Escrita criativa: O que é? Para que serve? | Rui Zink | TEDxCoimbra
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0:13 - 0:14Boa noite.
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0:14 - 0:17Eu venho falar da única coisa
que interessa a todos os portugueses, -
0:17 - 0:20que é escrever e publicar um livro.
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0:20 - 0:22(Risos)
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0:26 - 0:29Os mágicos — eu vou falar de magia —
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0:29 - 0:31nunca revelam os seus segredos.
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0:32 - 0:34Mas eu não vou revelar os meus segredos,
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0:34 - 0:37vou revelar os segredos
dos mágicos e dos génios. -
0:37 - 0:39Portanto, estou safo!
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0:39 - 0:41E começo por este princípio:
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0:41 - 0:44tudo o que eu vou dizer,
posso prová-lo cientificamente. -
0:44 - 0:47Geralmente, faço algum dinheiro
quando dou estas palestras. -
0:47 - 0:49(Risos)
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0:49 - 0:51Faço apostas com o público.
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0:51 - 0:53Aqui, não dá para fazer
porque temos pouco tempo -
0:53 - 0:55e porque o TED não permite.
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0:55 - 0:57(Risos)
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0:57 - 0:59Mas faz de conta que fazemos as apostas.
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0:59 - 1:01Façam uma aposta mental comigo.
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1:01 - 1:03A primeira é esta:
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1:03 - 1:06eu estou farto de ouvir
— há mais de vinte de tal anos... -
1:06 - 1:09Dava uns cursos quando não estava
na moda — agora raramente dou — -
1:09 - 1:11e vi muita gente a perguntar:
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1:11 - 1:14"Mas, então, pode-se ensinar talento?"
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1:15 - 1:16E era muito engraçado,
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1:16 - 1:19porque essas pessoas
que estavam contra, -
1:19 - 1:22estes negacionistas de uma ciência
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1:22 - 1:24que, à partida, desconheciam,
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1:24 - 1:27hoje em dia
estão quase todos convertidos a ela, -
1:27 - 1:29quase todos a dar cursos de escrita.
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1:29 - 1:32Aliás, já não publicam livros:
publicam livros sobre escrita. -
1:32 - 1:34Há uns tempos, fui a Nova Iorque,
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1:34 - 1:36entrei numa livraria,
uma "Barnes & Noble", -
1:36 - 1:39e, na montra, obviamente
estavam só livros: -
1:39 - 1:41"Como escrever um 'best-seller' ",
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1:41 - 1:43"250 técnicas de escrever melhor",
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1:43 - 1:44200 e 356...
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1:45 - 1:47Fica sempre com um ar mais científico
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1:47 - 1:50— para fazer uma ponte
com uma das comunicações anteriores — -
1:50 - 1:52fica sempre mais científico
quando usamos números. -
1:52 - 1:54É a lógica do Gaspar,
vamos dizer assim. -
1:54 - 1:55(Risos)
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1:55 - 1:58346, 548... Fica sempre bem!
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1:58 - 2:003, 12... Há números mágicos.
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2:00 - 2:027, 8, 9... Ia dar sempre por aí.
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2:02 - 2:04Então, a primeira coisa é:
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2:04 - 2:06todos os grandes escritores
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2:06 - 2:08frequentaram um curso de escrita criativa.
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2:08 - 2:09Todos!
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2:09 - 2:12E dou 50 euros...
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2:12 - 2:15Pensando bem... dou 20 euros
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2:15 - 2:18a quem conseguir provar o contrário.
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2:19 - 2:21Está lançada a aposta.
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2:27 - 2:28O segundo é uma questão pessoal.
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2:28 - 2:31Já agora, para não falar
só dos outros, dos génios... -
2:31 - 2:33Eu estou aqui à vossa frente,
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2:33 - 2:36eu meço um metro e oitenta e quatro,
peso 103 quilos, -
2:36 - 2:37(Risos)
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2:38 - 2:40e sou segundo ano de karaté.
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2:40 - 2:42Fui presidente de um clube de karaté
no Casal Ventoso -
2:42 - 2:44(Risos)
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2:44 - 2:45Andei muitas vezes à porrada.
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2:45 - 2:48Tenho aqui uma cicatriz,
que podem ver. -
2:48 - 2:50Tenho aqui outras acumuladas.
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2:50 - 2:51Andei muito à porrada.
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2:51 - 2:54O meu nariz já foi partido várias vezes.
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2:54 - 2:58E eu consigo vencer em duelo
qualquer homem à face da terra. -
2:58 - 3:00Venha o Mike Tyson,
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3:00 - 3:03venha o campeão português de judo,
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3:03 - 3:07eu consigo vencer
qualquer homem em duelo. -
3:07 - 3:09Aliás, consigo vencer qualquer um aqui.
