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Incomodada é o meu status permanente | Priscila Gama | TEDxUFTM

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    A primeira vez que eu vi um TED,
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    pensei: "Eu quero fazer isso!"
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    Eu olhei e pensei:
    "Ainda vou fazer isso!",
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    sem ter ideia do que ia
    me trazer até aqui.
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    Quando o convite chegou,
    eu fiquei superanimada
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    por ter mais um item riscado
    na lista de coisas que eu quero fazer.
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    Chegou a hora de decidir sobre o que falar
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    e eu girei em torno disso por semanas,
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    até entender que o que me trouxe aqui
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    foi a minha história.
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    Uma vez me perguntaram
    se eu gostava do Natal
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    e eu falei que sim, que não achava
    o Natal uma coisa ruim,
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    só achava um pouco triste.
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    E aí é que está, não é que a minha
    história seja completamente triste,
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    mas tudo que me transformou até hoje,
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    ou é resultado de alguma
    coisa que deu errado
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    ou de alguma coisa que é,
    de certa forma, triste.
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    Por isso, talvez, eu nunca
    tenha enxergado a tristeza
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    como algo que é só ruim.
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    Há uma grande vantagem em ser
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    uma criança silenciada.
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    Eu nunca fui uma criança...
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    Perdi a palavra.
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    Eu sempre fui uma criança introspectiva.
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    Eu tenho poucas fotos minhas
    antes dos cinco anos,
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    talvez umas dez,
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    e, em nenhuma delas, eu apareço sorrindo.
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    Minha mãe fala que eu não sorria
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    porque eu já sabia que viver é difícil.
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    E há uma grande vantagem
    em ser uma criança assim.
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    Você se torna expert em observar pessoas
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    e interpretar reações.
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    Isso é quase que uma habilidade
    de ler pensamento.
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    Então eu consigo saber
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    se alguma coisa está estranha
    até em conversa por texto.
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    E eu digo criança silenciada
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    porque hoje eu sei que não era timidez.
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    Claro que estou tensa por estar aqui
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    exposta ao julgamento de 100 pessoas,
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    mas não é timidez.
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    Embora a minha família
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    nunca tenha acumulado posses,
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    meu pai sempre fez questão
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    de morar perto do centro.
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    Então eu cresci num bom bairro,
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    porque ele não queria depender
    de transporte público.
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    Então eu estudei numa boa escola estadual,
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    depois eu ganhei bolsa de estudos
    numa escola particular,
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    bolsa de estudos de inglês,
    bolsa de estudos no cursinho
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    e até morei e comi com bolsa de estudos
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    na universidade federal.
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    Talvez por isso, hoje,
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    eu ache um pouco estranho pagar conta,
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    mas também sinto uma certa
    satisfação em fazer isso.
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    Não de ver o dinheiro indo embora,
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    mas de saber que eu tenho o dinheiro
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    pra pagar as minhas contas.
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    E todas essas bolsas estão relacionadas
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    a um aprendizado que meus pais,
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    talvez sem perceber, me deixaram:
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    "Pra cada não que, com certeza,
    você vai receber,
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    tenha laços com alguém que traga o sim".
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    Na maior parte da minha adolescência,
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    meus pais não tinham dinheiro,
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    mas eles conheciam pessoas.
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    Minha mãe poderia dar aulas
    de networking com base em empatia.
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    E ela nunca foi a uma reunião
    minha na escola,
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    mas todas as vezes
    que ela foi até a escola
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    é porque eu estava sofrendo bullying.
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    Essa palavra não existia na época,
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    pelo menos não aqui no Brasil.
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    E é uma pena, porque problema
    que não tem nome não existe.
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    Não tem por que buscar solução
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    pra problema que não existe.
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    Lembro que, quando eu tinha uns oito anos,
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    a professora pediu pra eu buscar
    um copo de água pra ela.
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    Quando eu voltei, ela estava
    passando sermão na turma
  • 3:51 - 3:53
    pelas situações que eu estava
    vivendo dentro da sala.
  • 3:53 - 3:55
    Eu não entrei!
  • 3:55 - 3:56
    Eu fiquei do lado de fora,
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    esperando ela terminar sem que me vissem.
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    Ela terminou com: "Nós todos
    vamos morrer e virar pó".
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    Desde então, passou
    a me incomodar muito ser o assunto.
