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Quem conta como falante de uma língua? | Anna Babel | TEDxOhioStateUniversity

  • 0:19 - 0:21
    Dizem que há muito tempo
  • 0:21 - 0:26
    todos falavam a mesma língua
    e pertenciam à mesma tribo.
  • 0:26 - 0:29
    Eu acho que as pessoas tinham
    muito tempo sobrando,
  • 0:29 - 0:33
    porque elas decidiram trabalhar juntas
    para se tornarem maiores que Deus.
  • 0:34 - 0:37
    Elas começaram a construir
    uma torre até o céu.
  • 0:38 - 0:39
    Deus viu isso e ficou irritado.
  • 0:39 - 0:41
    E para punir as pessoas
    por sua arrogância,
  • 0:41 - 0:43
    Deus destruiu a torre,
  • 0:43 - 0:46
    dispersou os povos pela Terra
  • 0:46 - 0:48
    e os forçou a falar diferentes línguas.
  • 0:49 - 0:52
    Essa é a história da Torre de Babel.
  • 0:52 - 0:55
    Provavelmente não é uma verdade
    histórica e literal,
  • 0:55 - 0:57
    mas nos diz algo
  • 0:57 - 1:01
    sobre como entendemos
    as línguas e os falantes.
  • 1:01 - 1:05
    Por um lado, costumamos pensar
    que falar diferentes línguas
  • 1:05 - 1:09
    significa que não nos damos bem
    ou que estamos em conflito
  • 1:09 - 1:12
    e falar a mesma língua implica
    que pertencemos ao mesmo grupo
  • 1:12 - 1:15
    e que podemos trabalhar juntos.
  • 1:15 - 1:20
    Os linguistas modernos sabem que a relação
    entre língua e categorias sociais
  • 1:20 - 1:22
    é intricada e complexa.
  • 1:22 - 1:26
    Trazemos tanta bagagem para a forma
    como entendemos a língua
  • 1:26 - 1:29
    que até uma pergunta
    aparentemente simples como:
  • 1:29 - 1:32
    "O que torna uma pessoa
    falante de uma língua?"
  • 1:32 - 1:34
    pode ficar realmente muito complicada.
  • 1:35 - 1:38
    Sou professora de espanhol
    na Ohio State University.
  • 1:38 - 1:40
    Dou aulas principalmente
    nos níveis avançados,
  • 1:40 - 1:45
    para estudantes que tiveram quatro
    ou cinco anos de espanhol na universidade.
  • 1:45 - 1:49
    Os alunos da minha turma falam espanhol
    comigo durante todo o semestre,
  • 1:49 - 1:53
    eles me ouvem falando espanhol,
    entregam trabalhos escritos em espanhol.
  • 1:53 - 1:56
    Mesmo assim, quando pergunto
    no início do semestre:
  • 1:56 - 1:59
    "Quem se considera falante de espanhol?",
  • 1:59 - 2:02
    poucos deles levantam a mão.
  • 2:02 - 2:05
    Você pode falar muito bem uma língua
  • 2:05 - 2:09
    e ainda não se considerar um falante dela.
  • 2:10 - 2:14
    Talvez não seja apenas
    o quão bem você fala uma língua.
  • 2:14 - 2:18
    Talvez também seja
    a idade na qual você começa a falar.
  • 2:18 - 2:21
    Mas quando vemos crianças
    que falam espanhol em casa
  • 2:21 - 2:25
    e majoritariamente inglês
    no trabalho ou na escola,
  • 2:25 - 2:29
    elas sentem como se não falassem
    nenhuma das línguas realmente bem.
  • 2:29 - 2:33
    É como se elas estivessem
    em um estado de vazio linguístico,
  • 2:33 - 2:36
    porque não se sentem inteiramente
    confortáveis com espanhol na escola
  • 2:36 - 2:40
    e nem com inglês em casa.
  • 2:40 - 2:44
    Temos uma forte ideia
    de que, para sermos bons bilíngues,
  • 2:44 - 2:47
    temos que ser dois
    monolíngues em um corpo.
  • 2:48 - 2:51
    Mas os linguistas sabem
    que o bilinguismo não funciona assim.
  • 2:51 - 2:55
    Na verdade, é bem mais comum
    que as pessoas se especializem,
  • 2:55 - 3:00
    para usar uma língua em cada lugar.
  • 3:01 - 3:05
    Mas nem sempre é
