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Title:
Os prisioneiros de guerra indígenas da América
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Description:
A iniciativa de fotografar a pobreza nos EUA levou Aaron Huey à Reserva Índia de Pine Ridge, onde a resistência do povo indígena Lakota — terrível e amplamente ignorada — o obrigou a redirecionar o seu trabalho. Cinco anos depois, as suas fotos inquietantes entrelaçam-se com uma chocante lição de história nesta palestra ousada e corajosa da TEDxDU.
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Speaker:
Aaron Huey
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Estou aqui para vos mostrar
as minhas fotografias dos Lakota.
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Muitos aqui podem
ter ouvido falar dos Lakota.
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ou, pelo menos,
de um grupo maior de tribos
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chamado Sioux.
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Os Lakota são uma das muitas tribos
obrigadas a sair das suas terras
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para campos de prisioneiros de guerra,
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agora chamados reservas.
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A Reserva de Pine Ridge,
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que será o objeto
da projeção de slides de hoje,
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situa-se a 120 km a sudeste
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das Black Hills do Dakota do Sul.
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Por vezes, também é referida
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como Campo de Prisioneiros de Guerra 334,
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e é onde vivem agora os Lakota.
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Mas, se já ouviram falar do MIA,
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o Movimento dos Índios Americanos,
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ou de Russel Means,
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ou de Leonard Peltier,
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ou do impasse de Oglala,
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então sabem que foi em Pine Ridge
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que eclodiram os problemas índios nos EUA.
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Convidaram-me para falar hoje
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sobre a minha relação com os Lakota,
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e isso é bastante difícil para mim.
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Porque, se não repararam
na minha cor de pele,
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eu sou branco
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e isso é uma barreira enorme
numa reserva índia
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Hoje, nas minhas fotografias,
vão ver muitas pessoas
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de quem me tornei muito próximo,
que me acolheram como se fosse família.
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Chamaram-me irmão e tio
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e convidaram-me várias vezes
ao longo de cinco anos.
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Mas em Pine Ridge,
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serei sempre aquilo
a que se chama um wasichu.
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Wasichu é uma palavra Lakota
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que significa não-índio,
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mas que também se pode traduzir
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como "aquele que tira o melhor pedaço
de carne para si próprio."
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E é isso que gostaria de realçar
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— aquele que tira
o melhor pedaço da carne.
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O que significa ganancioso.
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Deem uma vista de olhos
a este auditório, hoje.
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Estamos numa escola privada
no Oeste americano,
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sentados em cadeiras de veludo,
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com dinheiro no bolso.
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Se olharmos para a nossa vida,
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tirámos, de facto,
a melhor parte da carne.
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Então, hoje vamos ver
um conjunto de fotografias
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de pessoas que perderam
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para que pudéssemos ganhar,
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e fiquem a saber que,
quando virem a cara dessas pessoas
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elas não são imagens apenas dos Lakota,
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são imagens de todos os povos indígenas.
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está a história da forma que a aprendi
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pelos meus amigos e família Lakota.
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O que vou contar a seguir é uma cronologia
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de tratados assinados,
de tratados rasgados
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e de massacres mascarados de batalhas.
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Vou começar em 1824.
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O Instituto dos Assuntos Indígenas
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foi criado no seio
do Departamento da Guerra,
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estabelecendo, desde cedo,
um tom agressivo
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nas relações com os indígenas americanos
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1851
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Foi assinado o primeiro
tratado de Fort Laramie,
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no qual se definiram, com clareza,
as fronteiras da Nação Lakota.
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De acordo com o tratado,
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aquelas terras são uma nação soberana
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Se as fronteiras deste tratado
tivessem sido assumidas
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— e há uma base legal para isso —
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então os EUA teriam
este aspeto hoje em dia.
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[1862] 10 anos mais tarde,
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a Lei da Propriedade Rural,
assinada pelo presidente Lincoln
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inundou as terras nativas
de colonos brancos.
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1863
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Uma insurreição
dos Sioux Santee no Minesota
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terminou com o enforcamento
de 38 homens Sioux,
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a maior execução em massa
na história dos EUA.
