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Title:
Para detectar doenças mais cedo, vamos falar a língua secreta das bactérias
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Description:
As bactérias "conversam" umas com as outras, enviando informações químicas para coordenar ataques. E se pudéssemos escutar o que elas dizem? A nanofísica Fatima AlZahra'a Alatraktchi inventou uma ferramenta para espionar a conversa entre bactérias e traduzir sua comunicação secreta para a língua humana. O trabalho dela pode abrir caminho para o diagnóstico precoce da doença, antes mesmo de ficarmos doentes.
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Speaker:
Fatima AlZahra’a Alatraktchi
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Vocês não as conhecem.
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Vocês não as veem.
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Mas elas estão sempre por perto,
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sussurrando,
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fazendo planos secretos,
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criando exércitos com milhões de soldados.
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Quando decidem atacar,
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todas elas atacam todas ao mesmo tempo.
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Estou falando das bactérias.
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De quem achavam que eu estava falando?
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As bactérias vivem em comunidades,
assim como os seres humanos.
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Elas têm famílias,
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conversam,
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e planejam suas atividades.
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Assim como os seres humanos,
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elas enganam, iludem e algumas
até enganam umas às outras.
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E se eu disser a vocês que podemos
escutar as conversas entre bactérias
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e traduzir esses informações
confidenciais na língua humana?
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E se eu disser a vocês que traduzir
essas conversas pode salvar vidas?
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Tenho doutorado em nanofísica
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e tenho usado a nanotecnologia
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para desenvolver uma ferramenta
de tradução em tempo real
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que pode espionar
as comunidades de bactérias
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e nos fornecer registros
do que elas estão tramando.
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As bactérias vivem em toda a parte.
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Estão no solo, nos móveis
e dentro de nosso corpo.
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De fato, 90% de todas as células vivas
neste teatro são bacterianas.
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Algumas bactérias nos fazem bem;
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nos ajudam a digerir os alimentos
ou produzem antibióticos.
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E outras nos causam mal;
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provocam doenças e morte.
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Para coordenar todas
as funções das bactérias,
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elas têm que saber se organizar
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e fazer isso assim como nós,
seres humanos,
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por meio da comunicação.
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Mas, em vez de palavras,
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elas usam moléculas sinalizadoras
para se comunicarem entre si.
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Quando as bactérias são poucas,
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as moléculas sinalizadoras se dispersam,
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como os gritos de um homem
sozinho no deserto.
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Mas, quando há muitas bactérias,
as moléculas sinalizadoras se acumulam,
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e as bactérias começam a sentir
que não estão sozinhas.
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Elas escutam umas às outras.
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Desse modo, sabem quantas são
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e quando estão em número suficiente
para iniciar uma nova ação.
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Quando as moléculas sinalizadoras
atingem um certo limite,
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todas as bactérias sentem imediatamente
que precisam agir da mesma forma.
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A conversa entre bactérias consiste
em uma iniciativa e uma reação,
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a produção de uma molécula
e a reação a ela.
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Em minha pesquisa, eu me concentrei
em espionar as comunidades de bactérias
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dentro do corpo humano.
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Como isso funciona?
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Temos uma amostra de um paciente,
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que pode ser de sangue ou cuspe.
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Disparamos elétrons na amostra,
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que vão interagir com quaisquer
moléculas de comunicação presentes.
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Essa interação vai nos dar informações
sobre a identidade das bactérias,
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o tipo de comunicação
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e quanto as bactérias estão conversando.
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Mas como as bactérias se comunicam?
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Antes de eu desenvolver
a ferramenta de tradução,
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eu supunha inicialmente que as bactérias
tinham uma língua primitiva,
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como os bebês, que ainda
não desenvolveram palavras e frases.
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Quando riem, estão felizes;
quando choram, estão tristes.
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Simples assim.
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Mas acontece que as bactérias
não são nada primitivas como eu pensava.