    sobre como nos enxergamos.
  • 3:05 - 3:08
    Também pode ser sobre
    como os outros nos enxergam.
  • 3:09 - 3:13
    Eu faço minha pesquisa na Bolívia,
    que é um país na América do Sul.
  • 3:13 - 3:16
    Na Bolívia, assim como nos Estados Unidos,
  • 3:16 - 3:19
    há diferentes grupos sociais
    e categorias étnicas.
  • 3:20 - 3:24
    Uma dessas etnias é um grupo
    conhecido como quéchua,
  • 3:24 - 3:26
    que são pessoas indígenas.
  • 3:26 - 3:29
    Os quéchuas falam espanhol
    um pouco diferente
  • 3:29 - 3:31
    dos hispanofalantes comuns.
  • 3:31 - 3:35
    Particularmente, há alguns sons
    que são mais parecidos
  • 3:35 - 3:37
    quando muitos falantes
    quéchuas os pronunciam.
  • 3:38 - 3:41
    Um colega e eu fizemos um estudo
  • 3:41 - 3:46
    no qual pegamos vários pares de palavras
    que soavam bem parecidos.
  • 3:46 - 3:47
    E eles soavam parecidos
  • 3:47 - 3:49
    exatamente do mesmo jeito
  • 3:49 - 3:55
    que falantes quéchuas soam parecidos
    quando falam espanhol.
  • 3:55 - 3:59
    Nós tocamos esses pares de palavras
    para um grupo de pessoas.
  • 3:59 - 4:02
    Para a metade delas, dissemos que ouviriam
  • 4:02 - 4:04
    apenas um falante de espanhol comum
  • 4:04 - 4:08
    e, para a outra metade,
    que ouviriam um falante quéchua.
  • 4:09 - 4:11
    Todos ouviram a mesma gravação.
  • 4:11 - 4:16
    Percebemos que as pessoas que pensaram
    estar ouvindo o falante de espanhol
  • 4:16 - 4:19
    distinguiram claramente
    os pares de palavras.
  • 4:19 - 4:22
    E os que pensaram
    estar ouvindo um falante quéchua
  • 4:22 - 4:25
    não conseguiram fazer distinções claras.
  • 4:25 - 4:27
    Se uma imagem ajudar,
  • 4:27 - 4:29
    aqui estão os resultados do nosso estudo.
  • 4:29 - 4:32
    Vocês podem ver que a linha de cima
    faz meio que um arco.
  • 4:32 - 4:34
    Isso é o que esperamos ver
  • 4:34 - 4:37
    de pessoas que fazem
    distinções claras entre os pares
  • 4:37 - 4:40
    e daquelas que pensavam
    estar ouvindo um falante de espanhol.
  • 4:41 - 4:43
    Abaixo vocês vêm uma linha mais reta.
  • 4:43 - 4:45
    Isso é o que esperamos ver
  • 4:45 - 4:47
    quando as pessoas não fazem
    distinções claras,
  • 4:47 - 4:51
    e isso veio do grupo que pensou
    estar ouvindo um falante quéchua.
  • 4:51 - 4:54
    Já que nada mudou na gravação,
  • 4:54 - 4:58
    isso significa que foram
    as categorias sociais dadas aos ouvintes
  • 4:58 - 5:01
    que mudaram a forma
    como percebiam a língua.
  • 5:01 - 5:05
    Isso não é algo divertido
    que só acontece na Bolívia.
  • 5:05 - 5:10
    Foram feitas pesquisas nos Estados Unidos,
    no Canadá, na Nova Zelândia,
  • 5:10 - 5:12
    que mostravam exatamente a mesma coisa.
  • 5:12 - 5:16
    Nós incorporamos categorias sociais
    no nosso entendimento da língua.
  • 5:16 - 5:20
    Até existem estudos feitos
    com universitários norte-americanos
  • 5:20 - 5:23
    que ouviram uma aula universitária.
  • 5:23 - 5:27
    Metade dos estudantes viram a foto
    de um rosto caucasiano como professor;
  • 5:28 - 5:32
    metade deles viram a foto
    de um rosto asiático como professor.
  • 5:33 - 5:35
    Os estudantes que viram o rosto asiático
  • 5:35 - 5:40
    relataram que a aula era menos clara
    e mais difícil de entender,
  • 5:40 - 5:44
    mesmo que todos tenham ouvido
    a mesma gravação.
  • 5:45 - 5:46
    Pois é.
  • 5:46 - 5:51
    As categoriais sociais influenciam mesmo