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A execução foi ordenada
pelo presidente Lincoln,
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dois dias apenas
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de ele ter assinado
a Proclamação da Emancipação.
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1866, o começo do
caminho-de-ferro intercontinental,
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uma nova era.
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Apropriámo-nos de terras
para as linhas e para os comboios,
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para atalhar pelo coração da nação Lakota.
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Deitaram-se os tratados pela janela fora.
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Como resposta, três tribos, lideradas
pelo chefe Lakota Nuvem Vermelha
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atacaram e derrotaram várias vezes
o exército dos EUA.
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Quero repetir esta parte.
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Os Lakota derrotaram o exército dos EUA.
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1868: O segundo tratado de Fort Laramie
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garante, claramente, aos Lakota
a soberania da Grande Nação Sioux
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e a propriedade das sagradas Black Hills.
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O governo também promete
terras e direitos de caça
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nos estados em volta.
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Prometemos que o território
de Powder River
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seria, de então para diante,
vedado a todos os brancos.
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O tratado parecia ser uma vitória total
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para Nuvem Vermelha e para os Sioux.
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De facto, esta é a única guerra,
na história dos EUA,
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em que o governo negociou a paz,
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aceitando todas as exigências do inimigo.
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Terminou-se o caminho-de-ferro
intercontinental
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que começou a trazer, entre outras coisas,
um grande número de caçadores,
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que começaram a matança
de bisontes em grande escala,
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eliminando, assim, uma fonte de alimento,
roupa e abrigo dos Sioux.
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1871
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A Lei de Apropriação Índia
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coloca todos os índios
sob proteção do governo federal.
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A somar a isto, os militares decretaram
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que os índios ocidentais estavam
proibidos de sair das reservas.
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Todos os índios ocidentais,
naquele momento,
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passaram a ser prisioneiros de guerra.
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Também em 1871,
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acabámos com a época dos tratados.
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O problema dos tratados é que eles
reconhecem tribos como nações soberanas,
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o nós não podíamos aceitar isso.
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Nós tínhamos planos!
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O general George Custer anunciou
a descoberta de ouro em território Lakota,
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mais concretamente, nas Black Hills.
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A notícia do ouro gerou
uma corrida maciça de colonos brancos
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na nação Lakota.
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Custer recomenda ao Congresso
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que acabe com os tratados com os Lakota
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o mais rapidamente possível.
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1875: Começa a guerra Lakota
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contra a violação
do tratado de Fort Laramie.
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1876
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A 26 de julho,
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quando ia para atacar uma aldeia Lakota,
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o 7.º regimento de Cavalaria
de Custer foi esmagado
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na batalha de Little Big Horn.
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1877
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O grande guerreiro e chefe Lakota
chamado Cavalo Louco
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rendeu-se em Fort Robinson.
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Foi morto, mais tarde,
enquanto estava preso.
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1877 é também o ano
em que encontrámos uma forma
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de se contornarem
os tratados de Fort Laramie.
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Foi apresentado um novo acordo
aos chefes e dirigentes Sioux
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numa campanha conhecida
como "vender ou passar fome".
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"Assine o papel ou não há comida
para a sua tribo".
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Apenas 10% da população
adulta masculina assinou.
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O tratado de Fort Laramie
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requeria que, pelo menos
três quartos da tribo,
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assinasse a cedência de terras.
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Obviamente, ignorou-se essa cláusula.
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Cessa a propriedade comunitária
das terras das reservas.
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As reservas foram divididas
em parcelas de 65 hectares
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e distribuídas aos índios
de forma individual,
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apropriando-se das sobras.
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As tribos perderam milhões de hectares.
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O sonho americano
de posse individual da terra
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demonstrou ser uma boa manha
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para dividir a reserva
até que nada restasse.
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A jogada destruiu as reservas,
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fazendo com que fossem mais fáceis
de subdividir e de vender
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com a passagem das gerações.
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A maior parte das sobras de terras
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e muitos dos lotes
dentro das fronteiras das reservas
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já estão nas mãos de agricultores brancos.
