Um barco com 500 pessoas afundou-se no mar. A história de duas sobreviventes.
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0:02 - 0:05Todos os dias oiço
as histórias angustiantes -
0:05 - 0:08de pessoas que fogem para salvar a vida,
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0:08 - 0:12atravessando perigosas fronteiras
e mares inóspitos. -
0:12 - 0:16Mas há uma história
que me mantém acordada de noite. -
0:17 - 0:19Trata-se de Doaa,
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0:19 - 0:21uma refugiada síria, de 19 anos,
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0:21 - 0:27que estava a viver uma existência opressiva
no Egito, a trabalhar a dias. -
0:27 - 0:32O pai dela estava sempre a pensar
no seu negócio na Síria -
0:32 - 0:36que tinha sido reduzido a pedaços
por uma bomba. -
0:36 - 0:42A guerra que os expulsara de lá
já ia no quarto ano. -
0:43 - 0:46A comunidade que, a princípio,
os tinha recebido bem -
0:46 - 0:49já se tinha cansado deles.
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0:49 - 0:52Um dia, uns homens de motocicleta
tentaram raptá-la. -
0:53 - 0:58Outrora candidata a estudante,
pensando no futuro, -
0:58 - 1:01ela andava agora sempre assustada.
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1:02 - 1:05Mas também estava cheia de esperança,
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1:05 - 1:09porque estava apaixonada
por um refugiado sírio chamado Bassem. -
1:09 - 1:14Bassem também estava a debater-se
no Egito e disse a Doaa: -
1:14 - 1:18"Vamos para a Europa, pedir asilo,
viver em segurança. -
1:18 - 1:22"Eu vou trabalhar, tu podes estudar.
É a promessa duma nova vida". -
1:23 - 1:26E pediu a mão dela em casamento ao pai.
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1:27 - 1:32Mas eles sabiam que, para chegar à Europa,
iam arriscar a vida, -
1:32 - 1:35para atravessar o Mar Mediterrâneo,
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1:35 - 1:41entregando-se aos contrabandistas
conhecidos pela sua crueldade. -
1:41 - 1:45Doaa tinha horror à água.
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1:46 - 1:49Sempre tivera. Nunca aprendera a nadar.
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1:50 - 1:55Estava-se em agosto desse ano
e já tinham morrido 2000 pessoas -
1:55 - 1:57a tentar atravessar o Mediterrâneo.
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1:57 - 2:02Mas Doaa conhecia um amigo que tinha
conseguido chegar ao norte da Europa, -
2:02 - 2:04e pensou: "Talvez nós também consigamos".
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2:04 - 2:07Por isso perguntou aos pais se podiam ir.
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2:07 - 2:11Depois duma discussão penosa,
eles consentiram -
2:11 - 2:17e Bassem entregou todas as suas poupanças
— 2500 dólares por cada um — -
2:17 - 2:18aos contrabandistas.
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2:19 - 2:22Foi num domingo de manhã
que foram chamados. -
2:22 - 2:27Foram levados de autocarro para uma praia,
havia centenas de pessoas na praia. -
2:27 - 2:31Foram levados em pequenos barcos
para um velho barco de pesca, -
2:31 - 2:34500 apinhados naquele barco,
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2:34 - 2:37300 em baixo, 200 em cima.
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2:37 - 2:42Havia sírios, palestinos, africanos.
muçulmanos e cristãos, -
2:42 - 2:47100 crianças, incluindo Sandra
— a pequena Sandra, de seis anos — -
2:47 - 2:50e Masa, de 18 meses.
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2:51 - 2:55Havia famílias naquele barco,
apinhadas, ombro com ombro, -
2:55 - 2:57pés com pés.
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2:57 - 3:01Doaa ia sentada com as pernas
encolhidas contra o peito, -
3:01 - 3:04Bassem segurava-lhe na mão.
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3:04 - 3:07No segundo dia sobre a água,
estavam doentes com preocupação -
3:07 - 3:10e enjoados por causa do mar agitado.
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3:11 - 3:14No terceiro dia, Doaa teve uma premonição.
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3:15 - 3:20Disse a Bassem:
"Receio que não consigamos. -
3:20 - 3:22"Tenho medo que o barco se afunde".
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3:23 - 3:26Bassem disse-lhe: "Tenta ter paciência.
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3:26 - 3:29"Vamos chegar à Suécia, casamo-nos lá
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3:29 - 3:31"e teremos um futuro".
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3:32 - 3:36No quarto dia, os passageiros
começaram a ficar agitados. -
3:36 - 3:39Perguntaram ao capitão;
"Quando é que lá chegamos?" -
3:39 - 3:42Ele disse-lhes para se calarem
e insultou-os. -
3:43 - 3:47Disse: "Dentro de 16 horas
chegamos às praias da Itália". -
3:47 - 3:49Estavam fracos e assustados.