    a maneira como percebemos a língua.
  • 5:51 - 5:54
    Essa questão se tornou
    particularmente pessoal para mim
  • 5:54 - 5:56
    quando meus filhos entraram na escola.
  • 5:57 - 5:59
    Eles são latinos.
  • 5:59 - 6:00
    Nós falamos espanhol em casa,
  • 6:00 - 6:04
    mas eles geralmente falam inglês
    com seus amigos, na rua,
  • 6:04 - 6:05
    com seus avós.
  • 6:06 - 6:09
    Quando eles começaram na escola,
    me falaram que o distrito exigia
  • 6:09 - 6:13
    que, se uma família tivesse um membro
    que falasse outra língua além do inglês,
  • 6:13 - 6:14
    as crianças seriam avaliadas
  • 6:14 - 6:18
    para verificar se precisavam
    do serviço de inglês como segunda língua.
  • 6:18 - 6:19
    E eu pensei:
  • 6:19 - 6:23
    "Isso! Meus filhos
    vão arrebentar nesse teste".
  • 6:24 - 6:26
    Mas não foi isso que aconteceu.
  • 6:26 - 6:31
    Atrás de mim, vocês podem ver
    os resultados da minha filha no teste.
  • 6:31 - 6:34
    Ela fechou com cinco
  • 6:34 - 6:38
    em compreensão: pela leitura e escuta.
  • 6:38 - 6:44
    Mas só tirou três de cinco
    pela fala e escrita.
  • 6:44 - 6:48
    E eu pensei: "Isso é muito estranho,
    ela sempre fala pelos cotovelos".
  • 6:48 - 6:50
    (Risos)
  • 6:50 - 6:55
    Mas imaginei que era apenas um teste
    e que não era grande coisa.
  • 6:55 - 6:58
    Muitos anos depois,
    meu filho entrou para a escola.
  • 6:58 - 7:03
    Ele também foi classificado como falante
    não nativo de inglês no teste.
  • 7:05 - 7:06
    E eu pensei:
  • 7:06 - 7:09
    "Isso é muito estranho
    e não parece uma coincidência".
  • 7:09 - 7:12
    Então mandei um recado para a professora,
    que foi muito gentil.
  • 7:12 - 7:17
    Ela me mandou uma longa mensagem
    me explicando o porquê da sua colocação.
  • 7:17 - 7:20
    Algumas coisas que ela disse
    me chamaram muito a atenção.
  • 7:21 - 7:24
    Ela disse que mesmo
    um falante nativo de inglês
  • 7:24 - 7:28
    poderia não ser classificado
    no nível avançado nesse teste,
  • 7:28 - 7:30
    dependendo do tipo de recurso
    e enriquecimentos
  • 7:30 - 7:32
    que estivesse recebendo em casa.
  • 7:33 - 7:36
    Isso me diz que o teste
    não estava sendo muito eficiente
  • 7:36 - 7:39
    em medir a proficiência em inglês.
  • 7:39 - 7:40
    Mas talvez estivesse medindo
  • 7:40 - 7:43
    algo como a quantos recursos
    as crianças são expostas em casa.
  • 7:43 - 7:48
    Nesse caso, essas crianças precisam
    de outro tipo de apoio na escola.
  • 7:48 - 7:50
    Eles não precisam
    de assistência com o inglês.
  • 7:52 - 7:56
    Outra coisa que ela mencionou
    chamou minha atenção como linguista.
  • 7:56 - 7:59
    Ela disse que pediu ao meu filho
    para repetir a frase:
  • 7:59 - 8:02
    "Who has Jane's pencil?"
  • 8:03 - 8:06
    E ele repetiu: "Who has Jane pencil?"
  • 8:07 - 8:09
    Ela disse que esse é um erro típico
  • 8:09 - 8:12
    de um falante não nativo de inglês
  • 8:12 - 8:17
    cuja língua materna não tem
    uma estrutura similar para possessivos.
  • 8:18 - 8:22
    Isso chamou minha atenção
    porque eu sei que existe
  • 8:22 - 8:26
    uma variedade do inglês
    sistematicamente regida por regras,
  • 8:26 - 8:30
    na qual essa construção possessiva
    é completamente gramatical.
  • 8:31 - 8:35
    Essa variedade é conhecida por linguistas
    como inglês afro-americano.
  • 8:36 - 8:39
    O inglês afro-americano é na verdade
    um grupo de dialetos
  • 8:39 - 8:41
    falados nos Estados Unidos inteiro,