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Mais uma vez, o grosso da terra
vai para os wasichu.
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1890, uma data que acredito ser
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a mais importante
nesta projeção de slides.
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Foi o ano do massacre de Wounded Knee.
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A 29 de dezembro
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as tropas dos EUA cercaram
um acampamento Sioux
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em Wounded Knee Creek,
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massacraram o Chefe Pé Grande
e 300 prisioneiros de guerra,
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usando uma nova arma de fogo rápido
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que disparava balas explosivas,
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a metralhadora Hotchkiss.
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Por esta, assim chamada, batalha,
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o 7.º de cavalaria recebeu
20 medalhas de honra
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do Congresso, por heroísmo.
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Até hoje,
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foi o maior número de medalhas de honra
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atribuídas numa só batalha.
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Foram atribuídas mais medalhas de honra
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pela chacina indiscriminada
de mulheres e crianças
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do que por qualquer batalha
da I Guerra Mundial,
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da II Guerra Mundial,
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das guerras da Coreia, do Vietname,
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do Iraque ou do Afeganistão.
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Considera-se que o massacre
de Wounded Knee
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marca o fim das guerras índias.
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Sempre que visito o local
da vala comum em Wounded Knee,
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não a encaro apenas como a sepultura
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dos Lakota ou dos Sioux.
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mas como a sepultura
de todos os povos indígenas.
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O feiticeiro Alce Negro disse:
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"Eu não sabia então
quanto tinha sido eliminado.
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"Agora, quando olho para trás
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"da alta colina da minha idade avançada,
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"ainda consigo ver as mulheres
e as crianças massacradas,
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"amontoadas e espalhadas
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"por toda as curvas da ravina...
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"... tão claramente como quando as vi
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"com a vista ainda jovem.
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"E consigo ver que outra coisa também
morreu ali na lama sangrenta
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"e ficou enterrada no nevão.
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"O sonho de um povo morreu ali,
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"e era um sonho belo."
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Com este acontecimento,
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começou uma nova era na história
dos indígenas americanos.
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Pode medir-se tudo
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como antes e depois
do massacre de Wounded Knee.
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Porque foi nesse momento
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com os dedos nos gatilhos
das metralhadoras Hotchkiss,
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que o governo dos EUA declarou abertamente
a sua posição sobre os direitos Indígenas.
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Estavam fartos de tratados.
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Estavam fartos de colinas sagradas.
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Estavam fartos de danças dos espíritos.
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Estavam fartos de todas
as maçadas dos Sioux.
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Então trouxeram os canhões.
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"Queres ser um índio agora?"
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disseram, com o dedo no gatilho.
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1900
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A população índia dos EUA
atingiu o seu ponto mais baixo
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— menos de 250 000 pessoas,
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em comparação com estimativa de 8 milhões
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em 1492
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1980
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O processo judicial mais longo
na história dos EUA,
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a Nação Sioux contra os EUA,
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foi julgado pelo Supremo Tribunal dos EUA.
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O tribunal determinou que,
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quando os Sioux
foram instalados nas reservas
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e quase três milhões
de hectares das suas terras
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ficaram à disposição
de prospetores e colonos
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tinham sido violados os termos
do Segundo Tratado Fort Laramie.
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O tribunal deliberou que as Black Hills
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tinham sido tomadas ilegalmente
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e que se tinha de pagar o preço
oferecido inicialmente,
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acrescido dos juros, à Nação Sioux.
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Como pagamento das Black Hills.
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o tribunal apenas concedeu à nação Sioux
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106 milhões de dólares.
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Os Sioux recusaram o dinheiro
com o grito de guerra:
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"As Black Hills não estão à venda."
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Hoje, as estatísticas
sobre a população indígena,
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passado mais de um século
sobre o massacre de Wounded Knee,
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revelam a herança da colonização,
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da migração forçada
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e das violações dos tratados.
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O desemprego na reserva índia
de Pine Ridge
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varia entre 85 e 90%.
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O departamento de habitação
é incapaz de construir novas estruturas
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e as que existem estão a cair aos bocados.
