Sobre viver! | Ricardo Trajano | TEDxCentroUniversitárioNewtonPaiva
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0:10 - 0:13A única pessoa
que não deveria estar aqui sou eu. -
0:14 - 0:18Eu fui declarado morto
no dia 11 de julho de 1973. -
0:19 - 0:22Esse comunicado com uma tarja preta,
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0:22 - 0:25estava pregado no mural da minha faculdade
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0:25 - 0:26e dizia o seguinte:
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0:26 - 0:30"A Universidade Católica de Petrópolis
comunica com pesar -
0:31 - 0:35o falecimento do aluno
do curso de engenharia, Ricardo Trajano, -
0:36 - 0:38no desastre aéreo da Varig,
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0:38 - 0:42ocorrido em Paris
no dia 11 de julho passado". -
0:43 - 0:47A primeira notícia é que não havia
nenhum passageiro sobrevivente nesse voo. -
0:48 - 0:52Era um Boeing 707 da Varig
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0:52 - 0:54que partiu do Rio de Janeiro
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0:55 - 0:59faria uma escala em Paris
e chegaria ao seu destino que era Londres. -
1:00 - 1:04Os jornais já tinham publicado a notícia
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1:05 - 1:07as rádios, a televisão,
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1:07 - 1:10e foi essa a notícia
que a minha família recebeu. -
1:11 - 1:15Foi uma tragédia: 123 mortos...
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1:16 - 1:17E era desesperador,
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1:18 - 1:22porque meu pai já estava
encomendando meu sepultamento. -
1:22 - 1:26E minha mãe, por motivos não naturais,
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1:26 - 1:28não acreditava.
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1:29 - 1:31Mas como vocês estão vendo,
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1:31 - 1:32eu não morri.
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1:33 - 1:36Eu fui o único passageiro
sobrevivente nesse voo. -
1:36 - 1:39Eu costumo dizer que eu estou no lucro
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1:39 - 1:42e no crédito da vida
há muitos e muitos anos. -
1:43 - 1:45Mas eu não apenas sobrevivi,
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1:46 - 1:49eu comecei a pensar muito sobre a vida,
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1:50 - 1:55sobre os meus relacionamentos
e principalmente nos valores de vida. -
1:56 - 1:57Eu tinha 21 anos,
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1:59 - 2:02era minha primeira viagem,
o meu sonho era conhecer Londres. -
2:03 - 2:05O avião lotado,
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2:06 - 2:08o voo tranquilo.
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2:08 - 2:11E faltando cerca de 5 minutos
para chegar na escala em Paris -
2:12 - 2:13no aeroporto de Orly,
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2:14 - 2:17eu estava sentado lá atrás,
lá no fundo, na penúltima fileira, -
2:18 - 2:23e atrás de mim começou uma fumaça
pequena, na projeção da toalete. -
2:23 - 2:25O comissário foi lá.
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2:25 - 2:28E eu, por puro instinto, impulso,
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2:28 - 2:30tirei meu cinto
e fui andando para a frente. -
2:31 - 2:34Todos os passageiros
permaneceram sentados. -
2:35 - 2:37E quando eu cheguei lá na frente,
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2:37 - 2:40lá não tinha ainda
o menor sinal de fumaça, -
2:40 - 2:43o comissário-chefe me viu
e me deu uma bronca: -
2:43 - 2:46"Pô, garoto, o que você
está fazendo aí em pé, cara? -
2:46 - 2:48Você não está vendo
que o avião está chegando? -
2:48 - 2:53É proibido você ficar aqui,
volta imediatamente pro seu lugar". -
2:54 - 2:56Eu olhei para a cara dele,
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2:56 - 2:58parecia que não estava falando comigo.
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2:59 - 3:03Na verdade, eu desobedeci, literalmente,
a ordem dele, eu transgredi! -
3:04 - 3:06E continuei andando, cheguei lá na frente.
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3:07 - 3:11Tinha dois comissários
na divisória da cabine, em pé, -
3:12 - 3:14desesperados, gritando,
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3:14 - 3:20porque a fumaça, ela foi muito rápida,
ela já tinha tomado conta de todo o avião. -
3:19 - 3:21ela estava lá na frente também.
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3:22 - 3:26E era uma fumaça
negra, preta, tóxica, densa. -
3:27 - 3:29Parecia fumaça de pneu queimando, sabe?
