Fui refém durante 317 dias. Isto é aquilo em que pensava...
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0:01 - 0:03Não posso esquecê-los.
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0:04 - 0:08Chamavam-se Aslan, Alik, Andrei.
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0:08 - 0:13Fernanda, Fred, Galina, Gunhild,
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0:13 - 0:18Hans, Ingeborg, Matti, Natalya,
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0:18 - 0:23Nancy, Sheryl, Usman, Zarema,
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0:23 - 0:25e a lista continua.
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0:27 - 0:30Para muitos, a sua existência,
a sua humanidade, -
0:30 - 0:33foram reduzidas a estatísticas,
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0:33 - 0:37friamente registadas
como "incidentes de segurança". -
0:38 - 0:39Para mim, eram colegas
-
0:39 - 0:43que pertenciam à comunidade
de trabalhadores humanitários -
0:43 - 0:45que tentavam dar um pouco de conforto
-
0:45 - 0:49às vítimas das guerras
na Chechénia nos anos 90. -
0:50 - 0:54Eram enfermeiras, logísticos,
especialistas de campos de refugiados, -
0:54 - 0:57paralegais, intérpretes.
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0:57 - 1:01Em troca destes serviços,
foram assassinados, -
1:01 - 1:04as suas famílias foram destroçadas,
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1:04 - 1:06a sua história foi esquecida.
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1:07 - 1:10Nunca ninguém foi condenado
por esses crimes. -
1:11 - 1:13Não posso esquecê-los.
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1:13 - 1:15De certa forma, vivem em mim,
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1:15 - 1:18a sua memória dá-me
um sentido todos os dias. -
1:18 - 1:22Mas também assombram
o lado sombrio do meu espírito. -
1:23 - 1:25Enquanto trabalhadores humanitários,
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1:25 - 1:28escolheram estar do lado da vítima,
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1:28 - 1:33para fornecerem uma certa assistência,
algum conforto, um pouco de proteção -
1:33 - 1:36mas, quando precisaram
de proteção para eles, -
1:36 - 1:37não havia ninguém.
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1:38 - 1:41Quando vemos os cabeçalhos
do jornal hoje em dia, -
1:41 - 1:44com a guerra no Iraque ou na Síria
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1:44 - 1:48— pessoal de ajuda raptado,
reféns executados — -
1:48 - 1:50quem eram eles?
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1:50 - 1:52Porque é que estavam ali?
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1:52 - 1:54O que os motivava?
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1:54 - 1:58Como é que nos tornámos
tão indiferentes a estes crimes? -
1:58 - 2:01É por isso que estou hoje aqui convosco.
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2:01 - 2:03Precisamos de encontrar
formas de os recordar. -
2:05 - 2:11Precisamos de explicar os valores chave
a que eles dedicaram a sua vida. -
2:11 - 2:14Também precisamos de exigir justiça.
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2:16 - 2:19Quando, em 1996, fui enviado
para o norte do Cáucaso, -
2:19 - 2:22pelo Alto Comissário das Nações Unidas
para os Refugiados, -
2:22 - 2:24tinha conhecimento de alguns dos riscos.
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2:24 - 2:26Cinco colegas meus tinham sido mortos,
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2:26 - 2:28outros três gravemente feridos,
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2:28 - 2:30sete já tinham sido feitos reféns.
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2:30 - 2:32Portanto, éramos prudentes.
-
2:32 - 2:36Usávamos veículos blindados,
carros para despistar, -
2:36 - 2:39mudávamos o padrão das viagens,
mudávamos de casa, -
2:39 - 2:42todo o tipo de medidas de segurança.
-
2:43 - 2:49Mas numa fria noite de inverno
de janeiro de 1998, chegou a minha vez. -
2:50 - 2:53Quando entrei no meu apartamento
em Vladikavkaz, com um guarda, -
2:53 - 2:56fomos rodeados por homens armados.
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2:57 - 2:59Agarraram no guarda, deitaram-no no chão,
-
2:59 - 3:02espancaram-no à minha frente,
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3:02 - 3:04amarraram-no, levaram-no de rastos.