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3:09 - 3:13Não sou tão corajoso ao ponto de dizer
que consigo vencer qualquer mulher, -
3:13 - 3:17mas consigo vencer em duelo
qualquer homem. -
3:17 - 3:18Portanto, fica isto.
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3:18 - 3:21E fica aqui o desafio.
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3:21 - 3:23Ou então, lá fora.
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3:23 - 3:25Uma pausa, dez minutos, e lá fora.
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3:26 - 3:29A segunda coisa é que eu sou incrível.
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3:29 - 3:31A sério, apreciem!
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3:31 - 3:33(Risos)
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3:33 - 3:34Uma categoria, a sério.
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3:34 - 3:36Isto são 103 quilos -
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3:36 - 3:38não é 103 quilos de gordura:
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3:38 - 3:41103 quilos de massa cinzenta!
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3:41 - 3:42(Risos)
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3:42 - 3:44E eu consigo
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3:44 - 3:46— eu sou um atleta poderoso —
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3:46 - 3:48eu consigo saltar daqui
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3:48 - 3:50para aquela bolinha vermelha que ali está.
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3:51 - 3:53Consigo, num só salto
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3:53 - 3:57num só salto, que é o que fazem
os génios da literatura. -
3:57 - 4:00num só salto,
consigo fazer uma lobantunada. -
4:01 - 4:02(Risos)
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4:02 - 4:06Consigo, dali saltar para aqui.
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4:06 - 4:09Esta é uma coisa que também aposto.
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4:09 - 4:12Não sei se isto são dez metros,
mas é os limites do TED! -
4:12 - 4:14Mas pronto.
(Risos) -
4:14 - 4:19A escrita criativa consiste, sobretudo,
de exercícios de músculos. -
4:19 - 4:22São exercícios de ginástica simples.
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4:22 - 4:23São aquecimento,
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4:23 - 4:25e trabalhamos os músculos
com que trabalhamos. -
4:26 - 4:28Aliás, penso sempre
no António Pinho Vargas. -
4:28 - 4:30Penso sempre nas pessoas
que tocam piano -
4:30 - 4:32e, de facto, eles têm uma inferioridade
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4:32 - 4:34em relação a nós, escritores.
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4:34 - 4:37É que nós, escritores,
somos inspirados por Deus. -
4:37 - 4:38(Risos)
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4:38 - 4:41E até desaprendíamos se fôssemos treinar.
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4:42 - 4:44Em contrapartida, um pianista...
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4:44 - 4:46Eu fico assim:
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4:46 - 4:48como é que ele
tem que estar ali a trabalhar, -
4:48 - 4:51tem que fazer aqueles arpejos,
e estudar durante anos... -
4:51 - 4:52Eu não compreendo!
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4:52 - 4:55Eu queria, como um pianista genial
chegasse ali ao pé do piano: -
4:55 - 4:57"Olha, eu nunca vi este objeto!"
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4:57 - 4:58(Risos)
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4:58 - 5:00a ter um ataque genial!
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5:00 - 5:01O mesmo para a Rosa Mota!
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5:01 - 5:03A Rosa Mota tornou-se campeã
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5:03 - 5:05— uma das poucas
medalhas portuguesas — -
5:05 - 5:07neste momento, já está penhorada...
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5:07 - 5:09(Risos)
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5:09 - 5:10Eu pensava:
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5:10 - 5:13"A mulher é espantosa,
consegue correr 42 quilómetros!" -
5:13 - 5:16E, um dia, passei ali
pelo mercado do Bolhão, -
5:16 - 5:17e vi-a a fazer exercícios,
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5:18 - 5:19a fazer [ininteligível]
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5:19 - 5:20Assim também eu!
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5:20 - 5:22(Risos)
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5:22 - 5:24Trabalhando, também eu!
Quer dizer... isto é uma batota! -
5:24 - 5:29Ora bem, eu vou apenas dar
alguns exercícios simples. -
5:29 - 5:32Um exemplo dos exercícios
que eu faço em aula, -
5:32 - 5:35e que se fazem nas aulas
de escrita criativa. -
5:35 - 5:37E isto fica bem:
são apenas amostras médicas. -
5:37 - 5:39Por exemplo, vou começar pelo fim.
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5:39 - 5:40Sabem porquê?