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3:30 - 3:33E quando fui ver os comissários novamente,
não consegui vê-los. -
3:35 - 3:38Muito escuro, e percebi
que eles tinham parado de gritar. -
3:38 - 3:40Provavelmente já estavam morrendo.
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3:40 - 3:43E fiquei encostado na divisória, também.
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3:43 - 3:46Não enxergava um palmo na minha frente.
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3:46 - 3:48Parecia que eu estava debaixo da terra.
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3:49 - 3:51E aí me veio a sensação da morte.
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3:51 - 3:55Veio um flashback na minha cabeça,
aquele filme em fração de segundos. -
3:56 - 3:59Eu me despedindo da vida,
meus amigos, minha família, -
3:59 - 4:01e senti a morte me abraçando.
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4:02 - 4:04Nesse momento, o avião inclinou muito.
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4:05 - 4:09Eles estavam procurando, na verdade,
um pouso para fazer, -
4:09 - 4:12porque se eles continuassem
até o aeroporto, -
4:12 - 4:14provavelmente ele poderia explodir no ar,
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4:15 - 4:18e a cabine de comando
já estava cheia de fumaça, também. -
4:18 - 4:21Eles não enxergavam mais os instrumentos.
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4:21 - 4:25E aí, de repente, fizeram um pouso forçado
numa plantação de cebolas. -
4:25 - 4:28E assim que eles fizeram o pouso,
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4:28 - 4:29pararam o avião,
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4:29 - 4:31eu apaguei,
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4:32 - 4:34perdi os sentidos,
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4:34 - 4:36e o teto todo do avião
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4:38 - 4:40foi caindo em chamas.
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4:41 - 4:44Aquelas placas,
aquela fuselagem do avião, do teto, -
4:44 - 4:47foi caindo em cima de todas as pessoas,
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4:47 - 4:51carbonizando todas as pessoas,
queimando todas as pessoas. -
4:52 - 4:56E caiu uma placa grande nas minhas costas;
eu estava desacordado e não senti. -
4:56 - 4:59E aí eu queria abrir só um parêntese
para contar uma coisa. -
4:59 - 5:02Uns anos atrás,
eu encontrei com um amigo meu, -
5:04 - 5:07ele tem um lado espiritual fortíssimo,
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5:07 - 5:09ele lê muito.
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5:09 - 5:10Ele é um cara fora da curva.
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5:12 - 5:15E aí ele queria saber
esses momentos de aflição que eu passei, -
5:15 - 5:16que falei há pouco para vocês,
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5:16 - 5:19e falei: "Puxa, eu senti
a morte me abraçando". -
5:19 - 5:22Ele falou: "Ricardo, não era
a morte te abraçando, cara, -
5:22 - 5:24era a vida te protegendo!"
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5:27 - 5:31Eu dei um abraço nele, emocionado,
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5:31 - 5:37e falei: "Cara, eu fiquei esses anos todos
pensando que era a morte me abraçando, -
5:37 - 5:39e você vem aqui e me desmonta,
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5:39 - 5:42me fala a pura realidade, cara,
era a vida me protegendo. -
5:43 - 5:44Que coisa mais linda!"
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5:45 - 5:47E aí, eu dei entrada no hospital.
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5:48 - 5:50cheguei no hospital sem roupa.
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5:51 - 5:54e me confundiram com um comissário,
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5:54 - 5:56o Sérgio Balbino.
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5:56 - 5:58Meu porte físico
era muito parecido com o dele, -
5:58 - 6:02então eu era o Sérgio Balbino
e o Ricardo tinha morrido. -
6:03 - 6:05A primeira notícia
que foi para o Brasil foi essa, -
6:05 - 6:07minha família desesperada,
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6:08 - 6:11minha mãe era a única
que acreditava que eu estava vivo. -
6:12 - 6:14E aí eu fiquei 30 horas em coma.
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6:15 - 6:18Nesse período todo que eu fiquei em coma,
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6:19 - 6:23pedi uma folha de papel e uma caneta,
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6:24 - 6:29e eu, desacordado,
com uma letra tremida de criança, -
6:29 - 6:34coloquei o nome do meu pai,
telefones, endereço. -
6:35 - 6:38Eu psicografei esse bilhete,
eu estava desacordado. -
6:38 - 6:42Os caras pegaram esse bilhete,
foram na lista de tripulantes -
6:43 - 6:45e não acharam o meu nome.