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3:50 - 3:52Em breve viram um barco a aproximar-se,
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3:52 - 3:54um barco mais pequeno,
com 10 homens a bordo, -
3:54 - 3:58que começaram a gritar, lançando insultos,
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3:58 - 4:02atirando paus, dizendo-lhes
para desembarcarem todos -
4:02 - 4:06e entrarem naquele barco mais pequeno
e menos adequado para o mar. -
4:06 - 4:09Os pais ficaram horrorizados
por causa dos filhos, -
4:09 - 4:13e em conjunto recusaram-se a desembarcar.
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4:14 - 4:17Por isso o barco afastou-se furioso,
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4:17 - 4:21e meia hora depois voltou
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4:22 - 4:28e começou a abrir propositadamente
um buraco na borda do barco de Doaa, -
4:28 - 4:31mesmo por baixo do sítio
onde ela e Bassem estavam sentados. -
4:32 - 4:35Ela ouvia-os a gritar:
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4:35 - 4:38"Que os peixes comam a vossa carne!"
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4:40 - 4:46Começaram a rir
quando o barco se virou e se afundou. -
4:46 - 4:49As 300 pessoas lá em baixo
ficaram condenadas. -
4:50 - 4:54Doaa estava agarrada à borda do barco,
enquanto ele se afundava -
4:54 - 5:01e observou horrorizada uma criança
a ser feita em pedaços pela hélice. -
5:02 - 5:05Bassem disse-lhe: "Por favor, sai daí,
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5:05 - 5:08"senão afundamo-nos
e a hélice também te mata". -
5:08 - 5:11Lembrem-se, ela não sabe nadar.
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5:11 - 5:15Mas deixou-se ir e começou a mexer
os braços e as pernas, pensando: -
5:15 - 5:17"Estou a nadar".
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5:17 - 5:21Milagrosamente, Bassem encontrou
uma boia de salvação. -
5:22 - 5:24Era uma dessas boias de criança
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5:24 - 5:28usadas para brincar
nas piscinas e no mar calmo. -
5:28 - 5:30Doaa subiu para a boia,
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5:30 - 5:34com os braços e as pernas
pendurados de fora. -
5:35 - 5:37Bassem era bom nadador,
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5:37 - 5:41por isso agarrou na mão dela e nadou.
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5:42 - 5:44Em volta deles havia cadáveres.
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5:44 - 5:47Inicialmente sobreviveram
cerca de 100 pessoas -
5:47 - 5:51e começaram a juntar-se em grupos,
rezando por um salvamento. -
5:51 - 5:55Mas quando o dia acabou
e não apareceu ninguém, -
5:55 - 5:58algumas pessoas perderam a esperança,
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5:58 - 6:00e Doaa e Bassem observaram
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6:00 - 6:04homens à distância que tiravam
os seus coletes de salvação -
6:04 - 6:06e se afundavam na água.
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6:07 - 6:13Um homem aproximou-se deles
com um bebé empoleirado nos ombros, -
6:13 - 6:15um bebé de nove meses — Malek.
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6:15 - 6:20Estava agarrado a uma lata de gás
para se manter à tona e disse-lhes: -
6:20 - 6:22"Receio não sobreviver.
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6:22 - 6:25"Estou muito fraco,
já não tenho mais coragem". -
6:25 - 6:29E entregou a pequena Malek
a Bassem e a Doaa. -
6:30 - 6:33Eles puseram-na na boia.
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6:34 - 6:39Portanto agora eram três,
Doaa, Bassem e a pequena Malek. -
6:39 - 6:42Agora vou fazer uma pausa nesta história
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6:42 - 6:44e perguntar:
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6:45 - 6:50"Porque é que os refugiados
como a Doaa correm este tipo de riscos?" -
6:51 - 6:56Há milhões de refugiados
a viver no exílio, num limbo. -
6:57 - 7:01Vivem em países, fugindo duma guerra
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7:01 - 7:04que já dura há quatro anos.
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7:06 - 7:09Mesmo que quisessem regressar, não podem.
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7:09 - 7:12As suas casas, os seus negócios,
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7:12 - 7:15as suas cidades e aldeias
estão totalmente destruídas. -
7:15 - 7:18Esta é uma cidade
Património Mundial da Unesco, -
7:18 - 7:20Homs, na Síria.
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7:21 - 7:26Por isso as pessoas continuam a fugir
para os países vizinhos, -
7:26 - 7:30e nós montámos
campos de refugiados no deserto. -
7:30 - 7:34Centenas de milhares de pessoas
vivem em campos como estes, -
7:34 - 7:38e outros milhares de milhares,
milhões, vivem em cidades. -
7:38 - 7:41E as comunidades dos países vizinhos
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7:41 - 7:43que outrora os recebiam bem
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7:43 - 7:45de braços e corações abertos
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7:45 - 7:47estão sobrecarregados.