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3:06 - 3:11Puseram-me algemas, uma venda
e forçaram-me a ajoelhar -
3:11 - 3:14com o silenciador duma espingarda
encostado ao meu pescoço. -
3:14 - 3:16Quando isto nos acontece,
-
3:16 - 3:19não há tempo para pensar,
não há tempo para rezar. -
3:20 - 3:23O meu cérebro funcionava
como um autómato, -
3:23 - 3:26rebobinando rapidamente
a vida que ficara para trás. -
3:27 - 3:30Levei longos minutos a perceber
-
3:30 - 3:33que aqueles homens mascarados
não estavam ali para me matar, -
3:33 - 3:37mas que alguém, algures,
tinha mandado raptar-me. -
3:40 - 3:43Naquele dia começou
um processo de desumanização. -
3:43 - 3:46Eu não passava duma mercadoria.
-
3:49 - 3:51Normalmente, não falo destas coisas
-
3:51 - 3:56mas gostava de partilhar convosco
alguns desses 317 dias de cativeiro. -
3:57 - 4:00Fui metido numa adega subterranean,
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4:00 - 4:02numa escuridão total,
-
4:02 - 4:05durante 23 horas e 45 minutos,
todos os dias. -
4:05 - 4:09Depois apareciam os guardas,
normalmente dois. -
4:09 - 4:11Traziam-me um grande pedaço de pão,
-
4:11 - 4:14uma malga de sopa e uma vela.
-
4:15 - 4:20A vela ardia durante 15 minutos,
-
4:20 - 4:22uns 15 minutos de luz preciosa.
-
4:23 - 4:27Depois, levavam-na e eu mergulhava
de novo na escuridão. -
4:29 - 4:33Estava acorrentado à cama
por um cabo metálico. -
4:33 - 4:36Só podia dar quatro pequenos passos.
-
4:37 - 4:39Ficava sempre a sonhar com o quinto.
-
4:41 - 4:45Nem TV, nem rádio, nem jornais,
nem ninguém com quem falar, -
4:45 - 4:49Não tinha uma toalha,
nem sabão, nem papel higiénico, -
4:49 - 4:55apenas dois baldes de metal, sem tampa,
um para a água, outro para os dejetos. -
4:58 - 5:03Conseguem imaginar o passatempo
que é para os guardas -
5:03 - 5:08quando eles são sádicos ou quando
estão só aborrecidos ou embriagados? -
5:10 - 5:13Íamos roendo as unhas lentamente.
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5:13 - 5:18O isolamento e a escuridão
são especialmente difíceis de descrever. -
5:18 - 5:20Como é que descrevemos o nada?
-
5:20 - 5:23Não há palavras para o extremo
de solidão a que cheguei -
5:23 - 5:28naquela estreita fronteira
entre a sanidade e a loucura. -
5:30 - 5:35Na escuridão, por vezes,
jogava damas imaginárias. -
5:35 - 5:38Começava com as pretas,
-
5:38 - 5:39jogava com as brancas,
-
5:39 - 5:43voltava às pretas,
tentando ganhar ao lado oposto. -
5:43 - 5:46Nunca mais joguei damas.
-
5:47 - 5:51Sentia-me atormentado
ao pensar na minha família -
5:51 - 5:53e no meu colega, o guarda, Edik.
-
5:53 - 5:56Não sei o que é que lhe aconteceu.
-
5:56 - 5:58Enquanto tentava não pensar,
-
5:58 - 6:00tentava preencher o tempo
-
6:00 - 6:03fazendo todo o tipo
de exercícios físicos no local. -
6:04 - 6:08Tentava rezar, tentava todo o tipo
de jogos de memória. -
6:09 - 6:14Mas a escuridão também cria imagens
e pensamentos que não são normais. -
6:14 - 6:19Uma parte do nosso cérebro
quer resistir, gritar, chorar, -
6:19 - 6:23e a outra parte do cérebro
ordena-nos que nos calemos -
6:23 - 6:25e deixemos andar.
-
6:26 - 6:30É uma luta interna permanente,
mas não há ninguém a fazer de árbitro. -
6:31 - 6:36Uma vez um guarda veio ter comigo,
muito agressivo, e disse-me: -
6:36 - 6:40"Hoje vais-te pôr de joelhos
e implorar a tua comida". -
6:41 - 6:44Eu não estava bem disposto,
por isso insultei-o. -
6:44 - 6:47Insultei a mãe dele,
insultei os seus antepassados. -
6:48 - 6:52A consequência foi moderada:
atirou a comida para o balde dos dejetos. -
6:52 - 6:54No dia seguinte voltou
com a mesma exigência. -
6:56 - 6:58Recebeu a mesma resposta,
-
6:58 - 7:00com as mesmas consequências.
