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Title:
A nossa conversa sobre imigração é defeituosa — aqui está como ter uma melhor
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Description:
Como é que o debate de imigração para os EUA se tornou tão fraturante? Nesta palestra informativa, o historiador e escritor Paul A. Kramer mostra como um enquadramento "de dentro vs. de fora" veio a dominar a forma como a população dos EUA fala sobre a imigração — e sugere uma série de novas perguntas que podem remodelar a conversa em torno daqueles cuja vida, direitos e prosperidade são importantes.
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Speaker:
Paul A. Kramer
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Hoje em dia, ouvimos frequentemente
que o sistema de imigração é defeituoso.
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Eu gostaria de defender hoje
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que a nossa conversa sobre imigração
também é defeituosa
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e sugerir alguns meios para que, juntos,
possamos construir uma melhor.
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Para tal fim, vou propor
algumas novas perguntas
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sobre imigração,
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sobre os Estados Unidos
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e sobre o mundo,
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perguntas que podem mover as fronteiras
do debate sobre a imigração.
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Não vou começar com a discussão acesa
que temos hoje em dia,
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enquanto as vidas e o bem-estar
dos imigrantes estão em risco
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nas fronteiras dos EUA
e muito para além delas.
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Em vez disso, vou começar
por mim mesmo, na pós-graduação
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em Nova Jersey, em meados dos anos 90,
estudante apaixonado da história dos EUA
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que é o que ensino atualmente,
como professor
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na Universidade de Vanderbilt,
em Nashville, no Tennessee.
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Quando eu não estava a estudar,
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às vezes, para evitar escrever
a minha dissertação,
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os meus amigos e eu íamos à cidade
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para distribuir panfletos em neon,
protestando contra a legislação
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que estava a ameaçar
retirar os direitos dos imigrantes.
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Os nossos panfletos eram sinceros,
eram bem intencionados,
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estavam factualmente corretos...
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Mas agora eu percebo que eles
também eram um problema.
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O que eles diziam era:
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"Não retirem os direitos dos imigrantes
ao ensino público,
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"aos serviços médicos,
à rede de segurança social.
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"Eles trabalham arduamente.
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"Pagam impostos.
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"São cumpridores da lei.
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"Usam menos os serviços sociais
do que os americanos.
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"Estão dispostos a aprenderem inglês,
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"e os filhos deles prestam serviço militar
aos EUA em todo o mundo."
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Esses são os argumentos
que ouvimos todos os dias.
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Os imigrantes e os seus defensores
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usam-nos quando enfrentam
os que negam os direitos dos imigrantes
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ou que os excluiriam da sociedade.
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Até certo ponto, faz todo o sentido
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que essas seriam o tipo de reivindicações
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a que recorreriam
os defensores dos imigrantes.
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Mas, a longo prazo,
e talvez até a curto prazo,
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eu acho que esses argumentos
podem ser contraproducentes.
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Porquê?
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Porque é sempre uma batalha muito difícil
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defendermo-nos no terreno
do nosso adversário.
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Involuntariamente, os panfletos que
os meus amigos e eu estávamos a distribuir
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e as versões desses argumentos
que ouvimos hoje em dia
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estavam a jogar o jogo anti-imigrante.
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Estávamos a jogar o jogo,
em parte por considerar
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que os imigrantes
eram pessoas do exterior,
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ao contrário de — como espero
sugerir dentro de minutos —
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serem pessoas que já estão,
de forma importante, no interior.
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São aqueles que são hostis
aos imigrantes — os nativistas —
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que conseguiram enquadrar
o debate da imigração
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em três questões principais.
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Primeiro, há a questão de os imigrantes
poderem ser ferramentas úteis.
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Como é que nós podemos usar os imigrantes?
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Vão tornar-nos mais ricos
e mais poderosos?
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A resposta nativista
a esta pergunta é: não,
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Os imigrantes não têm nada
ou quase nada a oferecer.
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A segunda pergunta é
se imigrantes são "outros".
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Os imigrantes podem tornar-se
mais como nós?
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Conseguem vir a ser como nós somos?
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Conseguem integrar-se?
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Estão dispostos a integrar-se?