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    Uma coisa que me incomodava muito,
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    uma frase que me incomodava muito era:
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    "Nós estávamos falando de você".
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    Eu sou filha do meio, de dois irmãos,
  • 4:22 - 4:24
    e eu perdi as contas
  • 4:24 - 4:27
    de quantas vezes ouvi minha mãe falar:
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    "Vocês não são diferentes de ninguém.
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    Tudo que eles podem, vocês podem".
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    Na época, eu percebia
    que alguma coisa na primeira frase
  • 4:36 - 4:39
    contradizia a segunda e vice-versa,
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    mas eu não entendia o quê.
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    Hoje, eu sei que,
    se existe nós e existe eles,
  • 4:45 - 4:47
    nós éramos diferentes, sim.
  • 4:47 - 4:49
    Nós só não éramos piores
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    como queriam que a gente acreditasse.
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    Eu e minha irmã sempre gostamos
    de uma certa boneca,
  • 4:57 - 5:00
    que era caríssima na época.
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    Então eu tinha uma, ela tinha outra,
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    e a gente tinha o marido
    de cada uma delas.
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    As nossas bonecas,
    em todas as brincadeiras,
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    sempre eram muito independentes,
  • 5:12 - 5:14
    eram executivas,
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    e o marido não tinha nome,
    não tinha profissão.
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    O nome era o que vinha
    escrito na caixinha.
  • 5:19 - 5:21
    (Risos)
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    E ninguém ensinou isso
    pra gente lá em casa,
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    mas eu sou de uma família matriarcal,
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    então cresci ouvindo
    as mulheres da minha família
  • 5:29 - 5:34
    dizendo que a gente
    não deveria depender de homens.
  • 5:37 - 5:39
    Acho que eu me perdi um pouco aqui.
  • 5:41 - 5:45
    Um dia, eu cismei
    que a gente tinha que ter
  • 5:45 - 5:48
    uma boneca daquelas
    diferente como a gente.
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    Aí a minha mãe rodou a cidade inteira
  • 5:51 - 5:53
    nas lojas de brinquedo,
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    mas o melhor que ela conseguiu
    foi uma boneca de cabelo marrom.
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    E ela falava. Aquela boneca era caríssima.
  • 6:01 - 6:03
    Eu ainda tenho ela e ela fala.
  • 6:05 - 6:07
    Eu ganhei a minha.
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    Então, com dez anos,
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    eu estava buscando uma coisa
  • 6:11 - 6:14
    que hoje também tem nome:
  • 6:14 - 6:16
    representatividade.
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    Eu cheguei na adolescência
  • 6:19 - 6:22
    e eu me achava
    a menina mais feia do mundo.
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    Eu ouvia piadinha sobre a minha aparência
  • 6:25 - 6:26
    quando eu andava na rua.
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    Eu lembro de rezar perguntando a Deus
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    porque ele não tinha me feito bonita
  • 6:31 - 6:33
    em vez de inteligente.
  • 6:33 - 6:35
    Eu fui estudar numa escola particular
  • 6:36 - 6:38
    e, pra me irritar, os meninos da turma
  • 6:38 - 6:41
    escreviam o meu nome
    junto com o deles no quadro
  • 6:41 - 6:43
    dentro de um coração.
  • 6:43 - 6:47
    Depois de um tempo, eu aprendi
    a só levantar, apagar,
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    e sentar sem falar nada.
  • 6:50 - 6:51
    Aquilo me irritava muito.
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    Pra eles era só brincadeira.
  • 6:54 - 6:57
    Apesar disso, eu sempre fui
    a única da turma
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    que conversava com todo mundo.
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    Eu podia escolher com qual grupo
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    eu ia merendar no recreio.
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    Porque isso de não sentir
    pertencimento tem uma vantagem.
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    Você passa a circular por vários grupos
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    tentando se encontrar.
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    Me perdi de novo.
  • 7:20 - 7:22
    (Risos)
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    Então eu aprendi a conviver
  • 7:29 - 7:32
    em lugares e entre pessoas
  • 7:32 - 7:35
    que às vezes eram hostis comigo.
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    Passada a adolescência, veio o vestibular,
  • 7:41 - 7:43
    e eu estava determinada a entrar
  • 7:43 - 7:45
    na Universidade Federal de Minas Gerais,
  • 7:45 - 7:47
    no curso de Arquitetura e Urbanismo.
  • 7:47 - 7:50
    Eu sempre soube que eu queria
    fazer arquitetura e urbanismo.
