O porquê de a curiosidade ser fundamental para a ciência e a medicina
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0:01 - 0:02Ciência.
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0:03 - 0:06Esta palavra evoca em muita gente
recordações infelizes de tédio -
0:06 - 0:09nas aulas de biologia ou de física,
no liceu. -
0:09 - 0:12Mas garanto-vos que
o que vocês faziam -
0:12 - 0:15pouco tinha a ver com ciência.
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0:15 - 0:17Era só o "quê" da ciência.
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0:17 - 0:20Era a história do que outras pessoas
tinham descoberto. -
0:21 - 0:23Eu, enquanto cientista,
estou mais interessado -
0:23 - 0:25no "como" da ciência.
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0:25 - 0:29Porque a ciência é o conhecimento
no processo em andamento. -
0:29 - 0:31Fazemos uma observação,
-
0:31 - 0:33adiantamos uma explicação
para essa observação, -
0:33 - 0:35e formulamos uma hipótese
que podemos testar -
0:35 - 0:37com uma experiência
ou com outra observação. -
0:37 - 0:39Alguns exemplos.
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0:39 - 0:42As pessoas repararam que a Terra
estava em baixo e o céu por cima. -
0:42 - 0:46Tanto o Sol como a Lua
pareciam girar à volta dela. -
0:47 - 0:48A explicação plausível
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0:48 - 0:52era que a Terra devia ser
o centro do universo. -
0:52 - 0:56A hipótese: tudo deve girar
à volta da Terra. -
0:56 - 0:58Isto foi testado pela primeira vez
-
0:58 - 1:01quando Galileu arranjou
um dos seus primeiros telescópios -
1:01 - 1:03e observou o céu noturno.
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1:04 - 1:07Encontrou um planeta, Júpiter,
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1:07 - 1:11com quatro luas,
que giravam à volta dele. -
1:12 - 1:16Depois, usou essas luas
para acompanhar o percurso de Júpiter -
1:16 - 1:20e descobriu que Júpiter também
não girava à volta da Terra, -
1:20 - 1:22mas girava à volta do Sol.
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1:23 - 1:26Então, o teste da hipótese falhou.
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1:26 - 1:28Isso levou-o a pôr de lado a teoria
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1:29 - 1:31de que a Terra era o centro do universo.
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1:31 - 1:35Outro exemplo: Sir Isaac Newton
reparou que as coisas caíam na Terra. -
1:35 - 1:38A explicação plausível era a gravidade,
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1:39 - 1:42a hipótese que tudo devia cair na Terra.
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1:42 - 1:46Mas, claro, nem tudo cai na Terra.
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1:46 - 1:48Então, pusemos de lado a gravidade?
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1:49 - 1:51Não. Revimos a teoria e dissemos:
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1:51 - 1:54A gravidade atrai as coisas para a Terra
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1:54 - 1:58a não ser que haja uma força
igual e oposta, noutra direção. -
1:58 - 2:01Isso levou-nos a aprender uma coisa nova.
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2:01 - 2:04Começámos a prestar mais atenção
às aves e às asas das aves. -
2:04 - 2:07Pensem só em todas as descobertas
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2:07 - 2:09que decorreram desta linha de raciocínio.
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2:10 - 2:15Portanto, o fracasso das experiências,
as exceções, os valores atípicos, -
2:15 - 2:20ensinam-nos o que não sabemos
e levam-nos a coisas novas. -
2:20 - 2:23É assim que a ciência avança.
É assim que a ciência aprende. -
2:24 - 2:25Por vezes, os "media"
-
2:25 - 2:29e. embora mais raramente,
até os cientistas dirão, por vezes, -
2:29 - 2:32que isto ou aquilo
foi provado cientificamente. -
2:32 - 2:37Mas espero que percebam
que a ciência nunca prova nada -
2:37 - 2:39definitivamente, para todo o sempre.
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2:40 - 2:45Felizmente, a ciência mantém-se
suficientemente curiosa para procurar -
2:45 - 2:47e suficientemente humilde
para reconhecer, -
2:47 - 2:50quando encontramos
mais um valor atípico, -
2:50 - 2:52mais uma exceção,
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2:52 - 2:54que, tal como as luas de Júpiter,
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2:54 - 2:57nos ensinam aquilo que não sabemos.