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Aqui, de novo,
a resposta nativista é: não.
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Os imigrantes serão sempre
diferentes de nós e inferiores a nós.
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E a terceira pergunta é
se os imigrantes são parasitas.
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São perigosos para nós?
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Será que eles esgotarão
os nossos recursos?
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Aqui, a resposta nativista é:
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"Sim e sim, os imigrantes representam
uma ameaça e sugam as nossas riquezas".
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Estas três perguntas e a animosidade
dos nativistas por detrás delas,
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conseguiram enquadrar os contornos
gerais do debate sobre a imigração.
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Estas perguntas são anti-imigrantes
e nativistas no seu cerne,
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construídas em volta duma divisão
hierárquica dos de dentro e os de fora,
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nós e eles,
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na qual só nós temos importância
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e eles não.
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O que dá a essas perguntas
força e poder,
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para além do círculo de nativistas
empenhados,
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é a forma como eles exploram
uma noção quotidiana,
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aparentemente inofensiva,
de pertença nacional,
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a ativam, a elevam
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e a inflamam.
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Os nativistas empenham-se
em fazer distinções absolutas
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entre os de dentro e os do exterior.
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Mas a própria distinção está no centro
da forma como as nações se definem.
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As fissuras entre dentro e fora,
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que frequentemente se enraízam
nas questões de etnia e de religião,
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estão sempre ali para serem
aprofundadas e exploradas.
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Isso potencialmente dá à abordagem
nativista uma repercussão
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muito para além daqueles
que se consideram anti-imigrantes,
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e, até mesmo, entre aqueles
que se consideram pró-imigrantes.
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Por exemplo, quando os aliados
da Lei dos Imigrantes
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respondem a essas perguntas
que os nativistas fazem,
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levam-nas a sério.
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Legitimam essas perguntas
e, em certa medida,
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as suposições anti-imigrantes
que estão por detrás delas.
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Quando levamos essas perguntas a sério,
sem darmos por isso,
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estamos a reforçar as cerradas,
fronteiras de exclusão
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da conversa sobre a imigração.
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Então como chegámos até aqui?
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Como é que essas se tornaram as principais
formas para falarmos sobre a imigração?
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Vamos recapitular um pouco.
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É aqui que entra em cena
a minha formação em história.
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Durante o primeiro século dos EUA
na sua situação de nação independente,
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pouco se fez para restringir
a imigração a nível nacional.
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Aliás, vários políticos e funcionários
trabalharam arduamente
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para recrutar imigrantes
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para desenvolver a indústria
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e para servirem de colonos,
para se apoderarem do continente.
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Mas, depois da Guerra Civil,
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as vozes nativistas aumentaram
em volume e em poder.
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Os asiáticos, os latino-americanos,
os caribenhos e os imigrantes europeus
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que escavaram os canais dos americanos,
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que cozinharam os seus jantares,
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que lutaram nas suas guerras
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e que puseram na cama
as crianças, à noite,
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encontraram uma xenofobia intensa
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que apelidou os imigrantes
de estranhos permanentes
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que nunca deviam ser autorizados
a tornarem-se "de dentro".
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Até meados de 1920,
os nativistas ganharam,
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aprovando leis racistas
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que excluíram números inauditos
de imigrantes e refugiados vulneráveis.
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Os imigrantes e os seus aliados
deram seu melhor para reagir,
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mas encontraram-se na defensiva,
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presos, de certa forma,
nas molduras nativistas.
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Quando os nativistas diziam
que os imigrantes não eram úteis,
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os aliados dos imigrantes
diziam: "Sim, são".
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Quando os nativistas acusaram
os imigrantes de serem os outros,
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os aliados dos imigrantes prometeram
que eles se iam integrar.
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Quando os ativistas
acusavam os imigrantes
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de serem parasitas perigosos,
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os aliados dos imigrantes realçavam
a sua lealdade, a sua obediência,
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o seu trabalho duro
e a sua economia de gastos.
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Mesmo quando os defensores
davam as boas-vindas aos imigrantes,
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muitos deles ainda consideravam
os imigrantes como estranhos,
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dignos de dó, de serem resgatados,
de serem estimulados,
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e de serem tolerados,
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mas nunca totalmente incluídos
como iguais em respeito e em direitos.