-
7:02 - 7:05Quatro dias depois,
tinha o corpo cheio de dores. -
7:05 - 7:09Eu não sabia que a fome doía tanto,
quando temos tão pouco. -
7:10 - 7:13Portanto, quando os guardas desceram,
-
7:16 - 7:18ajoelhei-me.
-
7:19 - 7:21Implorei a minha comida.
-
7:22 - 7:27A submissão era a única forma
que eu tinha para poder ter outra vela. -
7:30 - 7:31Depois de me raptarem,
-
7:31 - 7:34fui transferido do norte da Ossétia
para a Chechénia. -
7:34 - 7:39Foram três dias de viagem lenta
em porta bagagens de vários carros. -
7:39 - 7:42Quando cheguei, fui interrogado
durante 11 dias, -
7:42 - 7:44por um tipo chamado Ruslan.
-
7:44 - 7:46A rotina era sempre a mesma:
-
7:46 - 7:49um pouco mais de luz, 45 minutos.
-
7:49 - 7:51Ele chegava à adega,
-
7:51 - 7:53pedia aos guardas
para me atarem à cadeira -
7:53 - 7:56e punha música a tocar, muito alto.
-
7:57 - 8:00Depois punha-se a gritar as perguntas.
-
8:00 - 8:02Berrava. Batia-me.
-
8:02 - 8:04Vou poupar-vos a pormenores.
-
8:04 - 8:07Havia muitas perguntas que eu não percebia
-
8:07 - 8:10e havia algumas perguntas
que eu não queria perceber. -
8:13 - 8:16A duração do interrogatório
era a duração da fita gravada: -
8:16 - 8:1915 canções, 45 minutos.
-
8:19 - 8:22Eu estava sempre ansioso
pela última canção. -
8:23 - 8:26Um dia ou uma noite,
naquela adega não sei dizer o que era, -
8:26 - 8:29ouvi uma criança a chorar
por cima da minha cabeça. -
8:29 - 8:32Um rapaz, talvez com dois
ou três anos de idade. -
8:32 - 8:35Passos, confusão, pessoas a correr.
-
8:37 - 8:40Quando Ruslan chegou no dia seguinte,
-
8:40 - 8:43antes de me fazer
a primeira pergunta, perguntei-lhe: -
8:43 - 8:46"Como é que está o seu filho? Está melhor?"
-
8:46 - 8:48Ruslan foi apanhado de surpresa.
-
8:49 - 8:52Ficou furioso por os guardas
poderem ter revelado pormenores -
8:52 - 8:53da sua vida privada.
-
8:54 - 8:59Continuei a falar das ONGs, que forneciam
medicamentos a clínicas locais -
8:59 - 9:02que podiam ajudar a tratar do filho.
-
9:02 - 9:05Falámos sobre o ensino,
falámos sobre as famílias. -
9:06 - 9:08Falou-me dos seus filhos.
-
9:08 - 9:10Eu falei-lhe das minhas filhas.
-
9:10 - 9:13Depois ele falou de espingardas,
de carros, de mulheres, -
9:13 - 9:17e eu tive que falar de espingardas,
de carros, de mulheres. -
9:18 - 9:21Conversámos até à última
canção da fita gravada. -
9:22 - 9:26Ruslan era o homem
mais bruto que já conheci. -
9:28 - 9:30Nunca mais me tocou.
-
9:30 - 9:32Nunca mais fez perguntas.
-
9:33 - 9:35Deixei de ser uma mercadoria.
-
9:37 - 9:41Dois dias depois,
fui transferido para outro local. -
9:42 - 9:47Aí, um guarda aproximou-se de mim,
muito de perto — uma coisa pouco habitual — -
9:47 - 9:49e disse com uma voz muito suave:
-
9:50 - 9:53"Queria agradecer-lhe
-
9:53 - 9:57"pela ajuda que a sua organização
deu à minha família -
9:57 - 10:00"quando fomos desalojados
no Daguestão vizinho". -
10:02 - 10:05O que é que eu podia responder?
-
10:06 - 10:11Foi muito doloroso.
Foi como uma facada na barriga. -
10:11 - 10:14Levei semanas de introspeção
a tentar reconciliar -
10:14 - 10:17as boas razões que tínhamos
para ajudar aquela família -
10:17 - 10:20e o soldado de sorte
em que ele se tornara. -
10:20 - 10:22Era jovem, era tímido.
