A palavra "saudade" tem tradução? | Marco Neves | TEDxPeniche
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0:16 - 0:18Muito boa tarde. Muito obrigado.
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0:18 - 0:23Eu hoje venho aqui falar-vos de línguas,
e para isso trago-vos duas perguntas. -
0:23 - 0:24E a primeira é:
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0:25 - 0:28Será que a palavra "saudade" tem tradução?
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0:28 - 0:30Nós estamos habituados a dizer que não,
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0:30 - 0:34que é uma palavra muito nossa,
que é uma palavra só da língua portuguesa. -
0:34 - 0:37Às vezes até exageramos e dizemos
que é uma palavra só de Portugal, -
0:37 - 0:39o que é obviamente errado
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0:39 - 0:42porque podemos pensar também nos outros
países que falam a nossa língua. -
0:43 - 0:45Eu venho aqui dizer-vos
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0:45 - 0:47que a resposta que eu costumo
dar a esta pergunta -
0:47 - 0:49é um pouco diferente da habitual.
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0:49 - 0:52Será que a palavra
"saudade" tem tradução? -
0:52 - 0:56Eu digo que dizer isto,
que a palavra "saudade" não tem tradução, -
0:56 - 0:58é enganador,
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0:58 - 1:00e tenho três razões para tal.
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1:00 - 1:02Vou mostrar três razões para explicar
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1:02 - 1:05porque é que eu acho
que a palavra "saudade"... -
1:05 - 1:08porque é que não é muito correto
dizer que não tem tradução. -
1:08 - 1:09A primeira é: nós tradutores...
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1:09 - 1:11Eu sou tradutor profissional,
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1:11 - 1:15trabalho nesta área e digo-vos isto
por experiência própria. -
1:15 - 1:18Não costumo traduzir para outras línguas,
e sim para o português, -
1:19 - 1:21mas sei que os meus colegas
que traduzem para outras línguas -
1:21 - 1:24todos os dias traduzem frases e textos
com a palavra "saudade". -
1:24 - 1:27O que nós traduzimos
não são palavras isoladas, -
1:27 - 1:30mas sim textos,
e frases dentro desses textos, -
1:30 - 1:33e, por isso, uma frase
como "tenho saudades tuas" -
1:33 - 1:35ou "tenho muita saudade da minha infância"
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1:35 - 1:38são frases que são
traduzíveis todos os dias, -
1:38 - 1:40todos os dias são traduzidas.
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1:40 - 1:44Claro que, às vezes, exigem mais palavras,
às vezes exigem mudar um pouco a frase, -
1:44 - 1:49mas nós, tradutores, traduzimos estas
palavras "intraduzíveis" todos os dias -
1:49 - 1:52e, até hoje, nunca apareceu um texto
com um espaço em branco -
1:52 - 1:54por haver uma palavra
que não se conseguia traduzir. -
1:54 - 1:59Esta é a primeira razão,
mas a segunda é mais curiosa. -
1:59 - 2:02Para nós podermos dizer
que uma palavra não tem tradução, -
2:02 - 2:04teríamos que conhecer
todas as línguas do mundo, -
2:04 - 2:06e elas são muitas.
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2:06 - 2:10Não sei quantas línguas aí que já foram
encontradas por esse mundo fora. -
2:10 - 2:12O número tem diminuído,
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2:12 - 2:17mas, hoje em dia,
vendo 200 países, mais ou menos, -
2:17 - 2:21temos contabilizadas
aproximadamente 7 mil línguas. -
2:21 - 2:24E não estou a falar de dialetos.
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2:25 - 2:29São línguas próprias,
faladas pelo mundo todo. -
2:29 - 2:30Mas que línguas são essas?
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2:30 - 2:33Onde é que nós encontramos
7 mil línguas no mundo todo? -
2:33 - 2:35Basta pensar em países
como a Papua Nova Guiné, -
2:35 - 2:37que tem mais de 800 línguas.