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Depois da II Guerra Mundial
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e, especialmente, a partir de meados
dos anos 60 até recentemente,
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os imigrantes e os seus aliados
inverteram a maré,
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derrubando as restrições
dos meados do século XX
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e ganhando um novo sistema que dava
prioridade à reunificação da família,
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à admissão de refugiados
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e à admissão dos que tinham
capacidades especiais.
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Mas, mesmo nessa altura,
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não conseguiram mudar
fundamentalmente, os termos do debate
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e assim, aquele enquadramento perdurou,
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pronto para ser assumido de novo
no nosso momento convulsivo.
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Esta conversa é defeituosa.
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As antigas perguntas
são prejudiciais e fraturantes.
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Então, como passamos desta conversa
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para uma que, mais provavelmente,
nos trará para um mundo mais honesto,
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que seja mais justo,
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que seja mais seguro?
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Eu quero sugerir que o que devemos fazer
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é uma das coisas mais difíceis
que uma sociedade pode fazer:
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é voltar a traçar as fronteiras
de quem é importante,
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cuja vida, cujos direitos
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cuja prosperidade é importante.
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Precisamos de voltar
a traçar as fronteiras.
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Precisamos de voltar a traçar
as nossas fronteiras pessoais.
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Para isso, precisamos, primeiro,
de agarrar na visão do mundo
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que é amplamente aceite
mas também seriamente defeituosa.
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De acordo com essa visão do mundo,
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há o lado de dentro das fronteiras
nacionais, o interior da nação,
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que é onde moramos, trabalhamos
e cuidamos dos nossos interesses.
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E depois há o lado de fora;
há tudo o resto.
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De acordo com essa visão do mundo,
quando os imigrantes entram na nação,
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estão a passar
do lado de fora para dentro,
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mas continuam a ser de fora.
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Qualquer poder ou recursos
que eles recebam
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são mais presentes nossos do que direitos.
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Não é difícil perceber porque é
que essa é uma visão do mundo tão comum.
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Ela é reforçada na forma quotidiana
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com que falamos, agimos
e nos comportamos,
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até aos mapas com fronteiras
que penduramos nas salas de aula.
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O problema com essa visão do mundo
é que ela não corresponde minimamente
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à forma como o mundo funciona
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e à forma como funcionava no passado.
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Claro, os trabalhadores americanos
criaram riqueza na sociedade.
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Mas os imigrantes também,
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particularmente, em partes da economia
americana que são indispensáveis
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e onde poucos americanos trabalham,
como a agricultura.
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Desde a fundação da nação,
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os americanos estiveram dentro
da força de trabalho americana.
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Claro, os americanos criaram
instituições na sociedade
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que garantem direitos.
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Mas os imigrantes também.
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Eles estiveram presentes durante
cada um dos grandes movimentos sociais,
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como o de direitos civis
ou o do trabalho organizado,
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em que lutaram para alargar
os direitos da sociedade para todos.
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Assim, os imigrantes
já estão dentro da luta
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pelos direitos, pela democracia
e pela liberdade.
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E, finalmente, os americanos
e outros cidadãos do hemisfério norte
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não se preocuparam só
com os seus problemas
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e não ficaram dentro
das suas fronteiras.
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Não respeitaram as fronteiras
dos outros países
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Foram mundo fora com os seus exércitos.
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Apoderaram-se dos
territórios e recursos
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e extraíram lucros enormes
de muitos dos outros países
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de onde os imigrantes vêm.
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Nesse sentido, muitos imigrantes
já estão inseridos no poder americano.
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Tendo em mente este mapa diferente,
de mentalidade de dentro e de fora,
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a questão não é se os países recetores
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vão deixar os imigrantes entrar.
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Eles já estão lá dentro.
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A questão é se os EUA e os outros países
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vão conceder aos imigrantes
o acesso aos direitos e aos recursos
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que, num papel fundamental,
com o seu trabalho e ativismo,
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eles e os seus países de origem
ajudaram a criar
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Com esse novo mapa em mente,
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podemos tratar de várias perguntas novas,
difíceis e urgentemente necessárias,
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radicalmente diferente daquelas
que perguntávamos antes,
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perguntas que podem mudar
as fronteiras do debate sobre a imigração.