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Uma molécula não é apenas uma molécula.
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Pode significar várias coisas,
dependendo do contexto,
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assim como o choro dos bebês
pode significar coisas diferentes:
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às vezes, o bebê está com fome,
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algumas vezes está molhado,
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outras vezes está machucado ou com medo.
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Os pais sabem interpretar esses choros.
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Para ser uma ferramenta de tradução real,
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tinha que saber interpretar
as moléculas sinalizadoras
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e traduzi-las dependendo do contexto.
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E quem sabe?
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Talvez o Google Tradutor
adote isso em breve.
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Vou dar a vocês um exemplo.
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Trouxe alguns dados de bactérias,
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que podem ser difíceis de entender
se vocês forem leigos,
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mas tentem observar.
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Aqui está uma família bacteriana feliz
que infectou um paciente.
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Vamos chamá-la de família Montéquio.
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Ela compartilha recursos,
se reproduz e cresce.
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Um dia, ela ganha um vizinho novo:
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a família bacteriana Capuleto.
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Tudo vai bem desde que trabalhem juntas.
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Mas, então, acontece algo inesperado.
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Romeu, dos Montéquios, se relaciona
com Julieta, dos Capuletos.
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E, sim, eles trocam material genético.
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Essa transferência genética
pode ser perigosa aos Montéquios
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que têm a ambição de ser a única família
no paciente que infectaram
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e o compartilhamento de genes
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contribui para que os Capuletos
desenvolvam resistência a antibióticos.
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Os Montéquios começam a conversar
para se livrarem dessa outra família,
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por meio da liberação dessa molécula.
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[Vamos coordenar um ataque.]
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Vamos coordenar um ataque.
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Então, todos reagem imediatamente
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liberando um veneno
que vai matar a outra família.
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Os Capuletos reagem
ordenando um contra-ataque.
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Eles travam uma batalha.
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Este é um vídeo sobre bactérias reais
duelando com organelas do tipo espada,
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em que tentam matar umas às outras
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literalmente se apunhalando
e rompendo umas às outras.
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A família que ganhar essa batalha
torna-se na bactéria dominante.
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Consigo detectar conversas entre bactérias
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que levam a diferentes
comportamentos coletivos
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como a luta que acabaram de ver.
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Meu trabalho era espionar
as comunidades de bactérias
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dentro do corpo humano
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em pacientes de um hospital.
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Acompanhei 62 pacientes em um experimento,
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em que testei as amostras deles
para uma infecção específica,
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sem saber os resultados
do teste de diagnóstico tradicional.
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Em diagnósticos bacterianos,
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uma amostra esfregaço
é colocada numa placa.
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Se as bactérias crescem
dentro de cinco dias,
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o paciente é diagnóstico como infectado.
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Quando concluí o estudo
e comparei os resultados da ferramenta
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com o teste de diagnóstico tradicional
e o teste de validação, fiquei chocada.
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Era muito mais supreendente
do que eu havia previsto.
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Mas, antes de dizer
o que a ferramenta revelou,
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eu gostaria de falar de uma paciente
específica que acompanhei,
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uma moça.
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Ela tinha fibrose cística,
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uma doença genética que torna os pulmões
suscetíveis a infecções bacterianas.
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Essa moça não fazia parte
do ensaio clínico.
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Eu a acompanhei porque sabia,
por seu prontuário médico,
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que ela nunca tinha tido
uma infecção antes.
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Uma vez por mês, essa moça ia ao hospital
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para coletar uma amostra de expectoração
que cuspia em um copo.
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Essa amostra era transferida
para análise bacteriana
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no laboratório central
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para que os médicos pudessem agir
rapidamente se descobrissem uma infecção.
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Isso me permitiu testar meu aparelho
também nas amostras dela.
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Nos dois primeiros meses em que medi
essas amostras, não havia nada,
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mas, no terceiro mês,
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descobri uma conversa
entre bactérias na amostra dela.
