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Title:
Um apelo pessoal por humanidade na fronteira EUA-México
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Description:
Nesta palestra pessoal e poderosa, o autor e académico Juan Enriques conta histórias sobre a crise de imigração na fronteira entre os EUA e o México, aproximando-nos deste debate por vezes abstrato — e mostrando o que poderemos fazer todos os dias para criar um sentimento de pertença junto de imigrantes. "Isto não é sobre crianças e fronteiras," diz. "É sobre nós. Isto é sobre quem nós somos, sobre quem somos como povo, como nação e como indivíduos."
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Speaker:
Juan Enriquez
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Esta é pessoal.
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Eu sei o que é ter o governo dizer:
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"Vamos matar-te de manhã."
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Eu sei o que é deixar um país
com seis horas de aviso
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e acabar por ficar no sofá de alguém.
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Por causa disso, escrevi um livro
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sobre porque os países
têm ou não sucesso.
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Permitam-me que resuma 250 páginas.
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Os países têm de ter compaixão,
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têm de ser bondosos,
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têm de ser inteligentes,
têm de ser corajosos.
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Querem saber o que não funciona?
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Quando se governa pelo medo
e se governa pela crueldade,
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isso simplesmente não funciona.
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Pode-se ser como o Gengis Khan
por uns tempos,
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pode-se ser como Estaline
ou como Pinochet
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por uns tempos.
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Mas a longo prazo não funciona.
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E não funciona a longo prazo
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porque, para governar
pelo medo e pela crueldade,
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temos de criar divisões.
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Temos de pegar em grandes grupos
no país e convencê-los
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que eles não são como aqueles.
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Que não se devem associar com eles,
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que não devem falar com eles.
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Que essas pessoas são más,
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essas pessoas são criminosos,
são violadores.
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E que o país está em perigo
por causa deles.
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E se gastarmos milhões de dólares
a fazer isso no nosso país,
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faremos inimigos no estrangeiro,
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e criaremos divisões internas.
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E isso traz consequências.
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Três quartos das bandeiras,
das fronteiras e dos hinos
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hoje nas Nações Unidas,
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não existiam há algumas décadas.
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Aquelas linhas que estão lá hoje
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aquelas bandeiras foram criadas
porque alguém disse:
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"Os escoceses não são como nós,"
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"os galeses não são como nós,"
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"os bascos não são como nós,"
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"os italianos do norte
não são como nós,"
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"os muçulmanos não são como nós,"
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os negros, os brancos, os cristãos.
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Criamos o "nós contra eles"...
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destruímos nações.
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Parte do problema da criação
do "nós contra eles"
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é que é difícil fazê-lo.
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O que temos de fazer
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é fazer as pessoas acreditar em absurdos.
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E quando as pessoas acreditam no absurdo,
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cometem atrocidades.
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É essa a dinâmica.
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Não se consegue criar "nós contra eles"...
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não se consegue criar
massacres como no Ruanda,
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não se consegue criar
massacres como na Jugoslávia,
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a não ser que se crie esta dinâmica.
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Deixem-me que resuma
a política atual de imigração.
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Vamos dissuadi-"los"
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sendo o mais cruéis possível,
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e vamos atingir as suas crianças.
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Vamos atrás das crianças.
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Temos advogados
norte-americanos que afirmam
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que as crianças não precisam
de sabão, nem de abraços nem de duches,
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nem da ajuda de adultos
nem de uma data de libertação.
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Alguém é detido por causa
de um farolim avariado,
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alguém que trabalhou aqui por 20 anos,
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vai para a prisão,
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talvez para toda a vida,
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sem representação legal.
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Os terroristas que destruíram
o World Trade Center têm advogados.
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Estas crianças, estes pais,
não têm direito a advogados.
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Os governos dizem a algumas das pessoas
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mais desesperadas
e magoadas no planeta:
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"Tenho o teu filho, paga-me $800 para um
teste de ADN para o poderes ter de volta."
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Há crianças de três anos
a aparecer em tribunal.
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Já todos vimos tribunais
nas séries de TV.
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E é entusiasmante,
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porque estes sábios juízes
sentam-se lá em cima,
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o advogado de defesa ataca
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e o procurador contra-ataca,
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e depois adivinhamos
o que vai acontecer.
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Quero que compreendam o que está
a acontecer agora mesmo.
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O acusador está lá
— é o acusador duro.
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Acusa, ataca, em nome de nós, o povo.
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O juiz está lá,
o juiz 'Arrogante Eu É Que Sei'
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com a sua toga negra,
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e questiona o arguido
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lá de cima.
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O réu tem três anos
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os olhos dele não chegam
ao nível da beira da mesa.
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O réu não fala a nossa língua.
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Os auscultadores para o tradutor
caíram da cabeça do réu,
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porque não há auscultadores para crianças
de três anos em tribunais norte-americanos
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porque não é suposto
que estas se defendam.
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Estão a gozar com a justiça,
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estão a gozar com o sistema de acusação.
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estão a troçar de quem
nós somos como nação.
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Isto é inacreditável.
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Estamos a ver algumas estatísticas,
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mas quero que compreendam:
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isto está a acontecer à empregada
doméstica que criou os vossos filhos.
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Isto está a acontecer ao jardineiro
que tomou conta da vossa casa.