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As nossas três perguntas
são sobre os direitos dos trabalhadores,
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sobre a sua responsabilidade
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e sobre a igualdade.
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Primeiro, precisamos de fazer perguntas
sobre os direitos dos trabalhadores.
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Como é que as políticas existentes
dificultam os imigrantes de se defenderem
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e facilitam a sua exploração,
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fazendo baixar os salários, os direitos
e a proteção para toda a gente?
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Quando os imigrantes são ameaçados
por vistorias, detenções e deportações,
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os seus patrões sabem
que eles podem ser violentados
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que lhes podem dizer
que, se eles reagirem,
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serão entregues aos serviços da Imigração.
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Quando os patrões sabem
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que podem aterrorizar um imigrante
por falta de documentação,
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isso torna o trabalhador hiper-explorável,
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e isso gera impactos,
não só para os trabalhadores imigrantes
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mas para todos os trabalhadores.
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Em segundo lugar, precisamos de fazer
perguntas sobre a responsabilidade.
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Qual é o papel que têm os países
ricos e poderosos como os EUA,
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fazendo com que seja difícil ou impossível
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que os imigrantes se mantenham
nos seus países de origem?
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Fazer as malas e sair do nosso país
é difícil e perigoso,
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mas muitos imigrantes não têm
possibilidade de ficar no seu país,
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se quiserem sobreviver.
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Guerras, tratados comerciais
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e hábitos de consumo enraizados
no hemisfério norte
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exercem um papel
preponderante e devastador.
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Quais são as responsabilidades que os EUA,
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a União Europeia e a China
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— os maiores emissores
de carbono do mundo —
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têm perante os milhões de pessoas
já desalojadas pelo aquecimento global?
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E em terceiro lugar, precisamos
de fazer perguntas sobre a igualdade.
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A desigualdade mundial é um problema
doloroso que está a intensificar-se.
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As receitas e a sua disparidade
estão a agravar-se em todo o mundo.
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Progressivamente, o que determina
se somos pobres ou ricos,
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mais do que qualquer outra coisa,
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é o país onde nascemos,
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o que pode parecer ótimo
se somos de um país próspero.
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Mas o que, na verdade, significa
é uma profunda e injusta distribuição
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das hipóteses de ter
uma vida longa, saudável e plena.
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Quando os imigrantes mandam
dinheiro ou bens para as famílias,
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isso exerce um papel significativo
em diminuir essas disparidades,
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apesar de ser um papel incompleto.
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Isso faz mais do que todos os programas
de auxílio ao estrangeiro, juntos,
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no mundo inteiro.
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Começámos com as perguntas nativistas
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sobre imigrantes como ferramentas,
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como os "outros"
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e como parasitas.
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Onde é que estas novas perguntas
sobre direitos dos trabalhadores
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sobre responsabilidades
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e sobre igualdade
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podem levar-nos?
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Estas perguntas rejeitam a pena
e abraçam a justiça.
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Essas questões rejeitam
a divisão nativista e nacionalista
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de nós contra eles.
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Vão ajudar-nos a prepararmo-nos
para os problemas que estão a chegar
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e para problemas
como o aquecimento global
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que já estão entre nós.
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Não vai ser fácil virar as costas
às perguntas que estivemos a fazer,
¶
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a esta nova série de perguntas.
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Não é um desafio pequeno
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assumir e ampliar
as nossas fronteiras pessoais.
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Vai ser preciso sagacidade,
criatividade e coragem.
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As velhas perguntas
têm estado connosco há muito tempo,
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e não vão ceder o caminho
por si mesmas,
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não vão ceder o caminho
do dia para a noite.
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E mesmo que consigamos
mudar essas perguntas,
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as respostas vão ser complicadas,
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e vão requerer sacrifícios e compromissos.
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Num mundo desigual, teremos
sempre de prestar atenção
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à pergunta de quem tem o poder
para se juntar à conversa
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e quem não tem.
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Mas as fronteiras
do debate sobre a imigração
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podem ser alteradas.
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Cabe a todos nós alterá-las.
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