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As antiquíssimas economias de partilha em África — e porque devemos reproduzi-las

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    O que eu tenho andado a fazer
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    é um exercício mental.
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    Talvez conheçam ou tenham lido este livro
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    escrito por este senhor.
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    É provavelmente o primeiro,
    e talvez o único, 'bestseller'
  • 0:16 - 0:18
    alguma vez escrito sobre economia.
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    E, se calhar, conhecem um pouco
    do que é que diz.
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    Trata de como as nações
    por todo o mundo irão prosperar
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    através da busca individual
    do lucro individual.
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    O lucro individual será o mecanismo
    para a prosperidade do mundo.
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    Mas o curioso em Adam Smith
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    é que ele era do tipo caseiro.
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    De facto, o mais que se afastou
    de Edimburgo
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    foi para a França ou a Suíça.
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    Então, o meu exercício mental é imaginar
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    como seria se Adam Smith
    tivesse visitado África.
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    Felizmente, há uma resposta fácil,
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    porque Ibn Battuta,
    o advogado e viajante árabe,
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    viajou pela costa leste
    da África no século XIV,
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    e encontrou em Mogadíscio
    um mercado sobre o qual escreveu.
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    Basicamente, os navios mercantes
    chegavam ao porto
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    mas ninguém podia desembarcar.
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    Tinham que lançar a âncora no porto
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    e os barcos iam ter com eles.
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    Os locais contactavam-nos dizendo:
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    "Você é meu convidado,
    eu sou o seu agente."
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    E eles tinham de fazer negócios
    através do agente local.
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    Se eles se recusassem e o negócio
    não passasse pelo agente,
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    podiam ir a tribunal,
    o negócio seria cancelado,
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    e eles seriam expulsos da cidade.
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    Com este mecanismo,
    todos prosperavam.
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    Se Adam Smith lá fosse,
    teria feito uma cara destas:
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    "Ah! É uma sociedade de ajuda mútua!
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    "É um mercado livre
    de partilha de riqueza".
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    E quando coloquei a questão
    ao Christian Benimana,
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    que esteve no palco
    no início desta sessão,
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    ele disse que, se Adam Smith
    tivesse ido a África,
  • 2:10 - 2:14
    teria havido uma economia de partilha
    muito antes da Airbnb e da Uber .
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    E é verdade.
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    Então, se pensarmos isto nos dias de hoje,
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    seria muito interessante.
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    Haveria muito dinheiro
    a circular nos países.
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    Estes números são apenas
    10% das exportações nestes países.
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    O interessante é que esta economia
    de ajuda mútua ainda existe
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    e podemos encontrá-la
    nos lugares mais estranhos.
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    Este é o Mercado Internacional de Alaba.
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    É o maior mercado de eletrónica
    na África Ocidental.
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    São 10 000 comerciantes,
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    todos os anos faturam cerca
    de 4 mil milhões de dólares.
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    E dizem que são apóstolos
    fiéis de Adam Smith:
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    "A competição é uma coisa ótima,
    aqui é cada um por si.
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    "O governo não nos ajuda."
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    Mas o interessante é que,
    quando fiz mais perguntas,
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    não foi isso que fez o mercado crescer.
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    Há um princípio nos bastidores
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    que permite que este mercado cresça.
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    E eles afirmam — no fundo,
    esta é uma justaposição interessante
  • 3:17 - 3:20
    da Bíblia do Rei Jaime
    e "Como nos vendermos".
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    Isto é o que eles dizem
    ser a mensagem deles.
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    Na prática, o mercado é governado
    por um princípio de partilha.
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    Qualquer comerciante, a quem perguntarmos:
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    "Como começou no comércio global?"
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    responde: "Foi quando o meu mestre
    me estabeleceu."
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    Quando me decidi a perguntar:
    "Mas afinal, o que é 'estabelecer'?"
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    Acontece que, depois
    de terminar a aprendizagem,
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    a trabalhar para alguém,
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    essa pessoa tem o dever — dever! —
    de ajudar o aprendiz a começar o negócio,
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    o que significa pagar-lhe a renda
    durante dois ou três anos
  • 3:52 - 3:54
    e dar-lhe uma contribuição em dinheiro
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    para o ajudar a estabelecer o negócio.
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    Isso é capital de risco
    de origem local, não é?
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    E, inclusive, atrevo-me a dizer
  • 4:03 - 4:08
    que este sistema Igbo de aprendizes,
    que rege o Mercado Internacional de Alaba,
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    é a maior plataforma incubadora
    de negócios do mundo.
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    Procurámos outras economias de partilha.
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    Encontram-se "carrocéis"
    em quase todos os bairros de lata.
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    Têm nomes diferentes noutras culturas,
    este é o nome usado no Quénia.
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    É uma forma de gerar capital:
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    todos põem dinheiro
    num pote, uma vez por semana,