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5:40 - 5:42Há bocado, estava a falar com a Beatriz
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5:42 - 5:45— conheci-a há pouco,
é doutoranda em Sociologia — -
5:45 - 5:46e ela disse-me:
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5:46 - 5:49"Estou com muitas dificuldades
em escrever a minha tese." -
5:49 - 5:52E expliquei-lhe o segredo
que explico aos meus alunos, -
5:52 - 5:53que é um segredo científico:
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5:53 - 5:56"Escreve a conclusão e a introdução."
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5:56 - 5:57(Risos)
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5:57 - 5:59E, depois, o resto há de vir!
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5:59 - 6:01(Risos)
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6:01 - 6:04Começa por escrever a introdução:
este trabalho é sobre isto; -
6:04 - 6:07no 1.º capítulo vou fazer isto;
no 2.º e no 3.º vou fazer aquilo... -
6:07 - 6:09e vou usar estas metodologias.
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6:09 - 6:11E, no fim, diz:
"Chegámos à conclusão, -
6:11 - 6:14"após estes adorados 5 anos
de trabalho, de que..." -
6:14 - 6:16Fica logo a vida mais fácil.
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6:16 - 6:18Porque isto aprende-se com as crianças!
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6:19 - 6:20A primeira definição,
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6:20 - 6:23a primeira regra de contar uma história
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6:23 - 6:26é marcar as balizas do jogo.
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6:26 - 6:28No trabalho científico,
é introdução e conclusão. -
6:28 - 6:30Numa história, é o princípio e o fim.
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6:30 - 6:33Uma ponte é atravessada
de um lado para o outro, -
6:33 - 6:35pelos leitores passadores,
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6:35 - 6:38mas começa a ser construída
dos dois lados. -
6:38 - 6:40E o centro — o tal centro —
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6:40 - 6:41só é construído no fim.
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6:41 - 6:43Não há princípio nem fim.
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6:44 - 6:47Neste caso, o que há, é uma construção
de algo que se vai aproximando. -
6:47 - 6:49E isso, as crianças sabem!
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6:49 - 6:52Quando jogam na praia, os miúdos dizem:
"Olha, vamos reinar?" -
6:52 - 6:53E eles vão reinar,
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6:53 - 6:57põem uma mochila, uma pedra,
num cantinho, e um boné -
6:57 - 6:58e depois dizem:
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6:58 - 7:00"É pá, não, está muita grande,
somos só dois" -
7:00 - 7:02e então começam a aproximar.
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7:02 - 7:05Depois dizem:
"Está muito grande, está muito pequena." -
7:05 - 7:07Vão estreitando ou alargando a baliza,
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7:07 - 7:08vão afastando as balizas
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7:08 - 7:11em função de uma coisa
que é intuir a forma. -
7:12 - 7:14Depois aparecem outros miúdos
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7:14 - 7:17— um bastante gorducho,
mas isso agora não interessa nada — -
7:17 - 7:18e dizem:
"Também podemos reinar?" -
7:18 - 7:21E eles dizem: "Entrem",
mas então o campo tem de ser maior. -
7:22 - 7:24E vão alargando,
consoante é conto, novela ou romance. -
7:24 - 7:27É assim que se escreve e está aprendido.
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7:27 - 7:30Começar pelo fim,
escrever um conto sem uma vogal. -
7:30 - 7:33Por exemplo, retirar uma vogal,
que é fundamental e escrevê-lo. -
7:33 - 7:35Um senhor chamado Georges Perec,
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7:35 - 7:38fez um livro inteiro
chamado "La Disparition" sem a vogal "e". -
7:38 - 7:40Fazer uma quadra à moda do Aleixo.
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7:40 - 7:42O Aleixo era analfabeto.
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7:42 - 7:46Conheci o professor que passou a escrito
o que o Aleixo fazia. -
7:46 - 7:48Mas o Aleixo,
como tantos contadores orais, -
7:48 - 7:50tinha a métrica dentro da cabeça dele.
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7:50 - 7:52Não há, uma única vez, um verso errado.
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7:52 - 7:55E há, por exemplo,
um poema magnífico, que é este, -
7:55 - 7:57que eu acho
que é o mais delirante de todos -
7:57 - 7:59e que é um dos poemas mais sábios:
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7:59 - 8:01"Uma mosca sem valor
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8:01 - 8:03"Pousa com a mesma alegria
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8:03 - 8:04"Na careca de um doutor
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8:04 - 8:06"Como em qualquer porcaria."
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8:06 - 8:08(Risos)
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8:10 - 8:12O comboio coletivo é outro exercício.