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6:45 - 6:48E aí foram na lista de passageiros
apenas para dar uma checada, -
6:49 - 6:52e de repente veem meu nome lá:
Ricardo Trajano. Mas como? -
6:52 - 6:56Como que esse passageiro estava
lá na frente junto com os comissários? -
6:56 - 7:00E os passageiros todos sentados
e mortos nas poltronas? -
7:01 - 7:03Imediatamente a Varig liga lá para casa:
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7:04 - 7:07"Olha, nós queríamos comunicar
que seu filho..." -
7:07 - 7:08meu pai atendeu o telefone,
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7:09 - 7:12"nós queríamos comunicar
que se filho está mal -
7:13 - 7:14mas está vivo".
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7:15 - 7:17Gente, de um velório
que estava lá em casa, -
7:17 - 7:20virou uma grande festa!
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7:21 - 7:24Minha mãe se levantou do sofá,
apontou para todo mundo e falou: -
7:24 - 7:26"Eu não falei que meu filho estava vivo?"
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7:26 - 7:28(Risos)
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7:29 - 7:32Eu acordei depois dessas 30 horas,
que eu estava em coma, -
7:32 - 7:35acordei no hospital
não entendendo absolutamente nada, -
7:36 - 7:40todo entubado
e sentindo muita dor nas costas. -
7:41 - 7:43Olhei pras minhas costas, toda queimada,
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7:43 - 7:46minhas nádegas, minhas coxas,
-
7:46 - 7:48tudo queimado.
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7:48 - 7:51A primeira reação que eu tive
foi olhar para as minhas mãos, -
7:52 - 7:54colocar a mão no rosto
para ver se estava queimado, -
7:54 - 7:56e examinar meu amigo aqui.
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7:56 - 7:59Olhei, levantei,
estava tudo bonitinho no lugar -
7:59 - 8:01e falei: "Porra, beleza!"
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8:01 - 8:02(Risos)
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8:02 - 8:06Gente, foi um "porra, beleza", na hora,
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8:07 - 8:08me soou tão lírico,
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8:10 - 8:12foi tão espontâneo, sério.
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8:13 - 8:17E foi o momento inicial
de todo um pensamento, -
8:17 - 8:21e uma energia positiva
que caminharam comigo -
8:21 - 8:26ao longo de toda a minha
difícil e lenta recuperação. -
8:27 - 8:29Quanto ao meu estado de saúde,
-
8:29 - 8:31os médicos não me davam
uma semana de vida. -
8:31 - 8:34A minha primeira radiografia
é como se fosse um atestado de óbito, -
8:34 - 8:36radiografia de pulmão.
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8:37 - 8:39Mas desde os primeiros dias de internação
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8:41 - 8:42e já muito debilitado,
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8:43 - 8:45eu procurava extrair,
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8:46 - 8:50dentro daquele ambiente pesado,
conturbado que era um CTI, -
8:51 - 8:54as coisas boas que me rodeavam.
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8:55 - 8:59Eram coisas aparentemente banais,
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9:00 - 9:04mas carregadas de uma força,
de uma energia, de um otimismo, -
9:05 - 9:09que me alimentava enormemente
-
9:10 - 9:16e que me davam forças para lutar pela vida
que parecia estar próxima do fim. -
9:17 - 9:22E essas coisas, eram coisas, tipo,
meus pais faziam cartazes, -
9:23 - 9:26faziam frases escritas com caneta pilot,
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9:26 - 9:27entregavam para a enfermeira.
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9:27 - 9:31Eles não podiam entrar no CTI.
E a enfermeira me mostrava as frases. -
9:31 - 9:36"Vamos lá, Ricardo! Força, Ricardo!
Ricardo, você vai sair dessa!" -
9:36 - 9:38Frases bobas, não é verdade?
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9:38 - 9:41Mas que para mim, ali, naquele momento,
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9:41 - 9:45eram frases cheias de energia, fé,
-
9:46 - 9:48esperança.
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9:48 - 9:50Eu ficava esperando, todo santo dia,
-
9:50 - 9:53ela chegar com uma frase dessas
diferente pra mim. -
9:54 - 9:56Ficava contando as horas no relógio.
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9:56 - 9:58Aquilo era meu alimento.
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9:58 - 10:01Da mesma forma, as cartas que eu recebia.
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10:02 - 10:06Recebia cartas dos meus parentes,
meus amigos, do mundo inteiro, -
10:06 - 10:08cartas de pessoas que eu não conhecia,
me mandando força! -
10:09 - 10:13E as fitas cassete?
