessoas,

o que é muito importante para nós.

Obviamente que levanta-se aqui
o problema da privacidade das pessoas.

Mas nós aqui fomos muito cuidadosos

em não revelar aspetos
que podiam comprometer,

de alguma forma, a vida das pessoas.

Nós também estivemos sempre focados
na musicalidade das expressões

e não propriamente no seu conteúdo.

Os sons estão arquivados num "website"
que é o portosonoro.pt

e todos os sons podem
ser descarregados livremente

e utilizados para fins
científicos ou criativos.

Há uma forma de aceder aos sons

que é através de um mapa,
uma cartografia da cidade.

Isso faz com que seja possível aceder,
por exemplo,

aos sons da estação de São Bento.

Vamos supor que estou a fazer
um filme sobre a estação de São Bento,

preciso de sons da estação.

Vou ao mapa, clico numa destas rodelinhas

e posso ouvir os sons
que foram lá captados.

Outra forma de aceder aos sons

é através de um sistema
de catalogação que nós criámos.

Temos, por exemplo, uma categoria
que se denomina "Vozes",

e nós aqui podemos ouvir todos os sons

que estão relacionados com esta categoria.

Um dos aspetos importantes
para nós neste projeto

é pegar neste arquivo e transformá-lo.

Ou seja, dar uma voz
criativa a estes sons.

Nós chamamos a esta categoria
percursos novos imaginários,

são uma espécie de viagens sonoras
sobre a cidade do Porto.

Neste momento, nós pedimos
a vários compositores

que trabalham na área
da música eletroacústica

para fazerem várias composições
baseadas no nosso arquivo

e que estão armazenadas nesta secção.

Há outra forma de transformar os sons
que estão no "site",

que é através de duas aplicações

que estão disponíveis,
também gratuitamente.

Uma delas é o PORTOphone
que foi desenvolvido pelo Filipe Lopes

e a outra é o Manobrador

que foi desenvolvido pelo
George Sioros e por mim próprio.

Estas aplicações são
para poderem ser utilizadas

por utilizadores
com ou sem experiência musical.

O que é que nós tivemos até agora
com este projeto do Porto Sonoro?

Fizemos várias composições
eletroacústicas,

inclusive um disco de música pop

que utilizou o nosso arquivo
para criar uma introdução para esse disco,

peças de teatro, vários estudos.

Temos o nosso arquivo
a ser divulgado na Rádio Manobras.

Instalações audiovisuais, etc.

Todos estes resultados
prestam, de certa maneira,

uma nova visão sobre a cidade.

Isto leva-nos a esta última questão

que foi também a nossa questão de partida:

qual é o som do Porto?

Será que é um som específico
da nossa cidade?

Será que, se nós ouvirmos com atenção,

podemos redescobrir
a cidade do Porto através do som?

Será que podemos melhorar
a nossa qualidade de vida

através dos sons?

Claro que isto são perguntas
extremamente complexas

para as quais nós não temos
uma resposta simples.

Mas ao longo destes anos

em que estivemos a fazer
todas estas captações,

apercebemo-nos que há um som do Porto

e esse som é produzido pelas pessoas

e essas pessoas são pessoas
que lutam muito

e lutam muito para ter muito pouco,

mas, com muito pouco,
conseguem fazer muito.

E esse é para mim o som do Porto,
o som que caracteriza a cidade

e é assim a vida do Porto.

(Áudio de sons de conversas)

Obrigado.

(Aplausos)