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8:12 - 8:13É uma espécie de karaté esquisito,
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8:13 - 8:15só que, sabendo o que o outro fez antes,
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8:15 - 8:18o que significa que estamos constrangidos,
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8:18 - 8:20não pela ignorância
— pela liberdade da ignorância — -
8:20 - 8:23mas estamos constrangidos
por ter visto o que outro escreveu. -
8:23 - 8:25E, a partir daí, temos que afunilar.
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8:25 - 8:27Temos que passar do acaso,
da folha em branco, -
8:27 - 8:31para a necessidade do tentar
estar conforme com o que aconteceu antes. -
8:31 - 8:33Isto tem a ver, por exemplo,
com a verosimilhança. -
8:33 - 8:37Se eu for picado
por uma aranha radioativa, -
8:37 - 8:40é evidente que é lógico,
e qualquer cientista sabe -
8:40 - 8:43que, meia hora depois,
começo a escalar paredes. -
8:43 - 8:44(Risos)
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8:44 - 8:49Mas não posso começar a comer moscas
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8:50 - 8:54e se me cortam o braço,
ele não renasce. -
8:54 - 8:56Isso é se eu for picado por um lagarto.
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8:56 - 8:57(Risos)
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8:57 - 9:00Ou seja,
há uma lógica interna às histórias. -
9:00 - 9:01Outro exercício simples
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9:01 - 9:04e que, se o fizerem todos os dias,
melhoram bastante, -
9:05 - 9:08é pôr legendas em fotos.
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9:08 - 9:09A história do balão,
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9:10 - 9:13pôr dois políticos a falar
e ver o que é que eles estão a pensar. -
9:13 - 9:17Pôr um bigodinho nazi
na Merkel não vale, é batota. -
9:17 - 9:18(Risos)
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9:20 - 9:22Apagar os balões de uma página de BD
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9:22 - 9:26e criar uma nova história
em função daquelas ilustrações. -
9:26 - 9:30Fazer um livro infantil, com 22 páginas,
apenas 2 frases por página -
9:30 - 9:33e fazer os desenhos
— mesmo que não saibam desenhar. -
9:33 - 9:37Se não souberem desenhar, é melhor
porque fica mais original o vosso desenho. -
9:37 - 9:41Não escrever também é
um excelente exercício de escrita. -
9:41 - 9:43Eu aconselharia isto
ao José Rodrigues dos Santos. -
9:43 - 9:46Não escrever durante alguns anos...
para melhorar! -
9:46 - 9:48(Risos)
Mas "prontos"... -
9:49 - 9:51Contar a mesma história de dez maneiras,
reparem bem: -
9:51 - 9:54com pontos, vírgulas,
exclamações, reticências, etc. -
9:54 - 9:57Podem pegar numa só frase:
"Eu quero um copo de água" -
9:57 - 10:00e transformá-la em dez frases diferentes.
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10:00 - 10:01"Eu quero um copo de água."
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10:01 - 10:03"Eu QUERO um copo de água!"
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10:03 - 10:05"Eu quero UM copo de água!"
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10:06 - 10:09"Eu quero um copo de água?"
Isto é filosófico. -
10:09 - 10:12"Eu quero um... um copo de água...",
e assim por diante. -
10:13 - 10:16Podemos fazer várias frases,
várias histórias distintas, -
10:16 - 10:18sem mudar uma palavra,
-
10:18 - 10:22mudando apenas vírgulas, pontos finais
e essas coisas que tais. -
10:22 - 10:24Brincar ao Rei Manda é o fundamental.
-
10:24 - 10:26Eu aconselho toda a gente
-
10:26 - 10:28que se sente insegura
e infeliz na sua vida, -
10:28 - 10:30ou que foi despedida,
-
10:30 - 10:33a abrir um curso de escrita criativa,
porque a regra número um é: -
10:33 - 10:36"sinto-me sempre melhor
quando estou a chatear outros." -
10:36 - 10:37(Risos)
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10:37 - 10:39A sério... é psicologia portuguesa.
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10:39 - 10:41E o que acontece é que eu,
-
10:41 - 10:43quando estou chateado,
-
10:43 - 10:46quando eu estou infeliz,
a sentir-me pisado pelo mundo, -
10:46 - 10:47abro um curso de escrita.
-
10:47 - 10:49E, durante uma semana,
brinco ao Rei Manda. -
10:50 - 10:53E quanto mais estapafúrdio, eu digo:
"Agora escrevam com a mão esquerda." -
10:53 - 10:56"Mas só os que não são canhotos!"
-
10:56 - 10:58"Agora, enfiem uma lapiseira na narina
-
10:58 - 11:00e vão escrevendo assim."