Vocês sabem o que é fita cassete? -
10:13 - 10:14O papo é meio pré-histórico aqui.
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10:15 - 10:18Eram fitas que você tinha
e ouvia música, som e tal. -
10:19 - 10:22E eu tinha um gravador cassete,
mas eu não podia ouvir, -
10:22 - 10:23eu estava no meio do CTI.
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10:24 - 10:27E aí tive a ideia
de pegar um estetoscópio, -
10:27 - 10:31colocar ele aqui e a boca do estetoscópio
colocar no gravador. -
10:31 - 10:35E ficava ouvindo música, meus amigos,
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10:35 - 10:38os Rolling Stones, Angie!
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10:39 - 10:40Cara,
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10:41 - 10:43Eu só lamento uma coisa.
-
10:43 - 10:47Não ter tido a ideia
de ter patenteado esse meu invento. -
10:48 - 10:51Eu fui o inventor
do "walkman" hospitalar. -
10:51 - 10:53(Risos)
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10:53 - 10:57De todas essas coisas
que eu falei para vocês agora, -
10:58 - 11:02eu chego à conclusão
de que nós somos seres -
11:03 - 11:06essencialmente simples.
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11:07 - 11:09A nossa natureza é simples.
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11:09 - 11:11Não importa o quanto você tem,
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11:11 - 11:13o quanto você é,
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11:13 - 11:15ou se vem aquele cara para você e fala:
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11:15 - 11:17"Pô meu amigo, você sabe
com quem você está falando?" -
11:17 - 11:20Isso não vale nada, absolutamente nada.
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11:21 - 11:25Nos momentos mais difíceis,
importantes da nossa vida, -
11:26 - 11:29a simplicidade é tudo
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11:30 - 11:32A nossa essência é simples.
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11:34 - 11:37E aí, fiquei três meses hospitalizado.
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11:38 - 11:42Foi um processo lento e gradual,
eu emagreci cerca de 15 quilos. -
11:43 - 11:46Seis meses depois
eu tinha voltado para a faculdade, -
11:49 - 11:51E jogando basquete,
-
11:51 - 11:54e o mais importante, não fiquei
com nenhum tipo de sequela, -
11:54 - 11:56mas me faltava uma única coisa:
-
11:56 - 11:59terminar a minha viagem
que foi interrompida. -
12:01 - 12:06E aí, como bom ariano,
teimoso e cabeça dura como eu sou, -
12:07 - 12:11um ano depois,
eu voltei na mesma agência da Varig, -
12:12 - 12:13(Risos)
-
12:13 - 12:15cheguei para a atendente e falei:
-
12:15 - 12:19"Olha eu gostaria de uma passagem
para Londres com escala em Paris". -
12:19 - 12:22A mulher mandou o preço logo,
e imediatamente eu falei: -
12:22 - 12:23"Não, você não está entendendo.
-
12:23 - 12:24(Risos)
-
12:24 - 12:27Sabe aquele acidente
que teve um ano atrás? -
12:28 - 12:31E sobreviveu apenas um passageiro?
Esse passageiro sou eu. -
12:32 - 12:34Você não acha que a Varig ...
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12:34 - 12:38Eu paguei a minha passagem "cash"
ida e volta para a Varig -
12:38 - 12:40e nem cheguei
na primeira escala da ida! -
12:40 - 12:42(Risos)
-
12:42 - 12:44Você não acha que a Varig
tinha que me dar outra passagem?" -
12:44 - 12:47Ela arregalou os olhos e falou:
"Mas foi você?" -
12:47 - 12:49Me deu um abraço supercarinhoso.
-
12:49 - 12:51Minutos depois,
eu estava com a passagem no bolso. -
12:51 - 12:53A Varig me deu outra passagem.
-
12:53 - 12:57No dia do embarque, eu embarquei
com grande amigo meu, Mauricio Valladares. -
12:58 - 13:04E a Varig soube que nós íamos embarcar
e imediatamente nos deu um "upgrade". -
13:04 - 13:07Não é isso que vocês falam?
Uma primeira classe. -
13:07 - 13:10E aí, já dentro do avião,
-
13:11 - 13:14eles serviam para a gente
antes do avião levantar voo. -
13:14 - 13:20Eles serviam para a gente
uísque, caviar, champanhe, vinho. -
13:21 - 13:22E nós tomando todas!
