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Escuto ou escuto-me? | Mirko Mescia | TEDxRíodelaPlataED

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    Há algum tempo encontrei um amigo
    que vinha de uma viagem pela Europa.
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    Falou-me dos lugares que visitara.
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    E quando me contou
    que tinha estado em Roma
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    perguntei-lhe se tinha ido
    à Capela Sistina.
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    Respondeu-me com um tom estranho,
    como se estivesse ofendido:
  • 0:30 - 0:32
    "Sim, sim, estive na Capela Sistina."
  • 0:32 - 0:34
    Então eu perguntei-lhe:
    "O que é que achaste?"
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    "Pequena".
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    “Sim, porque é uma capela.
    Mas o que é que achaste? "
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    "Pareceu-me muito pequena. Tanta
    conversa da Capela Sistina e era aquilo?"
  • 0:43 - 0:47
    “Sim, porque é uma capela,
    Se não seria a Catedral Sistina!
  • 0:47 - 0:49
    "Mas o que é que achaste? "
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    "Não gostei, é muito pequena."
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    Porque é que entendo tão bem
    o que aconteceu ao meu amigo?
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    Chamo-me Mirko Mescia
    e trabalho como músico de teatro.
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    Para quem não sabe, trata-se
    de compor, organizar e decidir
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    o que soa, porquê,
    como e de onde é que soa
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    tudo o que soa
    num espetáculo de teatro:
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    Música, sons, ruídos e silêncio.
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    E, embora não pareça,
    este episódio tem muito a ver
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    com o que tenho descoberto
    na minha profissão.
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    Eu sou italiano
    — cada um tem os seus problemas.
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    No entanto, a minha iniciação
    às artes cénicas foi na Andaluzia,
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    onde estava muito perto
    do circo de rua.
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    Naquela época, os meus critérios sonoros
    de seleção e eleição eram dois:
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    gosto, não gosto.
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    Por exemplo, isto:
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    (Som de guitarra)
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    (Sons diversos)
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    (Guitarra)
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    Qualquer que fosse a cena
    que estivesse a acompanhar,
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    tocava sempre isto; eu gostava.
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    E para mim funcionava; para mim.
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    Tudo o que eu tocava
    e o que ouvia era filtrado assim:
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    Gosto, não gosto;
    gosto, não gosto.
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    Se pudesse sintetizar ao máximo
    a questão, eu diria o seguinte:
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    Eu não escuto, eu escuto-"me".
    Sempre.
  • 2:29 - 2:32
    Isto acontece porque é muito complexo
    escutar a realidade.
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    Porque não consigo evitar
    projetar-me nela e, portanto,
  • 2:35 - 2:37
    ouvir-me o tempo todo
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    e talvez perder tudo o resto.
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    O resto que também soa o tempo todo.
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    Uma vez trabalhei com uma diretora russa
    que me convidou para o seu espetáculo.
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    Lembro-me que estávamos na minha oficina,
    que é como uma fábrica de sons,
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    cheia de instrumentos e objetos sonoros,
    e disse-lhe para se sentar de costas.
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    Porque queria apresentar-lhe alguns sons
  • 2:55 - 2:59
    mas não queria que fosse condicionada
    pela forma como esses sons se viam.
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    A certa altura toquei
    umas pequenas percussões turcas
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    que as bailarinas usam nas suas danças.
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    Mas eu toquei de uma forma mais pausada
    para lhe dar tempo de imaginar.
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    (Percussões turcas)
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    "Não, esse som não", disse ela,
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    "porque lembra-me o micro-ondas
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    "quando avisa que acabou
    de aquecer a comida."
  • 3:22 - 3:24
    (Percussões turcas)
  • 3:24 - 3:26
    "Que ignorante!", pensei eu.
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    "Nem sabe que se trata de um instrumento
    original de ..." e blá, blá, blá.
  • 3:30 - 3:33
    Era o meu preconceito que me falava
    e que me impedia de ouvir
  • 3:33 - 3:36
    o que tão sinceramente
    aquela diretora me estava a dizer.
  • 3:37 - 3:40
    Tirando-me a possibilidade
    de aceitar ou fazer algo
  • 3:40 - 3:44
    com essa associação entre este som
    e o som do micro-ondas.
  • 3:44 - 3:49
    Entendem a que me refiro?
    Não escuto, escuto-“me”.
  • 3:49 - 3:52
    É muito difícil ouvir a realidade.
    Acontece a todos nós.
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    Mas isto vai muito para além da escuta,
  • 3:55 - 3:56
    tem a ver com perceção
  • 3:56 - 4:00
    e como esta está ligada
    às nossas crenças.
  • 4:01 - 4:03
    (Som de trompete)
  • 4:05 - 4:09
    Vamos ver; vocês conhecem
    a história de Romeu e Julieta?
  • 4:09 - 4:11
    Certamente. É incrível.
  • 4:11 - 4:13
    Toda a gente conhece
    esta obra de Shakespeare.
  • 4:13 - 4:17
    Há uns anos que faço uma experiência
    com essa história em vários países.
  • 4:17 - 4:20
    Eu pergunto:
    "Como termina Romeu e Julieta?
  • 4:20 - 4:23
    Pensem nisso, não interessa
    se leram ou não."
  • 4:24 - 4:26
    Tenho a certeza de que
    a grande maioria de vocês
  • 4:26 - 4:30
    responderia que termina
    com a morte dos dois apaixonados.
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    Romeu encontra Julieta morta
    e mata-se de desgosto.
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    Segundos depois, Julieta acorda
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    — afinal de contas não estava morta —