(Risos) -
11:00 - 11:04"Agora, vamos para a praia
fazer um soneto na areia molhada." -
11:04 - 11:06(Risos)
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11:06 - 11:11Isto, peçam aos alunos
para assinar antes um "disclaimer" -
11:11 - 11:13que é para aqueles que se afogam.
-
11:13 - 11:14(Risos)
-
11:16 - 11:18A regra fundamental dos cursos
é o Rei Manda. -
11:18 - 11:21O que pode acontecer
— isto é um segredo terrível — -
11:21 - 11:24é que vocês podem poupar dinheiro
arranjando cinco amigos, -
11:24 - 11:26e o Rei Manda um dia,
-
11:26 - 11:27à segunda mando eu,
-
11:27 - 11:29à segunda manda o outro.
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11:29 - 11:32E o que todos têm é
que seguir aquele constrangimento, -
11:32 - 11:37que é um princípio fundamental
da chamada escrita criativa. -
11:37 - 11:42O constrangimento ajuda
a libertar "la imagination". -
11:43 - 11:45O exercitar a compaixão é fundamental.
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11:45 - 11:48A compaixão é compreender
a paixão do outro. -
11:48 - 11:50Não é ter pena.
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11:50 - 11:52É compreender a paixão do outro.
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11:52 - 11:55Se eu quero escrever sobre um neonazi
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11:55 - 11:58— se quiserem que eu assine
um abaixo assinado contra, eu faço — -
11:58 - 12:02mas se eu quiser mesmo
fazer um romance sobre ele, -
12:02 - 12:04tenho que encontrar o neonazi
que há em mim. -
12:05 - 12:07Não é assim tão difícil como eu acho!
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12:07 - 12:08(Risos)
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12:08 - 12:10E ler!
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12:11 - 12:13É assim, a imaginação existe.
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12:13 - 12:14Tal como Deus existe.
-
12:14 - 12:16Não sou tão arrogante
ao ponto de pensar -
12:16 - 12:18que uma coisa que não vejo à frente
não existe. -
12:18 - 12:20A questão é que eu nunca a vi.
-
12:20 - 12:22E a imaginação, comigo, é como
-
12:22 - 12:25— peço desculpa, mas somos
todos maiores de 18 anos - -
12:25 - 12:28é um pouco como, quando eu era
adolescente, nos bailes de bombeiros, -
12:28 - 12:29...as ereções.
(Risos) -
12:29 - 12:30(Risos)
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12:30 - 12:34As ereções, quando eu não queria
que elas viessem, -
12:34 - 12:36era quando elas vinham!
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12:36 - 12:37(Risos)
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12:37 - 12:38É como a imaginação.
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12:38 - 12:41Eu ia dançar com uma rapariga,
e a certa altura, aquilo... -
12:41 - 12:42(Risos)
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12:42 - 12:44Era terrível, porque mesmo assim
-
12:44 - 12:46— naquela altura era um potente —
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12:46 - 12:49mesmo assim, ouvia:
"Eu sinto qualquer coisa aqui." -
12:49 - 12:50A certa altura, já estava...
-
12:50 - 12:52(Risos)
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12:52 - 12:54Não interessa nada, agora.
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12:55 - 12:56Agora, acontece-me o contrário:
-
12:56 - 12:59eu, agora, precisamente,
quero que a ereção venha, -
12:59 - 13:00e ela não vem.
-
13:00 - 13:01(Risos)
-
13:01 - 13:04No outro dia estava com a minha mulher
e aconteceu-me isto -
13:04 - 13:06e ela disse: "Não te preocupes, Rui".
-
13:06 - 13:08"Isso também acontece aos outros".
-
13:08 - 13:10(Risos)
-
13:10 - 13:11Mas pronto!
-
13:11 - 13:14(Aplausos)
-
13:19 - 13:21O trabalho de escrever uma história
não é tanto o imaginar, -
13:21 - 13:24é mais o descalçar a bota.
-
13:24 - 13:26Isto é que acho que é mesmo...
-
13:26 - 13:29É resolver o problema
e contornar o obstáculo. -
13:29 - 13:31É aí que, às vezes,
-
13:31 - 13:34aquilo a que nós chamamos imaginação
ou o que quiserem, vem. -
13:34 - 13:36É mais a arte do desenrasca.
-
13:36 - 13:40Muitos dos exercícios num curso de escrita
são colocar obstáculos, -
13:40 - 13:42para uma pessoa ser obrigada
a contorná-los. -
13:42 - 13:44É essa a regra fundamental.