-
13:23 - 13:24(Risos)
-
13:24 - 13:26Quando o avião decolou,
-
13:26 - 13:31o Mauricio já mamado,
calibrado, falou para mim: -
13:31 - 13:34"Ricardo, é o seguinte,
se você se levantar daí, -
13:34 - 13:37mesmo que você for no banheiro,
vou atrás de você!" -
13:37 - 13:39(Risos)
-
13:41 - 13:43Gente, de todos esses estudos,
-
13:45 - 13:47essas estatísticas que eu vejo,
-
13:48 - 13:53a probabilidade de acontecer
um acidente aéreo é mínima. -
13:54 - 13:58É de um acidente
para cada três milhões de voos, ou seja, -
13:59 - 14:03eu pego uma pessoa, coloco ela para viajar
todos os dias dentro de um avião, -
14:03 - 14:07ela vai precisar de 8,1 mil anos
para que aconteça um acidente com ela. -
14:07 - 14:10Mas eu? Eu estava num desses voos.
-
14:11 - 14:14E algumas pessoas me perguntam:
-
14:14 - 14:16"Pô, Ricardo, mas que destino".
-
14:16 - 14:20E eu prontamente respondo,
eu falo: "Gente, destino? -
14:20 - 14:22Nós construímos o nosso destino, cara".
-
14:23 - 14:26Eu escolhi a minha passagem,
escolhi a companhia aérea, -
14:26 - 14:29escolhi o dia do voo,
escolhi o lugar que foi vital para mim. -
14:29 - 14:32E uma sucessão de coisas
da qual eu fui o protagonista. -
14:33 - 14:35O que quero dizer para você, meu amigo,
-
14:35 - 14:38não adianta você ficar em casa,
de braços cruzados, -
14:38 - 14:42esperando a vida,
acontecer alguma coisa. -
14:42 - 14:46Ou lá numa praia,
debaixo de um lindo coqueiro, -
14:46 - 14:48esperando as coisas caírem do céu.
-
14:48 - 14:51O máximo que vai cair
é um coco na sua cabeça. -
14:52 - 14:56E as pessoas que acreditam
que o destino já está traçado, gente, -
14:56 - 15:00elas olham para os dois lados
antes de atravessar a rua. -
15:01 - 15:05Portanto, eu não me vitimizo,
jamais me vitimizei. -
15:06 - 15:08Tem um pensamento que eu adoro,
que diz o seguinte: -
15:09 - 15:11"Nunca se dê por vencido,
-
15:12 - 15:15porque quando você pensa que tudo acabou,
-
15:16 - 15:18é o momento onde tudo recomeça".
-
15:18 - 15:22E muito em cima disso,
eu tenho certeza absoluta -
15:22 - 15:25que é possível recomeçarmos a vida
-
15:27 - 15:30após uma queda,
literalmente o que aconteceu comigo. -
15:30 - 15:33Após um trauma, após um fracasso,
até mesmo após uma perda. -
15:34 - 15:38Eu, Ricardo, vivo o presente.
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15:39 - 15:43O passado para mim já foi,
já era, não volta mais. -
15:43 - 15:47O futuro, eu não sei o que vai acontecer,
-
15:47 - 15:49não sei o que vai acontecer
amanhã comigo. -
15:49 - 15:51Eu achava que a felicidade,
-
15:51 - 15:53a minha felicidade estava lá
junto com o futuro. -
15:54 - 15:59E eu comecei a perceber
que a minha felicidade está aqui, -
15:59 - 16:02nesse momento, está aqui dentro de mim.
-
16:02 - 16:07Ser feliz não é eu ter uma vida perfeita
ou quase que perfeita. -
16:08 - 16:11Felicidade é só questão de ser!
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16:12 - 16:13Quando eu estava no hospital,
-
16:14 - 16:17eu procurava tomar
o meu melhor remédio todos os dias, -
16:17 - 16:19a minha superdose diária,
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16:19 - 16:23que eram aqueles cartazes dos meus pais,
aquelas fitas, aquelas cartas. -
16:23 - 16:26Eu canalizava aquilo tudo
pra um pensamento só: -
16:26 - 16:29eu vou sair daqui,
eu tenho que sair daqui. -
16:29 - 16:31Sabem para que que eu queria?