  • 7:50 - 7:53
    Meu pai chegava com o jornal
  • 7:53 - 7:56
    e eu corria pra pegar
    o caderno de anúncios
  • 7:56 - 8:02
    e ficava horas em cima das plantas
    dos imóveis e dos prédios.
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    Eu fiz o vestibular e eu não passei.
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    Só dependia de mim, e eu não passei.
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    Aquilo me trouxe
    um sofrimento muito grande,
  • 8:12 - 8:14
    porque eu tinha um plano.
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    Eu cresci no interior,
    então meu plano era:
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    ir pra capital, estudar,
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    voltar pra casa da minha mãe
    no fim de semana
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    e socializar o mínimo possível.
  • 8:24 - 8:26
    E deu errado.
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    Então, no ano seguinte,
  • 8:28 - 8:32
    eu resolvi que faria vestibular
    pra duas universidades,
  • 8:33 - 8:34
    e lembro disto até hoje:
  • 8:34 - 8:37
    por quatro pontos, eu não passei de novo,
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    por quatro pontos na segunda fase
    eu não passei, de novo,
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    na Universidade Federal de Minas Gerais.
  • 8:41 - 8:45
    Mas eu era a primeira na lista de espera
    da Universidade Federal de Viçosa.
  • 8:46 - 8:48
    O que, pra mim, era a mesma coisa
    que não ter passado.
  • 8:48 - 8:52
    Não tinha glória em estar
    numa lista de espera.
  • 8:52 - 8:54
    Tudo que eu queria era
    que não me chamassem
  • 8:54 - 8:58
    porque ficava a seis horas
    de distância da casa da minha mãe
  • 8:58 - 9:01
    e eu não ia conseguir
    executar o meu plano.
  • 9:01 - 9:03
    Mas me chamaram.
  • 9:03 - 9:07
    Essa foi a primeira grande
    virada da minha vida.
  • 9:10 - 9:13
    Eu entrei e, nos primeiros três meses,
  • 9:13 - 9:15
    eu só conseguia pensar
  • 9:15 - 9:18
    em quando eu poderia pedir transferência.
  • 9:19 - 9:24
    Depois de três meses, eu percebi
    que não era tão ruim assim.
  • 9:25 - 9:28
    Depois de um tempo, eu percebi
    que ninguém se importava muito
  • 9:28 - 9:34
    se você era alto, magro, obeso,
    inteligente, não tão inteligente.
  • 9:34 - 9:37
    As pessoas eram muito diferentes entre si
  • 9:37 - 9:41
    e todo mundo conversava muito
    entre todo mundo,
  • 9:41 - 9:43
    com todo mundo, sobre qualquer assunto
  • 9:43 - 9:45
    porque não era uma opção.
  • 9:45 - 9:48
    Noventa por cento
    dos alunos lá são de fora,
  • 9:48 - 9:50
    estão a quilômetros de distância de casa.
  • 9:51 - 9:53
    Depois de um tempo, percebi
  • 9:53 - 9:57
    que, dali, sairiam os melhores amigos
    que eu poderia ter na vida.
  • 9:57 - 10:00
    E que, depois de cinco anos,
    eu não seria a mesma.
  • 10:00 - 10:03
    Realmente, são os melhores amigos
    que eu tenho na vida.
  • 10:04 - 10:06
    A gente está completando
    dez anos de formados hoje
  • 10:06 - 10:09
    e ninguém acredita,
    quando a gente se reúne,
  • 10:09 - 10:12
    que aquela turma é a turma de faculdade,
  • 10:12 - 10:14
    porque nós somos muito diferentes.
  • 10:14 - 10:17
    Então é pouco provável
    que nós nos tornaríamos amigos
  • 10:17 - 10:20
    fora daquele contexto.
  • 10:20 - 10:22
    E, de fato, eu nunca mais fui a mesma.
  • 10:24 - 10:28
    Eu aprendi a conviver bem
    com o defeito dos outros
  • 10:28 - 10:31
    e, se eu podia conviver bem
    com o defeito dos outros,
  • 10:31 - 10:34
    por que eu não poderia
    conviver bem com os meus?
  • 10:34 - 10:36
    Aqueles que eu enxergava como defeito
  • 10:36 - 10:40
    e aqueles que a sociedade
    me apontava como defeito.