-
13:44 - 13:47Uma máquina narrativa que vos ajuda,
-
13:47 - 13:51melhora logo a vossa performance:
-
13:51 - 13:53"Esta é a história de X,
-
13:53 - 13:55"que, mais que tudo, quer fazer isto,
-
13:55 - 13:57"mas não pode,
-
13:57 - 13:59"porque alguém ou algo não o deixa."
-
13:59 - 14:01E a partir daqui,
têm uma máquina de contar histórias -
14:02 - 14:03que podem aplicar.
-
14:03 - 14:06Não quer dizer que a história seja isto;
este é o lado técnico. -
14:06 - 14:10Mas este é o lado que vos ajuda
a fazer o bolo. -
14:10 - 14:11Não é o bolo.
-
14:11 - 14:13Não ajuda ao sabor do bolo,
-
14:13 - 14:15mas ajuda o bolo a tomar forma.
-
14:15 - 14:18É uma forma para dar forma ao bolo.
-
14:18 - 14:21Se depois ele cresce,
ou tem levedura ou não, é convosco. -
14:21 - 14:23Isso é com cada um.
-
14:25 - 14:27O contar uma história é ir de A a B.
-
14:27 - 14:29Eu, quando começo a contar uma história,
-
14:29 - 14:32sei sempre para onde é que quero ir.
-
14:32 - 14:34Porque senão, não saio daqui.
-
14:34 - 14:36É como o Colombo
que queria ir para a Índia, -
14:36 - 14:39o que é uma coisa estúpida,
porque já estava conhecida. -
14:39 - 14:41Depois, a certa altura,
-
14:41 - 14:44sou desviado para Cuba.
-
14:44 - 14:46Sou literalmente
— Colombo foi desviado para Cuba. -
14:46 - 14:48Foi ele que a inventou.
-
14:48 - 14:50É o antecessor do Fidel Castro.
-
14:50 - 14:51(Risos)
-
14:52 - 14:54Tenho é que ser inteligente o suficiente
-
14:54 - 14:56para aceitar ser desviado.
-
14:56 - 14:58É estúpido aquele idiota que diz:
-
14:58 - 15:00"Eu cumpro o plano!"
-
15:00 - 15:01Eu cumpro o plano...
-
15:01 - 15:03- Olha, vamos a esta festa?
- Não. -
15:03 - 15:04- Queres ir para a cama?
- Não." -
15:04 - 15:06- Queres ir para aqui?
- Não. -
15:06 - 15:07- Queres ganhar a lotaria?
- Não. -
15:07 - 15:10Temos é que estar disponíveis,
como um escultor, -
15:10 - 15:12para "escultar" o material.
-
15:12 - 15:14Escrever é ler.
-
15:14 - 15:17É uma dança a dois, entre nós e o mundo.
-
15:17 - 15:19É tão simplesmente isso.
-
15:22 - 15:24Devo dizer
que a melhor definição de estilo -
15:24 - 15:26que, até hoje, vi,
-
15:26 - 15:29a melhor definição
de como contar uma história, -
15:29 - 15:31foi um cozinheiro que deu uma entrevista.
-
15:31 - 15:33E ele disse simplesmente isto -
-
15:33 - 15:35perguntaram-lhe:
"O que faz um bom chef?" - -
15:35 - 15:37e ele disse:
"Um bom cozinheiro é aquele -
15:37 - 15:40"que trabalha com boa matéria-prima
e não a estraga." -
15:40 - 15:42E isto — estudantes, tomem nota —
-
15:42 - 15:44se têm uma grande história
para contar, -
15:44 - 15:46contem-na simplesmente.
-
15:46 - 15:48Se a vossa história é uma porcaria,
-
15:48 - 15:49façam um "soufflé".
-
15:49 - 15:50(Risos)
-
15:50 - 15:52Aí têm.
-
15:52 - 15:54Ou façam como o Gaspar:
falem muito devagar. -
15:54 - 15:55(Risos)
-
15:55 - 15:57Diz que é uma compulsão.
-
15:57 - 15:58É usar as armas que temos,
-
15:58 - 16:00é fazer das fraquezas força.
-
16:00 - 16:02Bocage diz isso de uma forma lindíssima:
-
16:03 - 16:04"Toda a gente ri do coxo,
-
16:04 - 16:07"mas do coxo não ri
quem o coxo ama, -
16:07 - 16:10"porque só quem ama o coxo
sabe a graça que o coxo tem -
16:10 - 16:12"ao ir aos saltinhos pr'á cama."
-
16:12 - 16:13(Risos)
-
16:13 - 16:16A história que eu tenho para contar
está sempre perto de mim: -
16:16 - 16:18é a minha história!
-
16:19 - 16:22Agora, explicando a história do karaté...