-
10:22 - 10:24Nunca vi a cara dele.
-
10:25 - 10:27Provavelmente tinha boas intenções.
-
10:27 - 10:30Mas, naqueles 15 segundos,
-
10:30 - 10:33fez-me pôr em causa tudo o que fazíamos,
-
10:33 - 10:35todos os sacrifícios.
-
10:36 - 10:39Também me fez pensar
na forma como eles nos viam. -
10:39 - 10:42Até aí, eu pensava que eles sabiam
porque é que estávamos lá -
10:42 - 10:44e o que é que estávamos a fazer.
-
10:45 - 10:47Não se pode pensar isso.
-
10:48 - 10:52Explicar porque é que fazemos isto
não é nada fácil, -
10:52 - 10:54mesmo para os nossos familiares
mais próximos, -
10:55 - 10:58Não somos perfeitos, não somos superiores,
-
10:58 - 11:01não somos os bombeiros do mundo,
-
11:01 - 11:03não somos super-heróis,
-
11:03 - 11:05não fazemos parar as guerras.
-
11:05 - 11:10Sabemos que a resposta humanitária
não substitui uma solução política. -
11:10 - 11:15Mas fazemos isto
porque uma vida é importante. -
11:15 - 11:17Por vezes é a única diferença que fazemos
-
11:17 - 11:20— um indivíduo, uma família,
um pequeno grupo de indivíduos — -
11:20 - 11:22é importante.
-
11:22 - 11:25Quando acontece um tsunami,
um terramoto ou um tufão, -
11:25 - 11:29vemos equipas de socorristas,
vindos de todo o mundo, -
11:29 - 11:32à procura de sobreviventes
durante semanas. -
11:32 - 11:34Porquê? Ninguém questiona isso.
-
11:35 - 11:37Cada vida interessa
-
11:37 - 11:40ou devia interessar.
-
11:41 - 11:44O mesmo acontece connosco,
quando ajudamos refugiados, -
11:44 - 11:49pessoas deslocadas dentro do seu país,
por conflitos, ou pessoas sem estado. -
11:50 - 11:51Conheço muitas pessoas,
-
11:51 - 11:55quando são confrontadas
com um sofrimento avassalador, -
11:55 - 11:57que se sentem impotentes e param aí.
-
11:58 - 12:01É uma pena, porque há imensas maneiras
de podermos ajudar. -
12:02 - 12:04Não paramos
por causa desse sentimento. -
12:04 - 12:07Tentamos fazer tudo o que podemos
para proporcionar alguma ajuda, -
12:07 - 12:09alguma proteção, algum conforto.
-
12:10 - 12:11Tem que ser.
-
12:11 - 12:14Não podemos fazer de outra maneira.
-
12:14 - 12:17É isso que nos faz sentir
— como dizer? — humanos. -
12:19 - 12:22Esta é a minha fotografia
no dia em que fui libertado. -
12:22 - 12:27Meses depois da minha libertação,
encontrei o primeiro-ministro francês. -
12:27 - 12:29A segunda coisa que ele me disse foi:
-
12:29 - 12:32"Você foi um irresponsável por ter ido
para o norte do Cáucaso, -
12:32 - 12:35"Não faz ideia dos problemas
que nos criou". -
12:38 - 12:40Foi uma reunião curta.
-
12:41 - 12:42(Risos)
-
12:43 - 12:46Penso que ajudar pessoas em perigo
é uma coisa responsável. -
12:47 - 12:52Naquela guerra,
que ninguém queria fazer parar, -
12:52 - 12:54— e temos muitas delas atualmente —
-
12:54 - 12:58levar alguma ajuda a pessoas necessitadas
e um pouco de proteção -
12:58 - 13:00não era apenas um ato de humanidade,
-
13:00 - 13:03era fazer uma verdadeira diferença
para essas pessoas. -
13:03 - 13:06Porque é que ele não percebia isso?
-
13:07 - 13:09Temos a responsabilidade de tentar.
-
13:09 - 13:12Já devem ter ouvido falar do conceito
Responsabilidade de Proteger. -
13:13 - 13:17Os resultados podem depender
de diversos parâmetros. -
13:17 - 13:21Até podemos falhar, mas pior do que falhar
-
13:21 - 13:23é nem sequer tentar, quando podemos.
