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Uma ferramenta inesperada para entender a desigualdade: matemática abstrata

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    O mundo está inundado
    de discussões polêmicas,
  • 0:07 - 0:09
    conflitos,
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    notícias falsas,
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    vitimização,
  • 0:13 - 0:19
    exploração, preconceito,
    intolerância, acusações, gritarias
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    e défice de atenção.
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    Às vezes, parece que estamos
    destinados a tomar partido,
  • 0:28 - 0:30
    a estarmos presos em câmaras de eco
  • 0:30 - 0:33
    e a nunca mais concordar.
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    Às vezes, parece uma corrida
    ao fundo do poço,
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    em que todo mundo chama atenção
    ao privilégio do outro
  • 0:40 - 0:47
    e compete para se mostrar
    o mais injustiçado na discussão.
  • 0:49 - 0:53
    Como entendermos um mundo
    que não faz sentido?
  • 0:56 - 1:00
    Tenho uma ferramenta para entender
    esse nosso mundo confuso
  • 1:00 - 1:03
    que, para vocês, talvez seja inesperada:
  • 1:04 - 1:06
    matemática abstrata.
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    Sou estudiosa da matemática pura.
  • 1:10 - 1:14
    Tradicionalmente, matemática pura
    é como se fosse a teoria da matemática,
  • 1:14 - 1:19
    enquanto a matemática aplicada é usada
    em problemas reais, como construir pontes,
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    pilotar aviões e controlar
    o fluxo de tráfego.
  • 1:24 - 1:29
    Mas irei falar sobre como
    a matemática pura é usada diretamente
  • 1:29 - 1:32
    em nosso cotidiano
    como um modo de pensar.
  • 1:33 - 1:37
    Resolver equações de segundo grau
    não me ajuda no dia a dia,
  • 1:37 - 1:42
    mas eu uso o raciocínio matemático
    para me ajudar a entender argumentos
  • 1:42 - 1:45
    e ser empática com outras pessoas.
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    Então, a matemática pura
    me ajuda com todo o mundo.
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    Mas antes de falar sobre todo o mundo,
  • 1:56 - 1:59
    preciso falar sobre algo
    que vocês possam achar
  • 1:59 - 2:01
    tão irrelevante quanto matemática escolar:
  • 2:02 - 2:04
    fatores de números.
  • 2:04 - 2:08
    Comecemos com os fatores de 30.
  • 2:08 - 2:12
    Se isso lhes faz tremer com memórias ruins
    das aulas de matemática,
  • 2:12 - 2:17
    compadeço-me, pois também achava
    as aulas de matemática chatas.
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    Mas tenho certeza que abordaremos isso
  • 2:21 - 2:25
    de modo bem diferente
    de como o fizemos na escola.
  • 2:26 - 2:27
    O que são fatores de 30?
  • 2:27 - 2:31
    São os divisores de 30.
  • 2:31 - 2:33
    Talvez se lembrem deles, vejamos:
  • 2:33 - 2:37
    um, dois, três,
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    cinco, seis,
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    10, 15 e 30.
  • 2:42 - 2:43
    Não é muito interessante.
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    São vários números em uma linha reta.
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    Podemos torná-los mais interessantes
  • 2:49 - 2:52
    ao analisar quais desses números
    também são fatores entre si
  • 2:52 - 2:55
    e desenhar uma figura,
    quase uma árvore genealógica,
  • 2:55 - 2:56
    para mostrar essas relações.
  • 2:56 - 3:00
    Então, o 30 fica no topo
    como se fosse o tataravô.
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    Seis, 10 e 15 são divisores de 30.
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    Cinco é divisor de 10 e 15.
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    Dois é divisor de 6 e 10.
  • 3:10 - 3:13
    Três é divisor de 6 e 15.
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    Um é divisor de dois, três e cinco.
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    Agora, vemos que dez
    não é divisível por três,
  • 3:21 - 3:24
    mas que estes são vértices de um cubo,
  • 3:24 - 3:26
    o que é um pouco mais interessante
  • 3:26 - 3:28
    do que vários números em uma linha reta.