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2:37 - 2:40Basta pensar nos próprios EUA,
ao qual associamos uma só língua, -
2:40 - 2:42ou talvez duas se contarmos o espanhol,
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2:42 - 2:45mas que têm muitas línguas
dos nativos americanos, -
2:45 - 2:46dezenas e dezenas de línguas.
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2:47 - 2:49O Brasil tem mais de 200 línguas
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2:49 - 2:55faladas ainda hoje por quem lá estava
antes de chegarem os portugueses. -
2:55 - 3:00Na Europa, são raríssimos os países
onde se fala apenas uma língua. -
3:01 - 3:03Para dizer a verdade,
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3:03 - 3:05assim, de repente, lembro-me
talvez apenas da Islândia -
3:05 - 3:07e, se calhar, também estou errado.
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3:07 - 3:11Basta olhar para o nosso próprio país,
um país muito monolingue. -
3:11 - 3:15A população, quase na sua totalidade,
fala português como língua-mãe. -
3:15 - 3:18E, no entanto, há pelo menos
quatro línguas em Portugal. -
3:18 - 3:21Há quem diga que há mais,
mas eu conto quatro, sem grandes dúvidas. -
3:21 - 3:23A primeira é obviamente a portuguesa,
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3:23 - 3:27a língua que eu estou a falar agora
e que nós costumamos usar no dia a dia, -
3:27 - 3:29que é a língua oficial do país
e usada pelo Estado. -
3:30 - 3:32Há também uma que é bastante
conhecida, que é o mirandês, -
3:32 - 3:35que foi reconhecido
oficialmente há 20 anos -
3:35 - 3:37e é uma língua
-
3:37 - 3:40que está relacionada com a antiga língua
do Reino de Leão e com as Astúrias. -
3:40 - 3:43Não é um dialeto português,
é uma língua separada. -
3:44 - 3:49Em terceiro lugar, temos uma língua falada
por muitos milhares de portugueses -
3:49 - 3:51como língua materna,
em conjunto com o português, -
3:52 - 3:53que é o cabo-verdiano.
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3:53 - 3:56É uma língua separada do português,
nasceu do português. -
3:56 - 3:59Tal como o português nasceu do latim,
o cabo-verdiano nasceu do português. -
3:59 - 4:03Tem uma gramática própria,
tem vocabulário, tem dialetos internos. -
4:03 - 4:05É uma língua e é falada
por muitos, muitos portugueses -
4:05 - 4:09e, por isso, deve ser contabilizada
como língua de Portugal. -
4:09 - 4:12E, por fim, uma língua de que talvez
nos esqueçamos no dia a dia, -
4:12 - 4:16mas que é uma das línguas reconhecidas
na nossa própria Constituição. -
4:16 - 4:20É uma obrigação do Estado português
proteger o português e esta língua, -
4:20 - 4:22e falo da língua gestual portuguesa,
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4:22 - 4:26que é uma língua própria
e separada do português. -
4:26 - 4:29A língua gestual portuguesa
não é português por gestos. -
4:29 - 4:34Basta pensar que o português
falado em Portugal -
4:34 - 4:37está intimamente relacionado
com o português falado no Brasil, -
4:37 - 4:38embora seja diferente.
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4:38 - 4:42Está muito próximo do galego,
está próximo do castelhano, do francês, -
4:42 - 4:44ou seja, é uma língua latina.
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4:45 - 4:47No entanto, no caso
da língua gestual portuguesa, -
4:47 - 4:50a língua mais próxima
é a língua gestual da Suécia, -
4:50 - 4:52e não a do Brasil.
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4:52 - 4:54Por isso, as línguas
são muitos diferentes, -
4:54 - 4:55têm uma gramática própria,
-
4:55 - 4:57e, por isso, deve ser contabilizada.
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4:57 - 4:59São pelo menos quatro em Portugal.