-
13:25 - 13:29Se vocês seguirem este caminho,
se se candidatarem a este tipo de tarefa, -
13:29 - 13:33a vossa vida vai ser cheia
de alegrias e de tristezas, -
13:33 - 13:35porque há muitas pessoas
a quem não podemos ajudar, -
13:35 - 13:39muitas pessoas que não podemos proteger,
muitas pessoas que não salvamos. -
13:40 - 13:42Chamo-lhes os meus fantasmas.
-
13:42 - 13:46Ao testemunhar de perto o seu sofrimento,
-
13:46 - 13:49assumimos um pouco desse sofrimento.
-
13:49 - 13:52Muitos trabalhadores humanitários jovens
-
13:52 - 13:55passam pelas suas primeiras experiências
com muita amargura. -
13:55 - 13:58São metidos em situações
em que são testemunhas, -
13:58 - 14:01mas são impotentes
para fazer qualquer mudança. -
14:01 - 14:04Têm que aprender a aceitá-las
-
14:04 - 14:07e a pouco e pouco transformar isso
em energia positiva. -
14:07 - 14:08É difícil.
-
14:09 - 14:11Muitos não conseguem,
-
14:11 - 14:15mas para os que conseguem,
não há trabalho como este. -
14:16 - 14:18Podemos ver a diferença
que fazemos todos os dias. -
14:20 - 14:23Os trabalhadores humanitários
conhecem os riscos que correm -
14:23 - 14:27nas áreas de conflito
ou em ambientes pós-conflito, -
14:28 - 14:35Mas a nossa vida, o nosso trabalho,
está a tornar-se cada vez mais ameaçador. -
14:35 - 14:38Asantidade da nossa vida
está a desaparecer. -
14:40 - 14:42Sabem que, desde o milénio,
-
14:42 - 14:46tripliou o número de ataques
aos trabalhadores humanitários? -
14:47 - 14:51O ano de 2013 bateu um novo recorde:
-
14:51 - 14:54115 colegas mortos,
-
14:54 - 14:57171 gravemente feridos,
-
14:58 - 15:00134 raptados.
-
15:02 - 15:04Tantas vidas destroçadas.
-
15:05 - 15:11Até ao início da guerra civil na Somália
no final dos anos 80, -
15:11 - 15:14os trabalhadores humanitários
por vezes eram vítimas -
15:14 - 15:16do que se chama danos colaterais
-
15:16 - 15:20mas, de modo algum,
eram o alvo desses ataques. -
15:20 - 15:22Tudo isso mudou.
-
15:22 - 15:23Olhem para esta imagem.
-
15:23 - 15:26Bagdade, agosto de 2003:
-
15:26 - 15:2824 colegas foram mortos.
-
15:29 - 15:34Longe vão os dias em que
a bandeira azul das NU ou a Cruz Vermelha -
15:34 - 15:35nos protegia automaticamente.
-
15:36 - 15:39Os grupos de criminosos
e alguns grupos políticos -
15:39 - 15:42multiplicaram-se nos últimos 20 anos
-
15:42 - 15:45e criaram esta espécie de híbridos
-
15:45 - 15:48com quem não há hipótese de comunicação.
-
15:48 - 15:54Os princípios humanitários são testados,
questionados e muitas vezes ignorados -
15:54 - 15:58mas, talvez ainda mais importante,
abandonámos a procura da justiça. -
15:58 - 16:02Parece não haver nenhumas consequências
-
16:02 - 16:05para os ataques contra
os trabalhadores humanitários. -
16:05 - 16:10Depois da minha libertação, disseram-me
para não tentar nenhuma forma de justiça. -
16:10 - 16:13"Não lhe serve de nada",
foi o que me disseram. -
16:13 - 16:17Mais, "Vai pôr em perigo
a vida de outros colegas". -
16:18 - 16:21Levei anos para ver a condenação
-
16:21 - 16:26de três pessoas associadas ao meu rapto,
-
16:26 - 16:28mas foi a exceção.
-
16:28 - 16:32Não houve justiça para nenhum
dos trabalhadores humanitários -
16:32 - 16:37mortos ou raptados na Chechénia
entre 1995 e 1999 -
16:37 - 16:39e o mesmo se passa em todo o mundo.
-
16:41 - 16:43Isto é inaceitável.
-
16:43 - 16:44Isto é indesculpável.