  • 3:30 - 3:33
    Podemos perceber algo mais:
    há uma hierarquia aqui.
  • 3:33 - 3:35
    No nível de baixo está o número um,
  • 3:35 - 3:37
    em seguida os números dois, três e cinco,
  • 3:37 - 3:40
    que só são divisíveis
    por eles mesmos e por um,
  • 3:40 - 3:42
    o que significa que são números primos.
  • 3:42 - 3:45
    No nível seguinte, temos 6, 10 e 15,
  • 3:45 - 3:49
    que são produtos da multiplicação
    de dois fatores primos.
  • 3:49 - 3:51
    Seis é dois vezes três,
  • 3:51 - 3:52
    dez é dois vezes cinco,
  • 3:52 - 3:54
    quinze é três vezes cinco.
  • 3:54 - 3:56
    No topo, temos 30,
  • 3:56 - 3:59
    que é o produto da multiplicação
    de três números primos:
  • 3:59 - 4:01
    dois vezes três vezes cinco.
  • 4:01 - 4:06
    Poderia redesenhar esse diagrama
    usando esses números.
  • 4:06 - 4:09
    Temos dois, três e cinco no topo.
  • 4:09 - 4:12
    Temos pares de números no nível seguinte.
  • 4:13 - 4:15
    Temos unidades no próximo nível
  • 4:15 - 4:17
    e um conjunto vazio na base.
  • 4:17 - 4:23
    Cada seta mostra a perda
    de um número no conjunto.
  • 4:23 - 4:25
    Talvez agora esteja claro
  • 4:25 - 4:28
    que não importa quais sejam esses números.
  • 4:28 - 4:30
    Na verdade, não importa o que sejam.
  • 4:30 - 4:35
    Poderíamos substituí-los por A, B e C,
  • 4:35 - 4:37
    e teríamos a mesma imagem.
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    Isso se tornou muito abstrato.
  • 4:40 - 4:42
    Números viraram letras.
  • 4:42 - 4:46
    Mas há um objetivo nessa abstração,
  • 4:46 - 4:50
    pois agora isso se tornou
    amplamente aplicável,
  • 4:50 - 4:54
    porque A, B e C podem ser qualquer coisa.
  • 4:54 - 4:59
    Poderiam ser três tipos de privilégio:
  • 4:59 - 5:01
    rico, branco e homem.
  • 5:02 - 5:06
    No nível seguinte temos
    pessoas ricas e brancas.
  • 5:06 - 5:09
    Aqui, temos homens ricos.
  • 5:09 - 5:11
    Aqui, temos homens brancos.
  • 5:11 - 5:15
    Depois, temos ricos, brancos e homens.
  • 5:15 - 5:18
    Ao fim, temos pessoas
    sem nenhum desses privilégios.
  • 5:18 - 5:22
    Colocarei o restante
    dos adjetivos para dar ênfase.
  • 5:22 - 5:24
    Aqui temos pessoas ricas,
    brancas e não-homens,
  • 5:24 - 5:28
    para nos lembrar de que há pessoas
    não-binárias que precisamos incluir.
  • 5:28 - 5:30
    Aqui, temos homens, não-brancos e ricos.
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    Aqui, temos homens, brancos e não-ricos.
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    Ricos, não-brancos e não-homens.
  • 5:37 - 5:39
    Não-ricos, brancos e não-homens.
  • 5:39 - 5:41
    E não-ricos, não-brancos e homens.
  • 5:41 - 5:44
    Na base temos as pessoas
    menos privilegiadas:
  • 5:44 - 5:48
    não-ricas, não-brancas e não-homens.
  • 5:48 - 5:52
    Partimos de um diagrama de fatores de 30
  • 5:52 - 5:55
    para um diagrama de interações
    entre diferentes tipos de privilégio.
  • 5:56 - 6:00
    E há muito a se aprender
    com esse diagrama.