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    vê Romeu morto, e mata-se.
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    Uma tragédia!
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    Bem, há novidades.
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    Embora seja uma tragédia,
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    não termina mal como a grande maioria
    do planeta Terra pensa.
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    Porque a obra não é apenas a história
    de amor de dois jovens que morrem.
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    A obra fala de um ódio,
    de uma inimizade,
  • 4:59 - 5:04
    entre duas famílias que já nem sequer
    se lembram do porquê dessa inimizade.
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    E o que faz Shakespeare
    para nos contar esse ódio?
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    Arranja o maior contraste possível:
  • 5:09 - 5:12
    dois adolescentes que se apaixonam,
    no meio desse ódio.
  • 5:13 - 5:16
    Quer dizer que o preço para
    essa inimizade terminar
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    é perder as duas joias mais preciosas
    das duas famílias.
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    A obra termina quando o pai de Romeu
    e o pai de Julieta
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    se encontram, se olham, e apertam as mãos
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    e, em frente dos dois jovens mortos,
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    põem fim a essa inimizade.
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    É muito, muito triste mas acaba bem.
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    Não como todos pensávamos.
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    Há elementos que nos impressionam tanto,
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    que nos marcam tanto,
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    que nos impedem de ver
    ou ouvir o que vem a seguir,
  • 5:46 - 5:47
    funcionam como um filtro.
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    Portanto, não ouvimos, ouvimo-“nos”.
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    Não olhamos, olhamo-“nos”.
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    Não lemos, lemo-"nos” o tempo todo.
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    Raramente criamos o espaço, a pausa,
  • 5:57 - 6:00
    para escutar de uma forma
    mais desafetada
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    tentando tirar-nos do caminho
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    para avaliar a ocorrência,
    a frase, a situação em si,
  • 6:06 - 6:08
    para recebê-la e aceitá-la.
  • 6:08 - 6:11
    Ou, pelo menos a partir daí,
    para avaliar o que fazer a seguir.
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    Num ensinamento, Confúcio
    disse que uma pessoa virtuosa
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    quando olha, reflete
    se observou com clareza,
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    quando escuta, reflete
    se ouviu sem confusão.
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    Está em nós o poder
    de gerar esse espaço,
  • 6:27 - 6:30
    de permitir essa pausa de aceitação.
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    (Som de instrumento)
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    Eu tenho vários lugares
    onde tento treinar
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    esta questão de não perceber a realidade
    apenas pelos meus critérios.
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    Por exemplo, às vezes juntamo-nos
    com um grupo de amigos
  • 6:46 - 6:48
    e analisamos uma obra de Shakespeare.
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    Primeiro, vemos
    o que apanhámos da obra,
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    e depois vemos o que acontece na obra.
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    É impressionante o que acontece.
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    Há páginas que passamos por alto.
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    Informações importantes
    que nos escapam
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    como por exemplo,
    o final de Romeu e Julieta.
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    Mas há muitas mais.
  • 7:03 - 7:06
    E tento levar tudo isto
    para a minha vida quotidiana
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    e também para a minha profissão.
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    Ser um músico de teatro
    é uma arte muito antiga.
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    Tem a ver com olhar,
    com aceitar, com esperar,
  • 7:15 - 7:19
    com propor, com acompanhar, com cuidar.
  • 7:25 - 7:28
    Cada um pode descobrir
    a sua forma de criar esse espaço
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    para que não aconteça sempre
    isto de: não percebo, percebo-me.
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    Depois de essa forma ser criada,
    seria bom que se tornasse um hábito
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    para levar o que se aprendeu
    a todos os âmbitos da nossa vida.
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    O que estou a ouvir
    do que me estão a dizer?
  • 7:43 - 7:47
    E do que não me estão a dizer,
    escuto ou escuto-me?
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    Entro na Capela Sistina
    e digo: "Que pequena que é!"...
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    Ou digo: "É mais pequena
    do que que eu pensava"...
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    e descubro-a!
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    Como termina Romeu e Julieta?
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    O que perdemos
    desta história tão maravilhosa?
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    Quando escuto, ouço claramente?
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    (Percussão turca)
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    Muito obrigado.
Title:
Escuto ou escuto-me? | Mirko Mescia | TEDxRíodelaPlataED
Description:

Qual é a diferença entre o que percebemos e o que realmente acontece? Enquanto compositor musical de teatro, circo e fantoches, Mirko aprendeu a separar o que ouve do que os outros ouvem e dá-nos algumas dicas para fazer o mesmo. Mirko Mescia é músico e escritor de teatro, nasceu na Itália e completou a sua formação em "Composição e efeitos sonoros" em teatro, circo e fantoches em cidades como Granada, Copenhaga e Buenos Aires. Compôs música e "design" sonoro para o palco na Europa e na Argentina, dos quais se destacam as obras dirigidas por Agustín Alezzo. Publicou o livro "Puntos de Oído: entrevistas y conversaciones"", é professor e investiga como o uso, o não uso ou o abuso do som influencia as artes cénicas.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
Spanish
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
08:21

Portuguese subtitles

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