-
16:22 - 16:25Para fechar,
eu tenho duas coisas. -
16:26 - 16:28Vou precisar de dois voluntários
daqui a pouco... -
16:29 - 16:33Primeiro, todos os escritores
tiraram cursos de escrita, todos -
16:33 - 16:36porque todos eles leram,
aprenderam, copiaram, imitaram. -
16:37 - 16:39Não estiveram foi numa sala,
-
16:39 - 16:42com um papel branco
e um monitor a dizer: -
16:42 - 16:43"Olha, agora faz isto".
-
16:43 - 16:45Mas todos eles tiraram.
-
16:45 - 16:46Era o que faltava!
-
16:46 - 16:48Camões teve grandes mestres.
-
16:48 - 16:50Camões — aliás, os Lusíadas
-
16:50 - 16:53começam por homenagear
um dos seus mestres. -
16:53 - 16:56O génio é aquele que acha
que é um gigante aos ombros de anões. -
16:57 - 16:59Ora, o artista a sério, para mim,
-
16:59 - 17:02é aquele que sabe que é um anão
aos ombros de gigantes. -
17:02 - 17:03Portanto, todos fomos à escola
-
17:03 - 17:06e quem não foi à escola... coitado!
-
17:07 - 17:10Depois, o que acontece
com a história do karaté, -
17:10 - 17:12para explicar simplesmente isto,
-
17:12 - 17:13o karaté é isto:
-
17:14 - 17:15é a finta.
-
17:15 - 17:17Quando eu disse: "Sei karaté",
-
17:17 - 17:19"peso 103 quilos",
-
17:19 - 17:22um metro e oitenta e quatro,
estas cicatrizes todas... -
17:22 - 17:24"Venço o Mike Tyson, venço
os homens todos em duelo," -
17:24 - 17:26é evidente que estava a dizer a verdade.
-
17:26 - 17:29Ou seja, tudo isso é verdade:
peso a mais, -
17:29 - 17:31peso mais 30 quilos do que devia.
-
17:31 - 17:34Mas essa não é a questão;
fiz aquilo que fazem os ilusionistas, -
17:34 - 17:35que é: apontei para um lado.
-
17:35 - 17:38Apontei para um duelo de carácter físico.
-
17:38 - 17:40Ora, o que acontece, é que é verdade:
-
17:40 - 17:42consigo vencer qualquer um,
é uma verdade. -
17:42 - 17:45Qualquer eu,
qualquer um de nós aqui decide. -
17:46 - 17:48E esta é a regra fundamental da arte
-
17:48 - 17:49— ou pelo menos da arte escrita —
-
17:49 - 17:52que é feita com a matéria
que todos nós conhecemos. -
17:52 - 17:53É simplesmente isto:
-
17:53 - 17:56"Ah, eu ganho qualquer duelo,
-
17:56 - 17:59"com qualquer pessoa à face da Terra,
-
17:59 - 18:03"desde que seja eu a decidir
quais as regras do duelo." -
18:03 - 18:04(Risos)
-
18:04 - 18:07Se ele é mais forte que eu,
vamos jogar xadrez. -
18:07 - 18:09Se ele é melhor a xadrez que eu,
vamos jogar damas. -
18:09 - 18:12Se ele é melhor a jogar damas do que eu,
vamos jogar pingue-pongue. -
18:12 - 18:15Se ele é melhor a isso tudo
e mais interessante que eu, -
18:15 - 18:17então, a regra do duelo é:
-
18:17 - 18:20qual de nós é que sabe
em que lugar é que eu hoje estava sentado -
18:20 - 18:22no alfa a caminho de Coimbra?
-
18:22 - 18:23(Risos)
-
18:24 - 18:27Eu encontro sempre forma de ganhar!
-
18:28 - 18:29E agora...
-
18:29 - 18:31vou fazer o tal salto que prometi fazer.
-
18:31 - 18:33Por favor, duas pessoas.
-
18:34 - 18:36Eu pedi duas pessoas, dois voluntários!
-
18:36 - 18:38Ah, por favor!
-
18:40 - 18:43Eu sei que vocês não têm
grande material aqui... -
18:43 - 18:46É um problema,
mas eu venho sempre preparado. -
18:48 - 18:50Isto é uma coisa para ajudar.
-
18:50 - 18:52Eu não consegui melhor!
-
18:52 - 18:54Mas... peço-vos que venham aqui.
-
18:54 - 18:56Portanto, eu vou dar um salto...
-
18:56 - 18:58...de dez metros!
-
18:59 - 19:00Só duma vez!
-
19:00 - 19:03Só os grandes escritores
é que conseguem fazer isto. -
19:03 - 19:05Só os grandes artistas.