-
16:31 - 16:35Para dar um abraço e um beijo
nas pessoas que eu mais amava. -
16:35 - 16:39Isso era o meu combustível de vida,
isso era tudo para mim. -
16:40 - 16:42Hoje eu já sou um sessentão,
-
16:42 - 16:46eu era um engenheiro civil,
agora sou engenheiro "si vira". -
16:47 - 16:50Trabalho com comércio,
tenho que matar um leão todos os dias. -
16:51 - 16:52Mas não desisto.
-
16:52 - 16:57Procuro manter o foco,
ter atitude e tocar essa vida, gente. -
16:57 - 16:59Essa vida,
que isso aqui é um grande palco. -
16:59 - 17:01isso é um grande palco,
nós somos os atores. -
17:02 - 17:04Eu ia adorar se tivesse dois atos,
-
17:04 - 17:07um para poder interpretar,
outro para poder ensaiar. -
17:07 - 17:08Ia ser ótimo, né?
-
17:08 - 17:13Mas a cortina, cara, ela só se fecha
uma vez e acabou o espetáculo! -
17:13 - 17:16A nossa edição é limitada.
-
17:17 - 17:20E avisa para aquele senhor que gosta
de botar o dedo na frente e falar: -
17:20 - 17:23"Você sabe com quem
você está falando?" Lembram? -
17:23 - 17:26Avisa pra ele que ele não leva
nada dessa vida. -
17:26 - 17:29Muito menos a sua arrogância.
-
17:30 - 17:33Eu queria contar um caso
que me marcou muito, -
17:34 - 17:36e me emocionou muito, caso recente,
-
17:36 - 17:38foi com relação a minha mãe,
aquela velha guerreira -
17:38 - 17:40que sempre acreditou que eu estava vivo.
-
17:40 - 17:43Mamãe faleceu dois anos e meio atrás,
-
17:44 - 17:48aos 96 anos de idade, lúcida até o fim.
-
17:49 - 17:52E nos últimos dois meses de vida dela,
ela passou no hospital. -
17:52 - 17:54Ela morava no Rio,
eu moro em Belo Horizonte. -
17:54 - 17:57E sempre que eu podia eu ia lá visitá-la.
-
17:57 - 17:59E numa das últimas vezes
que eu estive com ela, -
17:59 - 18:01ela chegou para mim, me deu um beijinho,
-
18:01 - 18:04eu me despedi.
-
18:04 - 18:07Ela falou assim:
"Ricardo, não vai embora não. -
18:07 - 18:10Eu quero falar uma coisa que nunca falei
na época do seu acidente". -
18:10 - 18:11"Mas o que que foi, mamãe?"
-
18:11 - 18:13É o seguinte:
-
18:13 - 18:16naquele período que as pessoas
não te davam uma semana de vida, -
18:16 - 18:20eu tinha que arrancar
o seu pai do quarto do hotel. -
18:20 - 18:25Nós pegávamos o metrô
e nós íamos te visitar todos os dias. -
18:25 - 18:29Assim que nós saltávamos do metrô,
tínhamos que fazer uma longa caminhada. -
18:29 - 18:34O céu azul, verão e o sol iluminando
minhas mãos o tempo todo. -
18:35 - 18:38Eu ia andando o tempo todo
e o sol iluminando minhas mãos. -
18:38 - 18:41Chegando no hospital,
fechava minhas mãos, -
18:41 - 18:44e chegando o mais próximo de você,
-
18:44 - 18:48abria e transmitia
toda essa energia para você. -
18:49 - 18:53Gente, eu saí aquele dia do quarto,
chorando aos prantos, -
18:54 - 18:56mas com a certeza absoluta
-
18:56 - 18:58que toda essa energia
me acompanha até hoje -
18:59 - 19:00e para o resto da minha vida.
-
19:01 - 19:02Obrigado!
-
19:02 - 19:04(Aplausos)
- Title:
- Sobre viver! | Ricardo Trajano | TEDxCentroUniversitárioNewtonPaiva
- Description:
-
Conheça a história de Ricardo Trajano, que aos 21 anos de idade foi o único passageiro a sobreviver a um acidente de avião que levou 123 vidas.
Nesta palestra, Ricardo fala de sua recuperação física e mental após o acidente, trazendo uma reflexão sobre a retomada de valores e o que realmente importa na vida. Ricardo é pai de duas filhas e descobriu uma nova paixão: fazer palestras para o resto de sua vida.
Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais visite http://ted.com/tedx”.
- Video Language:
- Portuguese, Brazilian
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 19:09