  • 10:41 - 10:44
    Eu cheguei à conclusão
    de que eu não precisava ser perfeita,
  • 10:44 - 10:46
    eu não precisava ser completa,
  • 10:46 - 10:49
    eu não precisava sorrir sem querer,
  • 10:49 - 10:52
    só porque as pessoas achavam
    que eu era séria demais,
  • 10:52 - 10:54
    e eu não precisava deixar o meu cabelo
  • 10:54 - 10:57
    como as pessoas esperavam
    que ele deveria estar.
  • 10:58 - 10:59
    Eu me formei
  • 10:59 - 11:01
    e voltei pro interior,
    pra cidade da minha mãe,
  • 11:01 - 11:03
    pra trabalhar com projeto arquitetônico.
  • 11:03 - 11:06
    Eu trabalhei com projeto por seis anos.
  • 11:07 - 11:09
    Eu ainda sou apaixonada
    por projeto arquitetônico,
  • 11:09 - 11:13
    mas, depois de um tempo, aquilo
    parou de fazer sentido pra mim.
  • 11:14 - 11:17
    Meu trabalho não tinha o poder
    de impactar a vida das pessoas
  • 11:17 - 11:20
    da forma que eu desejava e esperava.
  • 11:20 - 11:22
    Eu trabalhava, na maior parte do tempo,
  • 11:22 - 11:25
    com residências de alto padrão.
  • 11:26 - 11:29
    Eu tinha, de forma frequente,
    na minha cabeça,
  • 11:29 - 11:31
    uma frase que um tio me falou
  • 11:34 - 11:36
    pouco depois que eu me formei
    e fui contar pra ele
  • 11:36 - 11:38
    que meu trabalho era muito elogiado.
  • 11:39 - 11:42
    Ele falou pra mim:
    "O bom, pra você, não é suficiente".
  • 11:43 - 11:47
    Ele não quis dizer
    que eu merecia algo melhor.
  • 11:47 - 11:50
    Ele quis dizer que eu teria
    que fazer sempre muito melhor,
  • 11:50 - 11:52
    se eu quisesse sair do lugar.
  • 11:53 - 11:56
    Eu resolvi fazer um concurso público,
  • 11:56 - 11:58
    eu passei,
  • 11:58 - 12:01
    e essa foi a segunda grande
    virada da minha vida.
  • 12:02 - 12:04
    Eu fui morar em Belo Horizonte,
  • 12:04 - 12:05
    fui morar sozinha,
  • 12:05 - 12:08
    e fui trabalhar numa instituição
    onde eu acreditava muito
  • 12:08 - 12:12
    que eu poderia impactar
    a vida de muita gente.
  • 12:12 - 12:17
    Mas, depois de um ano, eu percebi
    que eu não ia conseguir fazer aquilo,
  • 12:17 - 12:19
    mas eu tinha tempo livre
  • 12:19 - 12:22
    pra buscar a transformação fora dali.
  • 12:22 - 12:25
    Então eu comecei a procurar por coisas
  • 12:25 - 12:28
    que fizessem sentido pra mim.
  • 12:28 - 12:31
    Hoje, eu sei que não é a gente
    que encontra o sentido,
  • 12:31 - 12:35
    as coisas que fazem sentido
    é que encontram a gente.
  • 12:35 - 12:38
    Num intervalo muito curto de tempo,
  • 12:38 - 12:40
    eu fui convidada a conhecer uma jovem
  • 12:40 - 12:44
    que tinha colocado
    todo o dinheiro da sua formatura
  • 12:44 - 12:47
    numa plataforma virtual
  • 12:47 - 12:49
    pra que as pessoas pudessem,
    de forma gratuita,
  • 12:49 - 12:51
    trocar habilidade e conhecimento
  • 12:51 - 12:54
    depois de se conhecer nessa plataforma.
  • 12:54 - 12:58
    Eu ouvi de madrugada uma mulher correndo,
  • 12:58 - 13:00
    gritando, aos prantos,
  • 13:01 - 13:03
    porque ela estava sendo
    perseguida por um homem
  • 13:03 - 13:07
    e uma padaria abriu
    a porta pra ela entrar.