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Isto está a acontecer ao homem
que lavou os vossos pratos
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no restaurante chique
onde foram na semana passada.
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Isto está a acontecer às pessoas
que entregam o jornal pela manhã.
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Esta é a vossa comunidade,
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estas são as pessoas
que viveram lado a lado com vocês.
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Trataram bem de vocês,
trataram de vocês com respeito,
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tomaram conta dos vossos filhos,
dos vossos avós.
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Este é o Luís, esta é a Laura,
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este é o Jaime.
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Eles não são abstratos,
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"Oh, está a acontecer na fronteira"
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— isto está a acontecer agora mesmo
na nossa comunidade.
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é que, quando passamos a normalizar
o absurdo e as atrocidades,
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as pessoas pensam que esses
instrumentos são legítimos.
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E então temos escolas
a enviar cartas como esta:
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"Caro pai,
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"Como o seu filho deve dinheiro
do almoço à cafetaria,
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"isso pode resultar
em o seu filho ser levado
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"pela assistente social."
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Isto está a ser enviado pelas escolas
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porque as pessoas pensam:
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"Bem, parece ser
um mecanismo de dissuasão."
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Quando entramos num avião,
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antes das crianças,
antes da primeira classe,
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os primeiros a embarcar
são os soldados em uniforme.
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Alguns são imigrantes.
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Eis um contrato: "Alista-te no exército,
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"cumpre a tua obrigação até ao fim,
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"e obténs a cidadania".
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Nós estamos a rescindir estes contratos
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depois de terem sido assinados.
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E se esses soldados
foram mortos em combate
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deportamos as suas mulheres
e, às vezes, os seus filhos.
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Estas são as pessoas que nos protegem.
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Estas são as pessoas que honramos.
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Estes são os corajosos.
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E esta é a forma como os tratamos.
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Estas não são as pessoas
que atravessaram a fronteira ilegalmente.
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Quando permitimos
este tipo de comportamento,
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isso normaliza-se na sociedade,
e desfaz a sociedade.
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Os países são construídos
pelo trabalho árduo dos imigrantes;
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somos todos imigrantes.
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Simplesmente chegámos
em momentos diferentes.
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55% das principais empresas desta nação
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as empresas com mais sucesso
deste país, os unicórnios,
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são criados por pessoas que vieram como
estudantes estrangeiros ou como imigrantes
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e são os fundadores e cofundadores.
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Bem, eis o que aconteceu
nos últimos três anos
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aos melhores cérebros do mundo.
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42% não conseguiram vistos
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ou escolheram não pedir vistos.
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É assim que arruinamos uma economia.
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Isto não é sobre crianças e fronteiras.
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É sobre nós.
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Isto não é sobre quem somos,
sobre quem 'nós o povo' somos,
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como uma nação e como indivíduos.
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Este debate não é abstrato.
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Muitos de nós gostamos de pensar
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que, se pudéssemos voltar ao momento
em que Hitler subiu ao poder,
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estaríamos na rua,
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teríamos feito oposição,
teríamos impedido Mengele.
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Muitos de nós gostamos de pensar
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que, se pudéssemos voltar aos anos 60,
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estaríamos com os 'Freedom Riders'.
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Estaríamos naquela ponte em Selma.
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Mas, sabem?
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Esta é a nossa oportunidade.
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É agora.
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não são apenas os grandes atos,
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não basta ir e bloquear aquela ponte
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ou acorrentar-nos a algo.
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É o que fazemos no dia-a-dia.
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O Museu de Arte de Harvard
acabou de inaugurar uma exposição
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sobre como os artistas refletem sobre
imigração e ter a sua casa noutro país.
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As pessoas saem abaladas dessa exposição.
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No final havia uma parede em branco.
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E os curadores fizeram algo
que normalmente não fazem
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— improvisaram.
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Desenharam quatro linhas
e escreveram duas palavras.
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"Eu pertenço."
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Por isso, saímos da exposição
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e podemos tirar uma foto
à frente desta parede.
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O impacto nas pessoas é enorme.
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Eu vi as pessoas saírem
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e algumas sentavam-se
à frente daquela imagem.
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Tiravam uma fotografia e esboçavam
um sorriso grande, enorme.
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Outras pessoas simplesmente choravam.
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Algumas pessoas abraçavam-se
e traziam estranhos,
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outras traziam a sua família.
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Pequenos atos de bondade
têm um enorme impacto.
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Há dor na vossa comunidade
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como não acreditarão.
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Da próxima vez que estiverem com um
condutor de táxi que possa ser um "deles,"
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de acordo com algumas pessoas,
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deem-lhe uma gorjeta de cinco dólares.
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Da próxima vez que estiverem
com uma empregada num hotel,
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agradeçam-lhe e deem-lhe
o dobro da gorjeta.
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Da próxima vez
que virem o vosso jardineiro,
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quando virem a vossa ama,
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quando virem alguém assim,
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deem-lhes um abraço enorme,
e digam-lhes que eles pertencem.
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Façam-nos sentir que são de cá.
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Este é o momento das grandes políticas
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mas também é o momento
de grandes atos de bondade.
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Porque temos de reivindicar quem somos,
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temos de reivindicar esta nação.
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(Voz embargada)
E não podemos sentar-nos aqui
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e ver esta merda acontecer.
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Isto tem de acabar, e tem de terminar já.
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