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4:59 - 5:01Resultado: temos 7 mil línguas,
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5:01 - 5:03um pouco mais, um pouco menos,
por volta deste número. -
5:03 - 5:06Como é que alguém pode dizer
que numa dessas 7 mil línguas -
5:06 - 5:09não existe uma palavra que traduza
exatamente a palavra "saudade"? -
5:09 - 5:13Nós não sabemos. Não há ninguém
que fale 7 mil línguas, nem perto disso. -
5:13 - 5:15E, curiosamente, aqui bem perto
-
5:15 - 5:18— e, quando digo "perto",
estou a falar à escala mundial — -
5:18 - 5:22aqui na Europa,
uma língua latina, o romeno -
5:22 - 5:25— eu não sei romeno, mas disseram-me,
os romenos contam isto — -
5:25 - 5:28há uma palavra, que é a palavra "dor",
-
5:28 - 5:31que não quer dizer "dor",
mas sim "saudade". -
5:32 - 5:34Claro, quando pergunto a um romeno
a definição de "dor", -
5:34 - 5:37dá-me sempre uma definição diferente
do que o romeno do lado, -
5:37 - 5:41tal como quando pergunto a um português
qual é a definição da palavra "saudade", -
5:41 - 5:44dá-me sempre uma definição diferente
do português do lado. -
5:44 - 5:47Mas, no entanto, as duas definições
parecem estar muito próximas. -
5:47 - 5:49Por isso, aqui bem perto, temos uma língua
-
5:49 - 5:52onde a palavra parece ter
uma tradução bastante exata. -
5:53 - 5:55A terceira razão
-
5:55 - 5:59pela qual é enganador dizer-se
que a palavra "saudade" não tem tradução -
5:59 - 6:00é esta.
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6:00 - 6:01Quando falo da segunda razão, dizem:
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6:01 - 6:04"Está bem, mas de certeza
que não é a mesma coisa, -
6:04 - 6:05"há qualquer coisa que falha,
-
6:05 - 6:08"uma coisa que não é exatamente
a definição que nós damos". -
6:08 - 6:10E eu digo: é verdade.
-
6:10 - 6:12Quando nós traduzimos
a palavra " saudade", -
6:12 - 6:14há sempre uma coisa
que se perde ou que se ganha, -
6:14 - 6:16mas nunca é a mesma coisa.
-
6:16 - 6:19Mas o que é certo é que isso é válido
para todas as palavras, -
6:19 - 6:21não é só para "saudade".
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6:21 - 6:24Dou-vos dois exemplos para começar,
exemplos muito simples. -
6:24 - 6:26O primeiro exemplo é "café".
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6:26 - 6:28Como é que nós traduzimos
"café" para inglês, -
6:29 - 6:33a língua estrangeira que o maior número
de pessoas conhece aqui? -
6:33 - 6:35É simples: "coffee".
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6:35 - 6:38No entanto, quando nós nos lembramos
da palavra "café" em português, -
6:38 - 6:40quando estamos em Portugal
e dizemos "café", -
6:40 - 6:43lembramo-nos de uma
chávena, uma bica, -
6:43 - 6:44um pequeno expresso.
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6:44 - 6:46No fundo, é nesse café
que um português pensa -
6:46 - 6:48quando diz a palavra "café".
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6:48 - 6:52Um inglês pensará num copo
bastante maior e bastante aguado, -
6:52 - 6:54que um português não gosta.
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6:54 - 6:56Também, quando nós dizemos "café",
-
6:56 - 6:58lembramo-nos do espaço
onde vamos tomar café, -
6:58 - 7:00o que não acontece com a palavra "coffee".
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7:00 - 7:02Há de ser outra palavra.
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7:02 - 7:04Mas, mesmo dentro de cada língua,
-
7:04 - 7:08as palavras nunca são iguais
na boca de duas pessoas diferentes. -
7:08 - 7:11Por exemplo, a palavra "praia".
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7:11 - 7:13Eu nasci aqui em Peniche,
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7:13 - 7:15e para mim a palavra "praia"
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7:17 - 7:20traz-me memórias da infância
e da rotina da infância, -
7:20 - 7:22de sair de casa, ir para a escola
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7:22 - 7:25e ver a praia na rua,
no caminho para a escola; -
7:25 - 7:27abrir a janela de casa e ver uma praia.
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7:28 - 7:30A minha mulher, que mora comigo
em minha casa e é portuguesa, -
7:30 - 7:33nasceu e cresceu em Ponte de Sor.
