O grande mistério da evolução: a linguagem — Michael Corballis

Vejam a lição completa: https://ed.ted.com/lessons/evolution-s-great-mystery-language-michael-corballis

Aquilo a que chamamos linguagem é algo mais específico do que a comunicação. A linguagem é a partilha do que se passa na nossa cabeça: histórias, opiniões, perguntas, o passado ou o futuro, tempos ou locais imaginários, ideias. Fundamentalmente, é ilimitada e pode ser usada para dizer uma série ilimitada de coisas. O que é que a linguagem significa para a Humanidade, e como é que a obtivemos? Michael Corballis investiga.

Lição de Michael Corballis, realização de Biljana Labovic.

Nos anos 80, um bonobo chamado Kanzi

aprendeu a comunicar com as pessoas
numa extensão sem precedentes

— não através de discurso ou de gestos,

mas num teclado de símbolos abstratos
representando objetos e ações.

Apontando para alguns deles por ordem,
criava sequências para fazer pedidos,

para responder às perguntas verbais
dos investigadores

e para se referir a objetos
que não estavam fisicamente presentes.

As proezas de Kanzi provocaram de imediato
uma controvérsia sobre uma questão:

Teria Kanzi aprendido uma linguagem?

Chamamos linguagem a uma coisa
mais específica do que a comunicação.

A linguagem é a partilha
do que se passa na nossa cabeça:

histórias, opiniões, perguntas,
o passado ou o futuro,

instantes ou locais imaginários, ideias.

Fundamentalmente, é infinito

e pode ser usada para dizer
uma série ilimitada de coisas.

Muitos investigadores estão convencidos
de que só os seres humanos têm linguagem

que os gritos e os gestos

utilizados por outras espécies
para comunicar não são uma linguagem.

Esses gritos e gestos correspondem
geralmente a uma mensagem especifica,

para um número total limitado de mensagens

que não se combinam
em ideia mais complexas.

Por exemplo, uma espécie de macacos
pode ter um grito de alerta específico

que corresponde a um predador,
em particular, como uma cobra

mas, com a linguagem, há inúmeras formas
de dizer "cuidado com a cobra".

Até agora, nenhuma comunicação animal
parece ter este número infinito de formas

como a linguagem humana.

Não sabemos ao certo
o que se passa na cabeça dos animais,

e é possível que esta definição
de linguagem

ou a nossa forma de a medir,
não se lhes aplique.

Mas, tanto quanto sabemos,
só o Homem possui linguagem.

E embora os seres humanos falem
cerca de 7000 línguas diferentes,

qualquer criança pode aprender
qualquer língua

o que mostra que o maquinismo
biológico subjacente à linguagem

é comum a todos nós.

Então, o que é que a linguagem
significa para a Humanidade?

O que é que nos permite fazer,
e como é que a obtivemos?

Quando adquirimos ao certo esta capacidade
é uma questão ainda em aberto.

Os chimpanzés e os bonobos são
os nossos parentes vivos mais próximos,

mas a linhagem que deu origem
aos seres humanos

separou-se dos outros hominídeos

há mais de quatro milhões de anos.

Entretanto, houve muitas espécies
— todas elas já extintas,

o que torna muito difícil saber se tinham
linguagem ou qualquer coisa parecida.

Mas os grandes símios
dão uma possível pista

para as origens da linguagem:

pode ter começado como gestos
em vez de palavras.

Os grandes símios gesticulam
uns para os outros na Natureza

muito mais facilmente
do que vocalizam.

A linguagem pode ter começado
por se formar durante o Pleistoceno,

há dois ou três milhões de anos,
com o aparecimento do género Homo

que veio a dar origem
à nossa espécie, o Homo sapiens.

O tamanho do cérebro triplicou,
e a bipedia libertou as mãos

o que permitiu a comunicação.

Pode ter havido uma transição
da comunicação gestual

para uma linguagem gestual,

de apontar para objetos e imitar ações

para uma sinalética mais eficaz,
mais abstrata.

A abstração da comunicação gestual
terá eliminado a necessidade da visão,

preparando o terreno para a transição
para uma linguagem falada.

Mas essa transição
deve ter chegado mais tarde.

O discurso articulado depende
dum trato vocal duma forma particular.

Mesmo os nossos antepassados mais próximos
os Neandertais e os hominídeos de Denisova

tinham tratos vocais
que não eram os melhores,

embora talvez já tivessem
uma certa capacidade vocal

e talvez mesmo uma linguagem.

Só nos seres humanos
o trato vocal está otimizado.

A palavra liberta as mãos
para permitir atividades

como o uso de ferramentas e o transporte.

Portanto, pode ter sido
o aparecimento da fala

e não da linguagem propriamente dita,
que levou ao domínio da nossa espécie.

A linguagem está tão intimamente ligada
ao pensamento complexo,

à perceção e às funções motoras

que é difícil identificar
as suas origens biológicas.

Mantêm-se alguns dos principais mistérios:

até que ponto a linguagem,
enquanto capacidade, modela a Humanidade

e em que medida a Humanidade
modela a linguagem?

O que apareceu primeiro, o grande número
de possíveis cenários que podemos encarar

ou a nossa capacidade de os partilhar?