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    e todas as semanas, o fundo
    é entregue a um membro do grupo,
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    que pode gastar o dinheiro como entender.
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    Também há as chamadas "acequias",
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    que é um termo espanhol, mas é
    originário do árabe do Norte de África;
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    "saqiya", significa "roda d'água" .
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    A "acequia" é um sistema
    de partilha de água, quando escassa
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    e migrou do Norte de África para Espanha,
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    e de Espanha para o oeste dos EUA,
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    onde ainda é usada.
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    A água é partilhada
    segundo a necessidade,
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    em vez de ser por ordem de chegada.
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    Contrariamente, e com todo o respeito,
    do que disse Llew Classen,
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    quando falou ontem
    de "blockchains" e criptomoedas,
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    não há uma "tragédia dos comuns".
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    As pessoas gerem a pouca água
    com este método das "acequias"
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    há muitas centenas de anos.
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    Eu quis levar este exercício intelectual
    um pouco mais longe
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    e sugerir que estas coisas
    são geridas pela comunidade
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    e é ela quem gere o pouco capital,
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    o pouco dinheiro e os recursos escassos.
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    Quer-me parecer que há
    dois tipos de capitalismo.
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    Temos o capitalismo "topo de gama".
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    E estas estatísticas são interessantes
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    porque 0,003% da população da Nigéria
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    controlam a riqueza equivalente
    a apenas 25% do PIB do país.
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    e só 0,01 de 1% da população do Quénia
  • 6:13 - 6:19
    controla o equivalente
    a 75% do PIB do país.
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    Este é o capitalismo "topo de gama".
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    Todos os outros são como este aqui,
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    a vender jogos de tabuleiro
    e equipamentos de musculação
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    num engarrafamento
    na autoestrada em Lagos.
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    Quando se vendem jogos de tabuleiro
    e equipamentos de musculação
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    em engarrafamentos de trânsito
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    é porque se está mesmo em dificuldades.
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    Quem se encontra
    nesta esfera económica
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    está preso naquilo a que chamo
    capitalismo de "decadência"
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    porque não há hipótese de melhorar
    uma vez chegados a este ponto,
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    porque não existem os recursos
    das economias de partilha
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    de que falámos há pouco.
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    E tropeçam na tese da
    "mandioca e do capitalismo".
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    Ou seja, a mandioca tem de ser processada
    para não ser venenosa,
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    e eu diria que, do mesmo modo,
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    também o mercado de economia
    deve ser processado para ser justo
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    para toda a gente.
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    Precisamos de olhar para aquilo
    a que chamo a "economia de base".
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    Temos os modelos de partilha
    que já existem
  • 7:25 - 7:30
    e que precisamos de promover
    e usar em grande escala
  • 7:30 - 7:31
    Certo?
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    E, se propagarmos isto,
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    podemos dar a todos uma infraestrutura
  • 7:37 - 7:40
    e garantir que são as comunidades
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    que lideram o seu desenvolvimento,
  • 7:44 - 7:46
    o que, na minha opinião,
    é o que é preciso no mundo.
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    Eu gostaria de sugerir
    o que é preciso em África.
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    Queria citar Steve Biko,
  • 7:53 - 7:56
    e achei importante citar Steve Biko
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    porque, no mês que vem,
    a 12 de setembro, mais precisamente,
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    é o 40.º aniversário do seu assassinato
    pelo Estado da África do Sul.
  • 8:07 - 8:08
    Podem ler a citação.
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    Ele dizia, resumidamente,
    que não estamos cá para competir.
  • 8:12 - 8:16
    Gosto muito desta citação, diz:
    "... para sermos irmãos e irmãs,
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    "unidos numa comunidade,
    na busca duma resposta conjunta
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    "para os diversos problemas da vida."
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    E dizia também que:
    "As grandes potências do mundo
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    "fizeram maravilhas para nos dar
    um aspeto industrial e militar."
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    Mas não temos de imitar
    esse complexo militar industrial,
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    porque África consegue fazer
    as coisas de forma diferente
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    e restaurar a humanidade do mundo.
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    Então, o que eu quero frisar aqui
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    é que temos uma oportunidade,
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    que estamos todos aqui
    na paisagem comum
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    para conseguir fazer coisas.
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    Essa jornada começa agora.
  • 8:57 - 8:59
    Muito obrigado.
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    (Aplausos)
Title:
As antiquíssimas economias de partilha em África — e porque devemos reproduzi-las
Speaker:
Robert Neuwirth
Description:

Desde boleias para casa e não só, partilhamos tudo hoje em dia, com a ajuda de ferramentas digitais. Mas, por muito que a economia de partilha pareça algo de moderno e muito 'hight-tech', remonta a vários séculos em África, de acordo com o autor Robert Neuwirth. Ele partilha alguns exemplos incríveis — como aprendizagens que funcionam como capital de risco gerado localmente e sistemas de distribuição da água escassa — e defende que promover e alargar estes modelos pode dar asas a inúmeras comunidades ajudando-as a prosperar.

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English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
09:14

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