  • 6:00 - 6:07
    Primeiro, cada seta representa
    a perda direta de um tipo de privilégio.
  • 6:07 - 6:12
    Às vezes, erroneamente se pensa
    que o privilégio de ser branco significa
  • 6:12 - 6:16
    que todos os brancos estão em melhores
    condições que todos os não-brancos.
  • 6:16 - 6:20
    Alguns apontam para os astros
    esportistas negros e dizem:
  • 6:20 - 6:24
    "Está vendo? Eles são ricos.
    Privilégio de ser branco não existe".
  • 6:24 - 6:27
    Mas não é isso que a teoria
    do privilégio de ser branco diz.
  • 6:27 - 6:32
    Ela diz que se aquele astro esportista
    super-rico tivesse essas características
  • 6:32 - 6:34
    e também fosse branco,
  • 6:34 - 6:37
    é de se esperar que estivesse
    em melhores condições na sociedade.
  • 6:39 - 6:42
    Há algo mais que podemos
    compreender com este diagrama
  • 6:42 - 6:44
    se olharmos as linhas.
  • 6:44 - 6:48
    Ao olhar a segunda linha, na qual pessoas
    têm dois tipos de privilégio,
  • 6:48 - 6:52
    perceberemos que elas
    não são totalmente iguais.
  • 6:52 - 6:58
    Por exemplo: mulheres brancas e ricas
    provavelmente estão em melhores condições
  • 6:59 - 7:01
    do que homens brancos e pobres.
  • 7:01 - 7:04
    E homens negros e ricos estão
    entre os dois grupos.
  • 7:04 - 7:07
    Na verdade, é assim mais inclinado.
  • 7:07 - 7:08
    E o mesmo ocorre no nível abaixo.
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    Mas podemos ir além
  • 7:11 - 7:15
    e analisar as interações
    entre os dois níveis do meio.
  • 7:15 - 7:21
    Pessoas ricas, não-brancas e não-homens
    podem estar em melhores condições
  • 7:21 - 7:23
    do que homens brancos e pobres.
  • 7:23 - 7:27
    Pensem em exemplos flagrantes
    como a Michelle Obama
  • 7:27 - 7:29
    e a Oprah Winfrey.
  • 7:29 - 7:34
    Elas estão melhores do que homens
    brancos, pobres, desempregados e sem-teto.
  • 7:34 - 7:37
    Então, na verdade, o diagrama
    é assim mais inclinado.
  • 7:38 - 7:40
    E essa tensão existe
  • 7:40 - 7:43
    entre as camadas de privilégio no diagrama
  • 7:44 - 7:47
    e o privilégio absoluto que pessoas
    vivenciam na sociedade.
  • 7:47 - 7:51
    Isso me ajudou a entender por que alguns
    homens brancos e pobres
  • 7:51 - 7:54
    estão com tanta raiva
    da sociedade atualmente.
  • 7:54 - 7:59
    É porque são vistos como se estivessem
    no alto desse cubo de privilégio,
  • 7:59 - 8:04
    mas, em termos de privilégio absoluto,
    eles não sentem os efeitos.
  • 8:04 - 8:07
    Acredito que entender a origem dessa raiva
  • 8:07 - 8:11
    é muito mais produtivo do que simplesmente
    retribuir-lhes o sentimento.
  • 8:13 - 8:18
    Analisar essas estruturas abstratas
    também nos ajuda a mudar cenários
  • 8:18 - 8:22
    e ver que pessoas diversas
    estão no topo em cenários distintos.
  • 8:22 - 8:23
    No diagrama original,
  • 8:23 - 8:25
    homens brancos e ricos estavam no topo,
  • 8:25 - 8:29
    mas, se atentarmos para os não-homens,
  • 8:29 - 8:31
    veremos que estão aqui,
  • 8:31 - 8:34
    e, agora, não-homens
    ricos e brancos estão no topo.
  • 8:34 - 8:36
    Poderíamos mudar
    para um cenário de mulheres,
  • 8:36 - 8:42
    e nossos três tipos de privilégio
    seriam rica, branca e "cisgênero".