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2:57 - 3:00Vamos agora, por instantes,
mudar de agulha. -
3:00 - 3:02O caduceu, ou o símbolo da medicina,
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3:02 - 3:04significa coisas diferentes,
para diferentes pessoas, -
3:04 - 3:07mas grande parte
do discurso público, em medicina, -
3:07 - 3:09transforma-o num problema de engenharia.
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3:09 - 3:11Temos os salões do Congresso,
-
3:11 - 3:15e as companhias de seguros
que tentam imaginar como pagá-la. -
3:15 - 3:18Os especialistas de ética,
os epidemiologistas, -
3:18 - 3:20tentam imaginar a melhor forma
de distribuir a medicina, -
3:20 - 3:23e os hospitais e os médicos
estão obcecados -
3:23 - 3:25com os seus protocolos
e listas de controlo, -
3:25 - 3:28tentando imaginar como aplicar
a medicina de modo mais seguro. -
3:28 - 3:31Tudo isto são coisas boas.
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3:31 - 3:34Porém, todos eles partem do princípio,
-
3:34 - 3:36a determinado nível,
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3:36 - 3:39de que o manual da medicina
está encerrado. -
3:39 - 3:42Começamos a medir
a qualidade dos cuidados de saúde -
3:42 - 3:44segundo a rapidez
com que temos acesso a eles. -
3:44 - 3:46Não me surpreende
que, neste clima, -
3:46 - 3:49muitas das nossas instituições
que prestam cuidados de saúde -
3:49 - 3:52comecem a parecer-se muito
com oficinas de mecânica. -
3:52 - 3:54(Risos)
-
3:54 - 3:58O problema é que,
quando acabei o curso de medicina, -
3:58 - 4:00não recebi um zingarelho
-
4:00 - 4:03que o mecânico tem que colocar
no nosso automóvel -
4:03 - 4:05e descobrir o que há de errado com ele,
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4:05 - 4:09porque o manual de medicina
não está encerrado. -
4:10 - 4:11A medicina é ciência.
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4:12 - 4:14A medicina é conhecimento em andamento.
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4:15 - 4:17Fazemos uma observação,
-
4:17 - 4:19adiantamos uma explicação
dessa observação, -
4:19 - 4:22depois formulamos uma hipótese
que podemos testar. -
4:22 - 4:25O terreno das experiências
na maior parte das hipóteses, em medicina, -
4:25 - 4:27são as populações.
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4:27 - 4:30Devem lembrar-se daqueles dias de tédio
nas aulas de biologia -
4:30 - 4:33que as populações tendem a distribuir-se,
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4:33 - 4:34em torno de uma média,
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4:34 - 4:36numa curva de Gauss,
ou seja, uma curva normal. -
4:36 - 4:38Portanto, em medicina,
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4:38 - 4:41depois de formularmos uma hipótese,
a partir duma explicação plausível, -
4:41 - 4:43testamo-la numa população.
-
4:43 - 4:46Isso significa que
o que sabemos em medicina, -
4:46 - 4:49o nosso conhecimento
e a nossa experiência, -
4:49 - 4:51provém das populações
-
4:51 - 4:54mas apenas vai até ao ponto
-
4:54 - 4:57em que o valor atípico seguinte,
a exceção seguinte, -
4:57 - 4:59tal como as luas de Júpiter,
-
4:59 - 5:01nos ensinarão aquilo
que não sabemos. -
5:02 - 5:06Eu sou cirurgião que trata
de doentes com sarcomas. -
5:06 - 5:08O sarcoma é uma forma
de cancro muito rara. -
5:09 - 5:11É o cancro da carne e dos ossos.
-
5:12 - 5:17Digo-vos que cada um dos meus doentes
é um valor atípico, é uma exceção. -
5:18 - 5:21Nunca fiz nenhuma cirurgia
a um doente de sarcoma -
5:21 - 5:26que fosse orientada por um teste clínico
controlado aleatoriamente, -
5:26 - 5:27aquilo que, em medicina,
-
5:27 - 5:31consideramos a melhor forma
de prova com base na população. -
5:31 - 5:33As pessoas falam em pensar
fora do baralho, -
5:33 - 5:35mas, no sarcoma,
nem sequer temos um baralho. -
5:36 - 5:40O que temos, quando mergulhamos
na incerteza, no desconhecido, -
5:40 - 5:43nas exceções e nos valores atípicos
que nos rodeiam, no sarcoma, -
5:43 - 5:48é o acesso fácil àquilo que eu penso
serem os dois valores mais importantes -
5:48 - 5:49em qualquer ciência:
-
5:49 - 5:52humildade e curiosidade.