-
16:44 - 16:47Os ataques aos trabalhadores humanitários
-
16:47 - 16:50são crimes de guerra
segundo a lei internacional. -
16:50 - 16:52Esses crimes não deviam ficar impunes.
-
16:52 - 16:55Temos que pôr fim
a este ciclo de impunidade. -
16:55 - 16:59Temos que considerar que estes ataques
contra os trabalhadores humanitários -
16:59 - 17:01são ataques contra a própria humanidade.
-
17:02 - 17:04Isto enfurece-me.
-
17:06 - 17:11Sei que tenho muita sorte, em comparação
com os refugiados para quem trabalho. -
17:13 - 17:16Não sei o que é ter visto
a minha cidade toda destruída. -
17:16 - 17:20Não seu o que é ver os meus familiares
mortos a tiro à minha frente. -
17:20 - 17:23Não sei o que é perder
a proteção do meu país. -
17:24 - 17:28Também sei que tive muita sorte
em comparação com outros reféns. -
17:29 - 17:32Quatro dias antes
da minha abençoada libertação, -
17:32 - 17:35foram decapitados quatro reféns,
-
17:35 - 17:38a uns quilómetros
de onde eu estava em cativeiro. -
17:39 - 17:40Porquê eles?
-
17:41 - 17:44Porque é que eu estou aqui hoje?
-
17:45 - 17:46A resposta não é fácil.
-
17:49 - 17:52Fui recebido com muito apoio
dos meus familiares, -
17:52 - 17:56de colegas, de amigos,
de pessoas que nem conhecia. -
17:56 - 17:59Ajudaram-me ao longo dos anos,
a sair da escuridão. -
18:00 - 18:04Nem toda a gente foi tratada
com a mesma atenção. -
18:04 - 18:08Quantos dos meus colegas,
depois de um incidente traumático, -
18:08 - 18:10se suicidaram?
-
18:12 - 18:15Eu conhecia nove deles, pessoalmente.
-
18:15 - 18:19Quantos dos meus colegas
passaram por um divórcio difícil -
18:19 - 18:22depois duma experiência traumática
-
18:22 - 18:26porque deixaram de conseguir
explicar à mulher o que quer que fosse? -
18:26 - 18:28Já lhes perdi a conta.
-
18:29 - 18:31Há um preço para este tipo de vida.
-
18:32 - 18:37Na Rússia, todos os monumentos da guerra
têm esta bela inscrição, lá em cima: -
18:37 - 18:41Diz assim: (em russo).
-
18:41 - 18:44"Ninguém é esquecido, nada é esquecido".
-
18:46 - 18:48Eu não esqueço os meus colegas que perdi.
-
18:48 - 18:50Não posso esquecer nada.
-
18:51 - 18:54Peço-vos que se lembrem da sua dedicação
-
18:54 - 18:58e exijam que os trabalhadores humanitários
de todo o mundo -
18:58 - 19:00tenham uma proteção melhor.
-
19:00 - 19:05Não podemos permitir que se apague
a luz da esperança que eles trouxeram. -
19:07 - 19:09Depois da minha libertação,
muitos colegas perguntavam-me: -
19:09 - 19:12"Porque é que continuas?
Porque é que fazes esse trabalho? -
19:12 - 19:15"Porque é que tens que voltar para lá?"
-
19:15 - 19:18A minha resposta foi sempre simples:
-
19:18 - 19:21"Se eu tivesse desistido,
-
19:21 - 19:25"isso significaria
que o meu raptor tinha ganho. -
19:25 - 19:27"Teria ficado com a minha alma
-
19:27 - 19:29"e a minha humanidade".
-
19:29 - 19:31Obrigado.
-
19:31 - 19:34(Aplausos)
- Title:
- Fui refém durante 317 dias. Isto é aquilo em que pensava...
- Speaker:
- Vincent Cochetel
- Description:
-
Vincent Cochetel foi mantido refém durante 317 dias em 1998, quando estava a trabalhar para o Alto Comissário das NU para os Refugiados, na Chechénia. Pela primeira vez, recorda essa experiência — desde o que era viver na escuridão, numa câmara subterranean, acorrentado à cama, até às conversas inesperadas que teve com os seus captores. Com lirismo e força, explica porque é que continua o seu trabalho. A partir de 2000, os ataques aos trabalhadores humanitários triplicaram — e ele interroga-se se isso não será um sinal que o mundo deva ter em conta.
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 19:47
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for I was held hostage for 317 days. Here's what I thought about… | ||
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