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7:33 - 7:36Para ela, "praia" são recordações
das férias da infância. -
7:36 - 7:39Não são recordações da rotina.
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7:39 - 7:43É uma palavra que é a mesma
e, no entanto, tem conotações diferentes -
7:43 - 7:46para duas pessoas que estão
a viver na mesma casa. -
7:47 - 7:51Mas, depois, podemos pensar
em aspetos mais concretos, -
7:51 - 7:53não só nas conotações das palavras.
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7:53 - 7:55É sempre difícil traduzir.
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7:56 - 7:59Por exemplo, uma palavra
tão simples como "gato" -
7:59 - 8:01nós traduzimos para inglês: "cat".
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8:01 - 8:03O que é que pode ser difícil?
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8:03 - 8:05E, no entanto, esta palavra
tem algumas armadilhas. -
8:05 - 8:09Por exemplo, é perfeitamente natural
para um inglês olhar para um tigre -
8:09 - 8:11e dizer "a big cat".
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8:11 - 8:14Nós só diríamos isto como uma piada,
porque não é um "gato". -
8:14 - 8:17Um "gato" será sempre um gato doméstico.
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8:17 - 8:21Ou seja, só aqui na palavra "gato"
temos uma dificuldade, mas há mais. -
8:21 - 8:23A palavra "orelha": "ear".
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8:23 - 8:25Mas "ear" também significa "ouvido".
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8:25 - 8:29Nós fazemos uma distinção que os ingleses
terão de fazer de outra maneira. -
8:29 - 8:34Depois, pensamos numa palavra
como a palavra "sueño" em espanhol, -
8:34 - 8:37que quer dizer "sonho" e "sono".
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8:38 - 8:41Usam a mesma palavra
para duas coisas que são distintas, -
8:41 - 8:43apesar de estarem próximas.
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8:43 - 8:45Será confuso?
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8:45 - 8:47Para nós, é. Para um espanhol, não é.
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8:47 - 8:50Em português, nós temos
uma palavra, "sono", -
8:50 - 8:53que significa duas coisas
bastante diferentes, -
8:53 - 8:54que no inglês são distintas.
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8:54 - 8:57Por exemplo, nós dizemos "sono"
para a vontade de dormir -
8:57 - 8:59e para o estado de estar a dormir.
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8:59 - 9:01Não se faz confusão nenhuma,
nunca nos faz confusão, -
9:01 - 9:04tal como para um espanhol
não faz confusão nenhuma -
9:04 - 9:06dizer "sueño" para "sonho" e para "sono".
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9:07 - 9:08Mas podemos ir mais longe,
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9:09 - 9:11podemos olhar para
a gramática das línguas. -
9:11 - 9:14Não vos quero aborrecer com gramática,
não é esse o meu objetivo, -
9:14 - 9:17mas pensem só na questão do género.
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9:18 - 9:21Nós, portugueses, e qualquer
falante de línguas latinas, -
9:21 - 9:24temos de dizer que uma cadeira
é do género feminino, -
9:24 - 9:26que um banco é do género masculino,
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9:26 - 9:31que uma árvore é do género feminino
e que um arbusto é do género masculino. -
9:31 - 9:33Para um inglês, isto não faz
sentido. Não têm género. -
9:33 - 9:37Outro dia, o meu filho chegou
a casa muito indignado -
9:37 - 9:39porque descobriu que "pilinha"
é do género feminino -
9:40 - 9:42e "pipi" é do género masculino.
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9:42 - 9:44Para ele, isto não fazia sentido nenhum.
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9:44 - 9:49E eu disse: "Pois não faz.
Mas é assim. Tens de aprender". -
9:49 - 9:51E ele ficou muito indignado e continuou.
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9:51 - 9:55Para um inglês ou para alguém
que fale uma língua sem género -
9:55 - 9:56para os nomes comuns,
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9:56 - 9:58os nossos géneros fazem confusão.
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9:59 - 10:01É difícil de decorar.
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10:01 - 10:03Nós temos dois. Os alemães têm três.