  • 8:41 - 8:43
    geralmente em comunidades afro-americanas.
  • 8:44 - 8:49
    Mas acontece que a escola do meu filho
    é cerca de 60% afro-americana.
  • 8:49 - 8:52
    E sabemos que nessa idade
  • 8:52 - 8:54
    as crianças absorvem coisas
    dos seus amigos,
  • 8:54 - 8:56
    elas estão exercitando a língua,
  • 8:56 - 8:58
    e usando ela em diferentes contextos.
  • 8:59 - 9:03
    Eu acho que, quando
    a professora viu o meu filho,
  • 9:03 - 9:08
    ela não enxergou uma criança que poderia
    estar falando inglês afro-americano.
  • 9:09 - 9:10
    Então, em vez de avaliá-lo
  • 9:10 - 9:15
    como uma criança que estava adquirindo
    múltiplos dialetos do inglês,
  • 9:15 - 9:20
    o avaliou como se seu inglês padrão
    fosse insuficiente.
  • 9:23 - 9:27
    A línguas e as categorias sociais
    estão intrinsecamente conectadas,
  • 9:27 - 9:31
    e trazemos muita bagagem para a forma
    como entendemos a língua.
  • 9:32 - 9:36
    Quando você me pergunta algo como:
    "Quem conta como falante de uma língua?",
  • 9:36 - 9:39
    eu realmente não tenho
    uma resposta simples para isso.
  • 9:39 - 9:43
    Mas posso dizer que as pessoas
    procuram padrões.
  • 9:43 - 9:46
    E estamos sempre procurando
    formas de conectar os pontos
  • 9:46 - 9:49
    entre diferentes tipos de informações.
  • 9:50 - 9:52
    Isso pode ser um problema
  • 9:52 - 9:56
    quando nossos vieses implícitos
    são projetados na língua.
  • 9:57 - 10:00
    Quando olho para crianças como as minhas,
  • 10:00 - 10:05
    e as vejo da forma mais delicada
    e bem-intencionada possível,
  • 10:05 - 10:09
    sendo racialmente categorizas
    como falantes não nativos de inglês,
  • 10:11 - 10:12
    isso me faz perguntar:
  • 10:12 - 10:16
    o que vai acontecer quando forem
    do ensino fundamental
  • 10:16 - 10:20
    para o ensino médio, a universidade
    e o primeiro emprego.
  • 10:20 - 10:22
    Quando elas forem para uma entrevista,
  • 10:22 - 10:26
    a pessoa sentada do outro lado da mesa
  • 10:26 - 10:29
    vai olhar para a sua cor
    ou o seu sobrenome
  • 10:29 - 10:32
    e ouvi-los falando
    com um sotaque hispânico
  • 10:32 - 10:34
    ou apenas um inglês ruim?
  • 10:35 - 10:40
    Esse tipo de julgamento pode produzir
    efeitos a longo prazo na vida das pessoas.
  • 10:41 - 10:43
    Portanto, espero que aquela pessoa,
  • 10:43 - 10:45
    assim como vocês,
  • 10:45 - 10:48
    tenha refletido sobre
    as relações naturalizadas
  • 10:48 - 10:50
    entre língua e categorias sociais
  • 10:50 - 10:52
    e tenha questionado suas suposições
  • 10:52 - 10:56
    acerca do que realmente significa
    ser falante de uma língua.
  • 10:57 - 10:58
    Obrigada.
  • 10:58 - 11:00
    (Aplausos)
Title:
Quem conta como falante de uma língua? | Anna Babel | TEDxOhioStateUniversity
Speaker:
Anna Babel
Description:

Você já pensou sobre o que significa falar uma língua? Como parece, a resposta para essa pergunta é complexa e está profundamente ligada à questão sobre quem somos - e como somos vistos - enquanto seres humanos.

Anna Babel estuda a complexa relação entre língua e categorias sociais. Seus principais interesses são o contato linguístico, as políticas de línguas minoritárias e a migração.

Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais visite http://ted.com/tedx

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
11:10

Portuguese, Brazilian subtitles

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