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5:52 - 5:54Porque, se eu for humilde e curioso,
-
5:54 - 5:59quando um doente me faz uma pergunta,
e eu não sei qual é a resposta, -
5:59 - 6:00pergunto a um colega
-
6:00 - 6:03que pode ter um doente
com um sarcoma, embora diferente. -
6:03 - 6:06Instituímos mesmo
colaborações internacionais. -
6:06 - 6:09Os doentes começam a falar
uns com os outros, em salas de conversa -
6:09 - 6:11e em grupos de apoio.
-
6:11 - 6:14É através deste tipo
de comunicação humildemente curiosa -
6:14 - 6:18que começamos a testar
e a aprender coisas novas. -
6:19 - 6:23Como exemplo, este é um doente meu
que teve um cancro junto do joelho. -
6:24 - 6:26Por causa da comunicação
humildemente curiosa, -
6:26 - 6:28em colaborações internacionais,
-
6:28 - 6:31aprendemos que podemos
reutilizar o tornozelo -
6:31 - 6:33para funcionar como joelho
-
6:33 - 6:35quando tivemos que remover o joelho
com o cancro. -
6:35 - 6:38Assim, ele pode usar uma prótese,
correr, saltar e brincar. -
6:39 - 6:44Esta oportunidade foi-lhe dada
por causa de colaborações internacionais. -
6:44 - 6:46Foi-lhe proporcionada
-
6:46 - 6:49porque ele contactou outros doentes
que tinham passado pelo mesmo. -
6:50 - 6:54Assim, as exceções
e os valores atípicos, em medicina, -
6:54 - 6:56ensinam-nos o que não sabemos
-
6:56 - 6:58mas também nos levam
a uma nova forma de pensar. -
6:59 - 7:02É muito importante
que a nova forma de pensar -
7:02 - 7:05a que nos levam os valores atípicos
e as exceções, em medicina, -
7:05 - 7:08não se aplica apenas
aos valores atípicos e às exceções. -
7:09 - 7:12Não se trata apenas de aprendermos
com os doentes de sarcoma -
7:12 - 7:15formas de tratar doentes com sarcoma.
-
7:15 - 7:19Por vezes, os valores atípicos
e as exceções -
7:19 - 7:22ensinam-nos coisas muito importantes
para a população em geral. -
7:23 - 7:26Como uma árvore
que cresce fora de uma floresta, -
7:26 - 7:29os valores atípicos e as exceções
atraem a nossa atenção -
7:29 - 7:33e levam-nos a ter uma perceção muito maior
do que talvez seja uma árvore. -
7:34 - 7:37Muitas vezes falamos de
olhar para a árvore e não ver a floresta -
7:37 - 7:40mas também falhamos ver uma árvore
no meio da floresta. -
7:41 - 7:43Mas a árvore ergue-se por si só,
-
7:43 - 7:46estabelece as relações
que definem uma árvore, -
7:46 - 7:49as relações entre o tronco,
as raízes e os ramos, -
7:49 - 7:51muito mais visíveis.
-
7:51 - 7:54Mesmo que a árvore esteja retorcida
-
7:54 - 7:56ou mesmo se essa árvore
tenha relações pouco usuais, -
7:56 - 7:59entre o tronco, as raízes e os ramos,
-
7:59 - 8:01atrai na mesma a nossa atenção
-
8:01 - 8:03e permite-nos fazer observações
-
8:03 - 8:06que podemos testar
na população em geral. -
8:06 - 8:08Disse-vos que os sarcomas são raros.
-
8:08 - 8:11Constituem cerca de 1%
do total dos cancros. -
8:11 - 8:15Provavelmente sabem que o cancro
é considerado uma doença genética. -
8:16 - 8:19Por doença genética, entende-se
que o cancro é provocado por oncogenes -
8:19 - 8:21que são ativados num cancro
-
8:21 - 8:24e por genes supressores de tumor
que são desativados, causando o cancro. -
8:24 - 8:27Podem pensar que tomámos
conhecimento dos oncogenes -
8:27 - 8:30e dos genes supressores de tumor
com os cancros mais comuns, -
8:30 - 8:32o cancro da mama,
da próstata ou do pulmão. -
8:32 - 8:34Mas estão enganados.