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Há muitos sem-abrigo,
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e os que têm casas vivem amontoados
em edifícios podres,
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onde vivem até cinco famílias.
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39% das casas em Pine Ridge
não têm eletricidade.
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Pelo menos 60% das casas da reserva
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estão infestadas de fungos tóxicos.
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Mais de 90% da população
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vive abaixo da linha de pobreza dos EUA.
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A taxa da tuberculose em Pine Ridge
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é mais elevada, em cerca de oito vezes.
do que a média dos EUA.
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A taxa de mortalidade infantil
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é a mais alta do continente americano
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e é três vezes mais alta
do que a média dos EUA.
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A taxa do cancro do colo do útero
é cinco vezes mais alta
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do que a média dos EUA.
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O abandono escolar é de cerca 70%.
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A rotação de professores
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é oito vezes mais alta
do que a média dos EUA.
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Frequentemente, são os avós
que criam os netos
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porque os pais, devido ao alcoolismo,
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à violência doméstica e à apatia geral,
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são incapazes de o fazer.
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60% da população com mais de 40 anos
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sofre de diabetes.
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A esperança de vida dos homens
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situa-se entre os 46 e os 48 anos,
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mais ou menos o mesmo
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que no Afeganistão ou na Somália.
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O último capítulo
de qualquer genocídio bem-sucedido
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é aquele em que o opressor
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pode lavar as mãos e dizer:
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"Meu Deus, que estão estas pessoas
a fazer a si mesmas?
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"Estão a matar-se umas às outras.
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"Estão a matar-se
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"enquanto as vemos morrer."
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Foi assim que ficámos a possuir
estes Estados Unidos.
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É este o legado do destino manifesto.
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Continuam a nascer prisioneiros
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nos campos de prisioneiros de guerra
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muito depois de os guardas
se terem ido embora.
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Estes são os ossos que sobraram
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depois de ter sido levada a melhor carne.
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Há muito tempo,
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foi posto em marcha
uma série de acontecimentos
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por um povo que se parecia comigo,
pelos wasichu,
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ávido por tirar a terra, a água
e o ouro nas colinas.
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Esses acontecimentos provocaram
um efeito dominó
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que ainda não terminou.
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Por mais distantes que nós,
a sociedade dominante, nos possamos sentir
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de um massacre em 1890,
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ou de uma série de tratados
rasgados há 150 anos,
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ainda tenho de vos perguntar:
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Como se sentem perante estas estatísticas?
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Qual é a relação
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entre estas imagens de sofrimento
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e a história que acabei de vos ler?
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E quanto desta história deve ser vossa?
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Isto será da vossa responsabilidade hoje?
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Disseram-me que há algo que podemos fazer.
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Tem que haver uma chamada à ação.
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Porque estive tanto tempo à margem
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contentando-me em ser uma testemunha,
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limitando-me a tirar fotografias.
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Como a solução parece estar
tão longe no passado,
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eu precisava, nada menos,
de uma máquina do tempo
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para lhe chegar.
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O sofrimento dos povos indígenas
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não é uma questão simples de resolver.
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Não é algo que qualquer um possa apoiar
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da forma que se apoia a ajuda ao Haiti,
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o fim da SIDA, ou a luta contra a fome.
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A solução, como lhe chamam,
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pode ser muito mais difícil
para a sociedade dominante
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do que, por assim dizer,
um cheque de 50 dólares,
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ou uma excursão da igreja
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para pintar umas casas cobertas de grafitis,
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ou a oferta duma família de classe-média
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duma caixa de roupas que já não quer.
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Então, em que ficamos?
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A encolher os ombros na escuridão?
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Os Estados Unidos da América
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continuam, diariamente,
a violar os termos
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dos tratados de Fort Laramie,
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assinados em 1851 e 1868 com os Lakota.
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A chamada à ação que proponho hoje
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— o meu desejo TED — é o seguinte:
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Honrem os tratados.
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Devolvam as Black Hills.
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Não é da nossa conta
o que eles fizerem com elas.
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