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10:04 - 10:08Os falantes de suaíli têm mais de 15.
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10:08 - 10:10Não lhes chamam géneros,
chamam-lhes classes de nomes, -
10:10 - 10:12mas funcionam da mesma
maneira que um género. -
10:12 - 10:16Muitas línguas são diferentes
e são de facto difíceis de traduzir. -
10:16 - 10:18Podemos pensar também
na questão das cores. -
10:19 - 10:21Pensem nos russos.
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10:21 - 10:24Eu não sei russo, não vou me atrever
a dizer palavras em russo, -
10:24 - 10:27mas os russos têm uma palavra
diferente para o azul-escuro -
10:27 - 10:29e têm uma palavra diferente
para o azul-claro. -
10:29 - 10:31Para eles, são duas cores diferentes.
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10:31 - 10:34Não são a mesma cor.
Não são dois tons, são cores diferentes. -
10:34 - 10:35Isto para eles tem uma palavra;
-
10:35 - 10:38a cor das vossas cadeiras
seria outra palavra. -
10:38 - 10:41Nós temos uma coisa
relativamente semelhante, -
10:41 - 10:42com o finlandês.
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10:42 - 10:46Embora também tenham
uma palavra para o vermelho-claro, -
10:46 - 10:49eles fazem a distinção do vermelho-claro
e do vermelho-escuro -
10:49 - 10:52que nós fazemos com duas palavras
diferentes: "rosa" e "vermelho". -
10:52 - 10:54Para um finlandês,
são dois tons da mesma cor. -
10:54 - 10:57Para nós, são duas cores diferentes.
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10:58 - 10:59O que é que isto significa?
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10:59 - 11:03Ou seja, a tradução de "saudade",
tal como todas as outras palavras, -
11:03 - 11:04é difícil.
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11:04 - 11:05Não é impossível, mas é difícil.
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11:06 - 11:08Isso acontece com todas as palavras
e com todas as frases, -
11:08 - 11:13e até as coisas mais simples
têm lá pequenas armadilhas. -
11:13 - 11:15E faço agora a tal segunda pergunta
— disse que eram duas. -
11:15 - 11:17A segunda pergunta é:
-
11:17 - 11:20Será que podíamos acabar com isto tudo,
com estas diferenças todas, -
11:20 - 11:22e falar apenas uma língua
e estava resolvido o problema? -
11:23 - 11:25Isto depende da opinião de cada um.
-
11:25 - 11:29Queria lembrar-vos apenas de dois pontos
que eu julgo que são importantes. -
11:29 - 11:32A maneira como as línguas
humanas funcionam -
11:32 - 11:35implica que elas estão
em constante mudança. -
11:35 - 11:38Não é este o objetivo
do que eu estou aqui a dizer. -
11:38 - 11:40Não vamos falar das razões
para tal mudança. -
11:40 - 11:41Mas ela existe sempre.
-
11:41 - 11:44As línguas estão sempre a mudar,
de geração para geração. -
11:44 - 11:46Nunca ficam exatamente iguais,
-
11:46 - 11:48o que significa que,
se nós fizéssemos esse esforço -
11:48 - 11:51de começarmos todos a falar uma só língua,
-
11:51 - 11:54gerações depois, já começariam
a aparecer algumas diferenças aqui e ali -
11:54 - 11:56e, algumas centenas de anos depois,
-
11:56 - 11:59de certeza de que todos estaríamos
a falar línguas diferentes de novo -
11:59 - 12:02e, por isso, o esforço
não seria recompensado. -
12:02 - 12:06Diria eu que mais vale
usarmos aquilo que nós temos, -
12:06 - 12:08a tradução e a aprendizagem
de outras línguas -
12:08 - 12:11e, se for preciso, línguas
secundárias como auxílio, -
12:11 - 12:14pois estar a obrigar toda a humanidade
a falar uma só língua -
12:14 - 12:17seria praticamente complicado,
praticamente não, bastante complicado. -
12:17 - 12:21E, por fim, gostaria que pensassem aqui
num aspeto da diversidade de línguas. -
12:22 - 12:26Pensem nos Lusíadas,
a obra cimeira da literatura portuguesa. -
12:26 - 12:28Camões escreveu
os Lusíadas em português, -
12:29 - 12:32e não podia ter escrito aquela obra
noutra língua qualquer, -
12:32 - 12:34aquela obra em particular,
-
12:34 - 12:37porque há uma série de rimas,
há uma série de sons, -
12:37 - 12:40uma série de ritmos próprios
da língua portuguesa -
12:40 - 12:42que estão impressos naquela obra.