  • 13:07 - 13:10
    E eu li, na internet,
    um relato de violência sexual
  • 13:10 - 13:12
    que me deixou dormindo muito mal
  • 13:12 - 13:16
    e me fez acordar com a certeza
    de que algo deveria ter sido feito
  • 13:17 - 13:19
    pra que alguém pudesse
    ter estado lá por ela,
  • 13:20 - 13:23
    e por outras mulheres,
    pra que elas pudessem ser livres
  • 13:23 - 13:25
    pra realizar o sonho
    de mudar a vida de alguém
  • 13:25 - 13:28
    como aquela jovem que eu tinha conhecido.
  • 13:28 - 13:31
    E, na época, eu não via impedimento
    pra que eu fizesse alguma coisa.
  • 13:32 - 13:35
    Eu liguei pra minha irmã, logo cedo,
  • 13:35 - 13:38
    e falei pra ela:
    "Eu já sei o que eu quero fazer!
  • 13:38 - 13:41
    Eu quero construir algo
    que seja maior que eu".
  • 13:43 - 13:45
    Eu me inscrevi num evento,
  • 13:46 - 13:48
    pensei num aplicativo,
  • 13:48 - 13:49
    pensei numa história,
  • 13:51 - 13:53
    e fui pro evento sem conhecer ninguém.
  • 13:53 - 13:57
    Todo mundo era da área
    de tecnologia, business ou design.
  • 13:58 - 14:00
    E eu hesitei até o último segundo
  • 14:00 - 14:02
    em subir no palco pra tentar
    convencer aquelas pessoas
  • 14:02 - 14:04
    de que eu tinha uma boa ideia.
  • 14:04 - 14:06
    Eu me convenci falando pra mim mesma:
  • 14:06 - 14:11
    "Você passou seis anos fazendo
    as pessoas pagarem por suas ideias.
  • 14:11 - 14:12
    Então sobe lá!"
  • 14:13 - 14:16
    Eu subi, contei uma história
  • 14:16 - 14:18
    e terminei com:
  • 14:18 - 14:23
    "Sabe aquele pedido
    de: 'Quando chegar, avisa'?
  • 14:23 - 14:26
    Quem é que avisa se a gente não chega?"
  • 14:27 - 14:30
    E essa foi a terceira grande
    virada da minha vida,
  • 14:30 - 14:32
    que é a Malalai.
  • 14:33 - 14:36
    Nós surgimos como um aplicativo,
  • 14:36 - 14:39
    fomos informados de que somos uma startup
  • 14:40 - 14:42
    e o que eu espero hoje é que ela seja,
  • 14:42 - 14:44
    acima de tudo, um movimento.
  • 14:46 - 14:50
    Eu sou mulher, negra,
    arquiteta e urbanista,
  • 14:50 - 14:52
    empreendendo na área de tecnologia,
  • 14:52 - 14:56
    querendo combater um dos silêncios
    mais ensurdecedores que existem,
  • 14:56 - 14:58
    que é a violência sexual.
  • 14:58 - 15:01
    Eu estou cinco vezes fora da casinha.
  • 15:02 - 15:04
    Eu não precisei falar de gênero e cor
  • 15:04 - 15:07
    pra que vocês entendessem
    tudo o que está por trás
  • 15:07 - 15:11
    de todas essas histórias
    que eu contei aqui.
  • 15:14 - 15:17
    As pessoas ficam surpresas de ver
  • 15:17 - 15:21
    o ponto em que nós conseguimos
    chegar com essa solução.
  • 15:21 - 15:23
    Eu não sou da área de tecnologia,
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    o Henrique, que é meu sócio,
    não desenvolvia aplicativos,
  • 15:28 - 15:33
    e somos só nós dois, mesmo,
    sem investimento.
  • 15:34 - 15:37
    E realmente o dinheiro é pouco.
  • 15:37 - 15:39
    A maior parte sai do meu bolso,
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    mas eu tenho um trunfo.
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    Eu conheço pessoas.
  • 15:46 - 15:49
    Desde que tudo isso
  • 15:50 - 15:52
    começou,
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    eu ouvi cinco relatos, pessoalmente,
  • 15:56 - 15:59
    eu ouvi cinco relatos
  • 15:59 - 16:01
    de ataques
  • 16:02 - 16:05
    e tentativas de estupro
  • 16:06 - 16:07
    e estupro.
  • 16:08 - 16:12
    Eu fui abraçada por incontáveis mulheres
  • 16:12 - 16:14
    que eu nunca vi.
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    Logo eu, a menina de cara fechada
    que não ri fácil.