-
8:34 - 8:36Tomámos conhecimento, pela primeira vez,
-
8:36 - 8:39dos oncogenes e dos genes
supressores de tumor -
8:39 - 8:42naquele minúsculo 1% de cancros
chamados sarcomas. -
8:43 - 8:46Em 1966, Peyton Rous
recebeu o Prémio Nobel -
8:46 - 8:50por ter percebido que as galinhas
tinham uma forma transmissível de sarcoma. -
8:51 - 8:54Trinta anos depois, Harold Varmus
e Mike Bishop descobriram -
8:54 - 8:56qual era esse elemento transmissível.
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8:57 - 9:00Era um vírus que continha um gene,
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9:00 - 9:02o oncogene src.
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9:02 - 9:05Não vou dizer que o src
é o oncogene mais importante. -
9:06 - 9:08Não vou dizer que o src
é o oncogene mais frequente -
9:08 - 9:10na ativação de todos os cancros.
-
9:10 - 9:13Mas foi o primeiro oncogene.
-
9:14 - 9:16A exceção, o valor atípico
-
9:16 - 9:19atraiu a nossa atenção
e levou-nos a uma coisa -
9:19 - 9:24que nos ensinou coisas muito importantes
sobre o resto da biologia. -
9:25 - 9:29O TP53 é o gene supressor de tumor
mais importante. -
9:29 - 9:32É o gene supressor de tumor
que desativa mais frequentemente -
9:32 - 9:34em quase todos os tipos de cancro.
-
9:34 - 9:37Mas não tomámos conhecimento dele
com os cancros vulgares. -
9:37 - 9:40Tomámos conhecimento dele
quando os médicos Li e Fraumeni -
9:40 - 9:41andavam a observar famílias,
-
9:41 - 9:45e perceberam que essas famílias
tinham demasiados sarcomas. -
9:46 - 9:48Eu disse que o sarcoma é raro.
-
9:48 - 9:51Lembrem-se que,
se num milhão de diagnósticos, -
9:51 - 9:53acontece duas vezes numa família,
-
9:53 - 9:56é demasiado vulgar nessa família.
-
9:57 - 10:01O facto de serem muito raros
atrai a nossa atenção -
10:02 - 10:04e leva-nos a novas formas de raciocínio.
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10:05 - 10:08Muita gente poderá dizer,
e dirá com toda a razão: -
10:09 - 10:11"Kevin, isso é ótimo,
-
10:11 - 10:13"mas não está a falar da asa de uma ave.
-
10:13 - 10:16"Não está a falar de luas a flutuar
em volta dum Júpiter qualquer. -
10:17 - 10:18"Trata-se de uma pessoa.
-
10:18 - 10:21"Esse valor atípico, essa exceção,
pode levar ao avanço da ciência, -
10:21 - 10:23"mas isto é uma pessoa".
-
10:24 - 10:28Só posso dizer
que sei isso muito bem. -
10:30 - 10:33Tenho conversado com estes doentes
com doenças raras e mortíferas. -
10:34 - 10:36Escrevo sobre essas conversas.
-
10:36 - 10:38Essas conversas são terrivelmente tensas.
-
10:38 - 10:40Estão cheias de frases horríveis, como:
-
10:40 - 10:43"Tenho más notícias" ou
"Não podemos fazer mais nada". -
10:44 - 10:47Por vezes, essas conversas
resumem-se a uma só palavra: -
10:48 - 10:49"terminal".
-
10:53 - 10:56O silêncio também pode ser
muito desconfortável, -
10:58 - 11:02em que os espaços em branco
podem ser tão importante, em medicina, -
11:02 - 11:04como as palavras que usamos
nessas conversas. -
11:05 - 11:07O que são as coisas desconhecidas?
-
11:07 - 11:10Quais são as experiências
que estão a ser feitas? -
11:10 - 11:12Façam este exercício comigo.
-
11:12 - 11:15Ali no ecrã, veem esta frase
"no where" [em parte alguma]. -
11:15 - 11:17Reparem no espaço entre as palavras.
-
11:17 - 11:20Se eu mudar aquele espaço em branco
-
11:21 - 11:25"no where" passa para "now here"
[agora aqui] -
11:25 - 11:27com um sentido exatamente oposto,
-
11:27 - 11:30apenas por deslocar o espaço em branco.