-
19:05 - 19:07Por favor, comecem aqui.
-
19:08 - 19:10Meus senhores, peço o vosso aplauso.
-
19:10 - 19:12(Aplauso)
É devido. -
19:12 - 19:14Se calhar, vou-me magoar!
-
19:14 - 19:16Então, agora, por favor...
-
19:17 - 19:19Ponham mais alto, se não eles vêm-me!
-
19:19 - 19:20(Risos)
-
19:20 - 19:22Agora acompanhem-me, vá!
-
19:22 - 19:23Tarã!
-
19:23 - 19:25(Risos)
-
19:27 - 19:28Ah!
-
19:28 - 19:31(Aplausos)
-
19:35 - 19:37É isto que um escritor faz.
-
19:37 - 19:39É dar a ilusão
-
19:39 - 19:41de que deu um salto gigante,
-
19:41 - 19:43quando, na verdade,
deu pequenos passinhos. -
19:43 - 19:45É uma letra atrás da outra.
-
19:45 - 19:46Querem escrever?
-
19:46 - 19:49Todos os dias sentem-se meia hora,
-
19:49 - 19:52a tentar escrever uma história,
a tentar ir para algum lado. -
19:53 - 19:56O que acontece hoje em dia
é que, com o culto do génio, -
19:56 - 19:58com o culto romântico do génio.
-
19:58 - 19:59o artista, para ter sucesso,
-
19:59 - 20:02passou a precisar de fingir
que não faz nenhum. -
20:02 - 20:04É isso que tem em comum
com o burocrata: -
20:04 - 20:05o burocrata, para ter sucesso,
-
20:05 - 20:08precisa de fingir
que o simples levantar de um papel -
20:08 - 20:09é um trabalho enorme.
-
20:09 - 20:11"Isto é muito complicado!"
-
20:11 - 20:14Enquanto o artista precisa de fingir
que não deu trabalho nenhum. -
20:14 - 20:16Ambos mentem!
-
20:16 - 20:19E ambos são vítimas de um tempo vil,
-
20:19 - 20:21de um tempo "gasparizado".
-
20:21 - 20:22(Risos)
-
20:22 - 20:24Ler é ser livre,
-
20:24 - 20:26ler é escrever,
-
20:26 - 20:27ler é...
-
20:28 - 20:30Para mim, a verdadeira liberdade
está na leitura. -
20:35 - 20:38Quando estou a escrever,
estou preso no meu pequeno mundo. -
20:38 - 20:40Eu tenho poucas...
-
20:40 - 20:42Eu tenho respostas,
mas algumas são pinguinhas. -
20:42 - 20:45Em contrapartida, quando eu leio,
tenho a liberdade toda do mundo. -
20:45 - 20:51E é esse precisamente o diálogo
entre o mundo lá fora e o mundo cá dentro, -
20:53 - 20:54que é ler com o corpo todo.
-
20:55 - 20:56Eu sou a caneta,
-
20:56 - 20:57eu sou o papel,
-
20:57 - 21:01e um curso de escrita limita-se,
para os preguiçosos, -
21:01 - 21:05a fornecer-lhes esta moldura externa.
-
21:05 - 21:07O que vocês põem é o que vocês recebem.
-
21:07 - 21:10Como tudo o que há
de interessante na vida. -
21:10 - 21:15E fazer amor é mais interessante,
ligeiramente mais interessante -
21:15 - 21:17— nem sempre, mas é mais
interessante, às vezes — -
21:17 - 21:23do que ouvir a explicação
de fazer amor. -
21:23 - 21:26Assim, estudantes de ciências,
tomem nota: -
21:26 - 21:28até mesmo do que ver
pornografia na Internet. -
21:28 - 21:29Obrigado.
-
21:29 - 21:33(Aplausos)
- Title:
- Escrita criativa: O que é? Para que serve? | Rui Zink | TEDxCoimbra
- Description:
-
Rui Zink — Escritor e professor na Universidade Nova de Lisboa.
Autor de três dezenas de livros, entre ensaio, ficção e romance, traduzidos em várias línguas.
Prémio do P.E.N. Clube Português 2005. Vice-presidente da Associação dos Cidadãos Auto-Mobilizados e membro do IELT.
Em 2008 foi Endowed Chair na Universidade de Massachusetts Dartmouth, com a bolsa Hélio e Amélia Pedroso/FLAD.
Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx - Video Language:
- Portuguese
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 21:53
Margarida Ferreira approved Portuguese subtitles for Escrita criativa: O que é? Para que serve? | Rui Zink | TEDxCoimbra | ||
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