  • 16:21 - 16:23
    Eu tenho pra mim que,
  • 16:23 - 16:25
    se nada sair como planejado,
  • 16:25 - 16:27
    porque é claro que eu tenho sonho grande
  • 16:27 - 16:30
    pro que a gente está construindo,
  • 16:30 - 16:33
    mas, se nada sair como o planejado,
  • 16:33 - 16:37
    a gente precisa garantir
    que está deixando um rastro positivo.
  • 16:39 - 16:41
    As pessoas não querem ouvir
  • 16:41 - 16:44
    que, a cada 11 minutos,
    uma mulher é estuprada no Brasil.
  • 16:45 - 16:47
    É desconfortável, não é cômodo.
  • 16:49 - 16:53
    O que faço hoje não é confortável
    pra mim também,
  • 16:54 - 16:55
    mas está tudo bem,
  • 16:55 - 16:59
    porque incomodada é meu status permanente.
  • 17:01 - 17:05
    Eu ouvi de uma mulher,
  • 17:05 - 17:06
    diferente como eu,
  • 17:07 - 17:09
    uma frase que me faz pensar
  • 17:09 - 17:12
    que, se nada sair como planejado,
    ainda terá valido a pena.
  • 17:14 - 17:16
    Ela falou pra mim:
  • 17:18 - 17:20
    "Obrigada!
  • 17:20 - 17:24
    Descobri que não posso aceitar ser menos
    do que o melhor que eu posso ser".
  • 17:26 - 17:30
    Isso me mostra que ser
    exatamente quem eu sou
  • 17:30 - 17:34
    e falar a verdade
    que as pessoas não querem ouvir
  • 17:34 - 17:36
    é revolucionário.
  • 17:38 - 17:40
    Desde que tudo isso começou,
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    se eu disser que eu conheci 100 pessoas,
  • 17:44 - 17:49
    cerca de 80 delas estão
    trabalhando pra mudar processos.
  • 17:50 - 17:54
    Mais ou menos 20 pessoas
    enxergam diferente,
  • 17:54 - 17:56
    mas enxergar diferente não é suficiente,
  • 17:56 - 17:58
    você precisa fazer diferente.
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    E essas são cerca de cinco.
  • 18:01 - 18:04
    E é dessas pessoas
    que eu gosto de estar perto.
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    Essas cinco.
  • 18:05 - 18:08
    Talvez elas não enriqueçam tão rápido,
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    talvez elas não saibam
    como o que elas fazem vai virar dinheiro,
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    mas elas têm a certeza de que o caminho
    é trabalhar pra mudar pessoas.
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    A minha batalha pessoal
    é pra que meninas saibam
  • 18:23 - 18:26
    que as mulheres têm um poder transformador
  • 18:26 - 18:28
    enorme nas mãos.
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    E que, quando elas resolvem agir,
  • 18:31 - 18:34
    isso tem um impacto enorme
    em todo mundo
  • 18:34 - 18:36
    que está em volta delas.
  • 18:36 - 18:37
    O meu fim é a segurança,
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    mas o meu meio é a liberdade.
  • 18:42 - 18:44
    Isso não é só sobre segurança.
  • 18:45 - 18:47
    É sobre a liberdade de ir até ali,
  • 18:47 - 18:50
    fazer o que tem que ser feito
    pra mudar o mundo
  • 18:51 - 18:55
    e voltar inteira, sozinha, se for preciso.
  • 18:56 - 18:58
    Eu espero, profundamente,
  • 18:58 - 19:01
    que o futuro seja feminino,
  • 19:01 - 19:03
    porque isso se traduz
    num futuro mais humano.
  • 19:04 - 19:05
    Obrigada!
  • 19:05 - 19:08
    (Aplausos) (Vivas)
Title:
Incomodada é o meu status permanente | Priscila Gama | TEDxUFTM
Description:

A cada 11 minutos uma mulher sofre violência sexual no Brasil. Indignada com os relatos da campanha #meuprimeiroassedio e visando a diminuir urgentemente este número gritante, a arquiteta Priscila Gama, de Divinópolis - MG, formada pela Universidade Federal de Viçosa, criou a Malalai, startup que desenvolve tecnologia para prover segurança pessoal às mulheres. Afinal, mulheres sem medo mudam o mundo.

Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizada de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais visite https://www.ted.com/tedx

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Video Language:
Portuguese, Brazilian
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
19:14

Portuguese, Brazilian subtitles

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