-
12:42 - 12:44A história é contada
de determinada maneira -
12:44 - 12:46em que uma palavra chama a outra.
-
12:46 - 12:49Há uma sequência que leva
-
12:49 - 12:53a que aquela obra não pudesse
ter sido escrita em qualquer outra língua. -
12:53 - 12:54Foi escrita em português.
-
12:54 - 12:57E, no entanto, depois
de escrita em português, -
12:57 - 13:00foi traduzida para castelhano, francês,
inglês, alemão e por aí fora -
13:00 - 13:03Ou seja, uma obra que não podia
ser escrita em mais de uma língua -
13:03 - 13:06acabou por ser importada
para as outras línguas todas. -
13:06 - 13:09O que eu quero dizer com isto
é que a diversidade de línguas -
13:10 - 13:13sublinha a criatividade humana,
espicaça a criatividade humana, -
13:13 - 13:15ou seja, espicaça a imaginação,
-
13:15 - 13:19e é, por isso, uma riqueza não só
para cada uma das culturas em separado, -
13:19 - 13:22mas para todas as culturas em conjunto.
-
13:22 - 13:25Eu até vos deixo agora,
para terminar, um desafio, -
13:25 - 13:27que será um pouco estranho,
-
13:27 - 13:28mas é um desafio que eu acho
-
13:28 - 13:31que é bastante enriquecedor
para qualquer uma das pessoas. -
13:31 - 13:35Eu traduzo como profissão,
mas proponho-vos: -
13:35 - 13:38peguem num capítulo,
num pedaço de um texto qualquer, -
13:38 - 13:40numa língua estrangeira que conheçam,
-
13:40 - 13:42e tentem traduzi-lo a sério.
-
13:42 - 13:44Façam o esforço de olhar
para aquela estrutura, -
13:44 - 13:46para aquelas frases,
para aquelas palavras, -
13:46 - 13:50e traduzam-nas para o português
— ou para a vossa língua, se for outra — -
13:50 - 13:54e verão como o contraste entre línguas,
-
13:54 - 13:57o contraste na maneira
como as duas línguas funcionam, -
13:58 - 14:00vai espicaçar a vossa criatividade
e a vossa imaginação. -
14:00 - 14:03E é isso mesmo que
a especificidade das línguas faz: -
14:03 - 14:06espicaça-nos a imaginação
e espicaça-nos a criatividade. -
14:06 - 14:07Muito obrigado.
-
14:07 - 14:10(Aplausos)
- Title:
- A palavra "saudade" tem tradução? | Marco Neves | TEDxPeniche
- Description:
-
Será possível traduzir a palavra "saudade"? Quantas línguas há no mundo? Para que servem tantas línguas? Será que podemos viver um dia num mundo com um só idioma? Numa viagem pelos segredos da tradução e avançando pelas diferenças entre as línguas, Marco Neves mostra a ligação entre a linguagem e a criatividade humana.
Marco Neves nasceu em Peniche e vive em Lisboa. Tem seis ofícios: tradutor, revisor, leitor, conversador e autor. Falta um: também é pai, com o ofício de contar histórias. Atualmente, é professor de tradução na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - NOVAFCSH, tradutor, diretor do escritório de Lisboa da Eurologos-Lisboa e colunista no SAPO 24. Publicou vários livros sobre o português (e outras línguas) e ainda um romance de aventuras centrado em Peniche.
Esta palestra foi feita num evento TEDx, organizado de forma independente por uma comunidade local mas usando o formato das Conferências TED. Saiba mais em: http://ted.com/tedx
- Video Language:
- Portuguese
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 14:19
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