-
11:32 - 11:34Nunca esquecerei a noite
-
11:34 - 11:36em que entrei no quarto
de um dos meus doentes. -
11:36 - 11:39Eu tinha estado a operar todo o dia
mas queria ir vê-lo. -
11:40 - 11:44Era um rapaz a quem eu diagnosticara
um cancro do osso, uns dias antes. -
11:44 - 11:47Ele e a mãe tinham reunido
com os médicos da quimioterapia -
11:47 - 11:48naquele dia de manhã,
-
11:48 - 11:51ele tinha sido internado no hospital
para começar a quimioterapia. -
11:51 - 11:53Era quase meia-noite
quando entrei no quarto. -
11:53 - 11:56Ele estava a dormir
mas encontrei a mãe dele -
11:56 - 11:58a ler à luz duma lanterna,
ao lado da cama dele. -
11:59 - 12:02Ela saiu para o corridor
para conversar comigo por instantes. -
12:03 - 12:05Ela tinha estado a ler o protocolo
-
12:05 - 12:08que os médicos da quimioterapia
lhe tinham dado naquele dia. -
12:09 - 12:12Ela tinha-o decorado e disse-me:
-
12:12 - 12:16"Dr. Jones, o senhor disse-me
que nem sempre ganhamos -
12:17 - 12:19"com este tipo de cancro.
-
12:20 - 12:23"Mas eu estive a estudar o protocolo
e penso que posso fazer uma coisa. -
12:24 - 12:27"Penso que posso cumprir
com estes tratamentos difíceis. -
12:28 - 12:31"Vou largar o meu emprego.
vou mudar para casa dos meus pais, -
12:31 - 12:33"Vou manter o meu filho são e salvo".
-
12:35 - 12:37Não lhe disse nada.
-
12:38 - 12:41Não a interrompi para corrigir
a sua forma de pensar. -
12:42 - 12:44Ela confiava num protocolo
-
12:44 - 12:47que, mesmo que fosse cumprido a rigor,
-
12:47 - 12:50não salvaria necessariamente o filho.
-
12:52 - 12:54Não lhe disse nada.
-
12:55 - 12:57Não preenchi aquele espaço em branco.
-
12:57 - 13:02Um ano e meio depois
o filho veio a morrer do cancro. -
13:03 - 13:05Devia ter-lho dito?
-
13:05 - 13:07Muitos de vocês poderão dizer:
-
13:07 - 13:11"E depois? Eu não tenho nenhum sarcoma,
ninguém na minha família tem sarcoma. -
13:11 - 13:12"Tudo isso é muito bonito,
-
13:12 - 13:15"mas, provavelmente, não será importante
na minha vida". -
13:15 - 13:17Provavelmente, têm razão.
-
13:17 - 13:20O sarcoma pode não ser
muito importante na vossa vida. -
13:21 - 13:23Mas os espaços em branco
que há na medicina -
13:23 - 13:25são importantes na vossa vida.
-
13:26 - 13:29Não vos contei nenhum
segredinho sujo, -
13:29 - 13:33apenas vos disse que, em medicina,
testamos hipóteses nas populações, -
13:33 - 13:37mas não vos disse — e com frequência
a medicina nunca diz — -
13:37 - 13:42que, sempre que um indivíduo
recorre à medicina, -
13:42 - 13:46mesmo que esse indivíduo esteja
firmemente inserido na população em geral, -
13:47 - 13:50nem o indivíduo
nem o médico sabem -
13:50 - 13:53onde irá parar o indivíduo
nessa população. -
13:53 - 13:57Portanto, todo o encontro com a medicina,
é uma experiência. -
13:58 - 14:02Vocês serão um sujeito
numa experiência -
14:03 - 14:08E o resultado será
um resultado melhor ou pior para vocês. -
14:08 - 14:10Enquanto a medicina funcionar bem,
-
14:10 - 14:14sentimo-nos bem com serviços rápidos,
-
14:14 - 14:17com bravatas, conversas
transbordantes de confiança. -
14:18 - 14:20Mas, quando as coisas não funcionam bem,
-
14:20 - 14:22por vezes queremos uma coisa diferente.
-
14:23 - 14:26Um colega meu retirou um tumor
do membro de uma doente. -
14:27 - 14:29Estava preocupado com esse tumor.