  • 8:42 - 8:45
    Lembrem-se que cisgênero significa
    que sua identidade de gênero corresponde
  • 8:45 - 8:47
    ao gênero que lhe foi
    atribuído no nascimento.
  • 8:48 - 8:54
    Agora vemos que mulheres cisgênero,
    brancas e ricas ocupam situação análoga
  • 8:54 - 8:57
    a de homens brancos e ricos
    em uma sociedade mais ampla.
  • 8:57 - 9:00
    Isso me ajudou a entender
    por que há tanta raiva
  • 9:01 - 9:02
    direcionada a mulheres brancas e ricas,
  • 9:02 - 9:06
    especialmente em algumas partes
    do movimento feminista atual,
  • 9:06 - 9:10
    porque elas talvez estejam propensas
    a se verem como desprivilegiadas
  • 9:10 - 9:11
    em comparação a homens brancos
  • 9:11 - 9:17
    que esquecem o quão privilegiadas são
    em comparação com mulheres não-brancas.
  • 9:19 - 9:24
    Podemos utilizar essas estruturas
    abstratas para nos colocar em situações
  • 9:24 - 9:27
    em que somos mais privilegiados
    ou menos privilegiados.
  • 9:27 - 9:29
    Todos somos mais privilegiados que alguém
  • 9:29 - 9:32
    e menos privilegiados que outrem.
  • 9:33 - 9:38
    Eu sei, e sinto, que, como asiática,
  • 9:38 - 9:40
    sou menos privilegiada que pessoas brancas
  • 9:40 - 9:42
    pelo privilégio de serem brancas.
  • 9:42 - 9:43
    Mas também entendo
  • 9:43 - 9:48
    que sou uma das mais privilegiadas,
    provavelmente, dentre os não-brancos,
  • 9:48 - 9:51
    e isso ajuda a me orientar
    entre esses dois cenários.
  • 9:52 - 9:53
    Em termos de riqueza,
  • 9:53 - 9:55
    não me considero super-rica.
  • 9:55 - 9:58
    Não sou tão rica quanto as pessoas
    que não precisam trabalhar.
  • 9:58 - 10:00
    Mas estou bem,
  • 10:00 - 10:04
    e é uma situação bem melhor
    do que quem passa por dificuldades,
  • 10:04 - 10:07
    esteja desempregado
    ou ganhando um salário mínimo.
  • 10:09 - 10:12
    Faço esse exercício mental
  • 10:12 - 10:17
    para tentar entender os acontecimentos
    do ponto de vista de outras pessoas,
  • 10:18 - 10:22
    o que me leva a esta possivelmente
    inesperada conclusão:
  • 10:23 - 10:30
    matemática abstrata é altamente
    relevante para nossa vida diária
  • 10:30 - 10:37
    e pode nos ajudar a entender
    e a ser solidários com outras pessoas.
  • 10:39 - 10:44
    Desejo que todos tentassem
    cada vez mais entender uns aos outros
  • 10:44 - 10:46
    e trabalhassem juntos
  • 10:46 - 10:48
    em vez de competir entre si
  • 10:48 - 10:51
    e tentar mostrar o erro dos outros.
  • 10:52 - 10:57
    E acredito que o raciocínio
    matemático abstrato
  • 10:57 - 10:59
    pode nos levar a esse objetivo.
  • 11:00 - 11:01
    Obrigada.
  • 11:01 - 11:04
    (Aplausos)
Title:
Uma ferramenta inesperada para entender a desigualdade: matemática abstrata
Speaker:
Eugenia Cheng
Description:

Como entendermos um mundo que não faz sentido? "Olhando em lugares inesperados", diz a matemática Eugenia Cheng. Ela explica como aplicar conceitos da matemática abstrata no cotidiano pode nos fazer entender coisas como a origem da raiva e o papel do privilégio. Saiba mais como esta ferramenta surpreendente pode nos ajudar a ser mais empáticos.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
11:19

Portuguese, Brazilian subtitles

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