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As bactérias estavam se coordenando
para danificar o tecido dos pulmões.
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Mas o diagnóstico tradicional mostrava
que não havia nenhuma bactéria.
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Voltei a avaliar no mês seguinte.
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Pude ver que as conversas entre bactérias
se tornaram ainda mais agressivas.
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No entanto, o diagnóstico tradicional
não mostrava nada.
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Meu estudo terminou,
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mas, meio ano depois,
verifiquei o estado dela,
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para ver se as bactérias
que só eu havia descoberto
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haviam desaparecido
sem intervenção médica.
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Não haviam.
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Mas a moça já havia sido diagnosticada
com uma infecção grave
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por bactérias mortais.
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Eram as mesmas bactérias
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que minha ferramenta
havia descoberto antes.
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Apesar do tratamento agressivo
com antibióticos,
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foi impossível erradicar a infecção.
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Os médicos estimaram
que ela não passaria dos 20 anos.
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Quando avaliei as amostras daquela moça,
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minha ferramenta
ainda estava na fase inicial.
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Eu nem sequer sabia
se meu método funcionava mesmo.
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Então, eu tinha um acordo com os médicos
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para não dizer o que
minha ferramenta revelava
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a fim de não comprometer
o tratamento deles.
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Quando vi os resultados
que nem mesmo estavam validados,
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não ousei falar,
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porque o tratamento de um paciente
sem uma infecção real
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também tem consequências
negativas para ele.
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Mas agora sabemos mais a respeito,
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e há muitos rapazes e moças
que ainda podem ser salvos,
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porque, infelizmente, esse cenário
ocorre com muita frequência.
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Os pacientes são infectados,
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as bactérias não aparecem
nos testes de diagnóstico tradicionais
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e, de repente, a infecção começa
no paciente com sintomas graves.
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Nesse momento, já é tarde demais.
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O resultado surpreendente
dos 62 pacientes que acompanhei
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foi que meu aparelho captou
as conversas entre bactérias
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em mais da metade
das amostras dos pacientes
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que foram diagnosticados como negativos
pelos métodos tradicionais.
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Em outras palavras, mais da metade
desses pacientes iam para casa
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achando que estavam livres da infecção,
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embora, na verdade, fossem
portadores de bactérias perigosas.
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Dentro desses pacientes
diagnosticados incorretamente,
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as bactérias estavam coordenando
um ataque sincronizado.
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Sussuravam entre si.
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Chamo de "bactérias sussurrantes"
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aquelas que os métodos tradicionais
não conseguem diagnosticar.
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Até o momento, é apenas
a ferramenta de tradução
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que consegue captar esses sussurros.
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Creio que o período em que as bactérias
ainda estão sussurrando
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é uma janela de oportunidades
para um tratamento direcionado.
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Se a moça tivesse sido tratada
durante essa janela,
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teria sido possível matar as bactérias
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na fase inicial, antes de a infecção
ficar fora de controle.
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Minha experiência com essa moça
me fez decidir fazer tudo o que posso
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para introduzir
essa tecnologia no hospital.
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Estou trabalhando com os médicos
na implementação da ferramenta em clínicas
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para diagnosticar infecções precoces.
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Embora ainda não se saiba
como os médicos devem tratar os pacientes
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durante a fase dos sussurros,
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essa ferramenta pode ajudar os médicos
a observar de perto os pacientes em risco.
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Pode ajudá-los a confirmar
se um tratamento funcionou ou não,
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e pode ajudar a responder
a perguntas simples:
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"O paciente está infectado?
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O que as bactérias estão tramando?"
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As bactérias conversam,
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fazem planos secretos
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e trocam informações
confidenciais entre si.
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Mas não só conseguimos
pegá-las sussurrando,
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como também podemos aprender
a língua secreta delas
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e nos tornarmos sussurradores bacterianos.
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E, como as bactérias diriam:
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"3-oxo-C12-anilina".
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