-
14:29 - 14:32Nas nossas conferências de médicos
falou da sua preocupação -
14:32 - 14:35de que era um tipo de tumor
que apresentava um alto risco -
14:35 - 14:37de voltar a aparecer no mesmo membro.
-
14:37 - 14:39Mas as suas conversas com a doente
-
14:39 - 14:41eram exatamente
o que um doente queria ouvir: -
14:41 - 14:43transbordantes de confiança.
-
14:43 - 14:45Disse-lhe: "Tirei tudo
e está boa para se ir embora". -
14:45 - 14:47Ela e o marido ficaram radiantes.
-
14:47 - 14:50Foram-se embora, festejaram,
um jantar requintado, -
14:50 - 14:52abriram uma garrafa de champanhe.
-
14:52 - 14:55O problema foi que,
semanas mais tarde, -
14:55 - 14:57ela começou a reparar noutro nódulo
na mesma área. -
14:57 - 15:02Acontecera que ele não tinha tirado tudo
e ela não estava boa para se ir embora. -
15:02 - 15:05Mas o que aconteceu nesta ocasião
é uma coisa que me fascina. -
15:05 - 15:07O meu colega veio ter comigo e disse:
-
15:07 - 15:10"Kevin, importas-te de cuidar
desta doente?" -
15:10 - 15:13E eu: "Porquê? Sabes o que deves fazer
tão bem como eu. -
15:13 - 15:15"Não fizeste nada de errado".
-
15:15 - 15:20E ele: "Por favor,
toma conta desta doente". -
15:21 - 15:25Ele estava embaraçado,
não pelo que tinha feito, -
15:25 - 15:28mas pela conversa que tinha tido,
-
15:28 - 15:30pelo excesso de confiança.
-
15:30 - 15:33Então, eu realizei uma cirurgia
muito mais invasiva -
15:33 - 15:36e depois tive uma conversa
muito diferente com a doente. -
15:36 - 15:39Disse-lhe:
"Muito provavelmente, tirei tudo -
15:39 - 15:42"e, provavelmente,
está boa para se ir embora, -
15:42 - 15:45"mas isto é uma experiência
que estamos a fazer. -
15:45 - 15:47"Vai ter que observar isto
-
15:47 - 15:49"e eu vou ter que observar isto.
-
15:49 - 15:53"Vamos trabalhar em conjunto
para verificar se esta cirurgia resultou -
15:53 - 15:55"para se ver livre do cancro."
-
15:55 - 15:57Posso garantir-vos que ela e o marido
-
15:57 - 16:00não abriram outra garrafa de champanhe
depois de falarem comigo. -
16:02 - 16:04Mas ela agora era uma cientista
-
16:04 - 16:08e não apenas um sujeito numa experiência.
-
16:10 - 16:12Por isso, recomendo-vos
-
16:12 - 16:15a procurar a humildade e a curiosidade
-
16:15 - 16:17nos vossos médicos.
-
16:17 - 16:20Todos os anos, cerca
de 20 mil milhões de vezes -
16:20 - 16:24uma pessoa entra no gabinete de um médico,
-
16:24 - 16:27e essa pessoa passa a ser um doente.
-
16:27 - 16:31Vocês, ou alguém que vocês amam,
serão esse doente muito em breve. -
16:32 - 16:34Como falarão com os vossos médicos?
-
16:35 - 16:36O que é que lhes dirão?
-
16:37 - 16:39O que é que eles vos dirão?
-
16:41 - 16:43Eles não vos podem dizer
-
16:43 - 16:46aquilo que não sabem,
-
16:46 - 16:50mas podem dizer-vos,
quando não sabem, -
16:50 - 16:52se vocês lhes perguntarem.
-
16:52 - 16:55Por isso, juntem-se à conversa.
-
16:56 - 16:58Obrigado.
-
16:58 - 17:00(Aplausos)
- Title:
- O porquê de a curiosidade ser fundamental para a ciência e a medicina
- Speaker:
- Kevin Jones
- Description:
-
A ciência é um processo de aprendizagem que envolve a experimentação, o fracasso e a revisão — e a ciência da medicina não é exceção. Kevin B. Jones, investigador do cancro, enfrenta o profundo desconhecido na cirurgia e nos cuidados médicos com uma resposta simples: honestidade. Numa palestra ponderada sobre a natureza do conhecimento, Jones mostra como a ciência atinge o seu melhor quando os cientistas reconhecem humildemente o que ainda não compreendem.
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 17:13
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