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7:47 - 7:51Não há escolas suficientes,
nem sistemas de água, nem saneamento. -
7:52 - 7:56Mesmo os países ricos da Europa
nunca poderiam acolher um influxo destes -
7:56 - 8:00sem um investimento maciço.
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8:02 - 8:05A guerra da Síria já expulsou
para fora das fronteiras -
8:05 - 8:07quase quatro milhões de pessoas,
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8:07 - 8:12mas há sete milhões de pessoas a fugir,
no interior do país. -
8:12 - 8:15Isso significa que mais de metade
da população da Síria -
8:15 - 8:17foi forçada a fugir,
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8:18 - 8:22voltando aos países vizinhos
que têm acolhido tantos. -
8:23 - 8:28Sentem que o mundo mais rico
pouco tem feito para os ajudar. -
8:29 - 8:34Os dias transformaram-se em meses,
os meses em anos. -
8:34 - 8:38Supostamente, a estadia de um refugiado
deve ser temporária. -
8:38 - 8:41Voltemos a Doaa e Bassem na água.
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8:41 - 8:46Era o segundo dia
e Bassem estava a ficar muito fraco. -
8:47 - 8:50Foi a vez de Doaa dizer a Bassem:
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8:51 - 8:56"Meu amor, agarra-te à esperança,
ao nosso futuro. Vamos conseguir". -
8:57 - 8:59Ele disse-lhe:
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9:00 - 9:04"Desculpa, meu amor,
ter-te posto nesta situação. -
9:05 - 9:09"Nunca amei ninguém
tanto quanto te amo a ti". -
9:11 - 9:14E deixou-se ir água abaixo.
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9:14 - 9:21Doaa viu como o amor da sua vida
se afogava diante dos seus olhos. -
9:24 - 9:26Mais tarde, nesse dia,
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9:26 - 9:32chegou uma mãe ao pé de Doaa,
com a sua filhinha de 18 meses, Masa. -
9:33 - 9:36Era a pequenina que mostrei
naquela fotografia há bocado, -
9:36 - 9:38com o colete de salvação.
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9:38 - 9:40A irmã mais velha, a Sandra,
tinha acabado de se afogar, -
9:40 - 9:44e a mãe sabia que tinha feito
todos os possíveis -
9:44 - 9:46para salvar a filha.
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9:46 - 9:50Disse a Doaa:
"Por favor, fica com esta criança. -
9:50 - 9:54"Que ela faça parte da tua vida.
Eu não vou sobreviver". -
9:55 - 9:58Afastou-se e afogou-se.
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10:00 - 10:04Doaa, a refugiada de 19 anos,
que tinha horror à água, -
10:04 - 10:06que não sabia nadar,
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10:06 - 10:11encontrou-se a tomar conta
de duas crianças. -
10:12 - 10:15Elas tinham sede e tinham fome
e estavam agitadas. -
10:15 - 10:18Ela tentou o melhor para as entreter,
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10:18 - 10:22cantar-lhes, dizer-lhes palavras do Corão.
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10:23 - 10:27À volta delas, os corpos
iam inchando e ficando negros. -
10:28 - 10:30O sol estivera escaldante durante o dia.
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10:30 - 10:32À noite, havia uma lua fria e nevoeiro.
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10:32 - 10:34Era muito assustador.
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10:35 - 10:40No quarto dia na água, provavelmente.
Doaa teria este aspeto, -
10:40 - 10:42na boia com as duas crianças.
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10:42 - 10:45No quarto dia chegou-se
ao pé dela uma mulher -
10:45 - 10:49e pediu-lhe para ficar com outra criança,
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10:49 - 10:52um rapazinho com apenas quatro anos.
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10:53 - 10:57Quando Doaa agarrou no rapazinho
e a mãe se afogou -
10:57 - 10:59disse para a criança que soluçava:
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10:59 - 11:02"Ela foi-se embora
para procurar água e comida". -
11:04 - 11:07Mas o coração dele parou
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11:07 - 11:10e Doaa teve que deixar o rapazinho
ir por água abaixo. -
11:11 - 11:13Mais tarde, naquele dia,
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11:13 - 11:16ela olhou para o céu com esperança
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11:16 - 11:21porque vira dois aviões a cruzar o céu.
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11:21 - 11:25Agitou os braços, esperando que a vissem,
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11:25 - 11:27mas os aviões desapareceram.
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11:27 - 11:30Mas naquela tarde,
quando o sol estava a descer, -
11:30 - 11:35viu um barco, um navio mercante e pensou:
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11:35 - 11:38"Por favor, meu Deus, que eles me salvem".
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11:38 - 11:42Agitou os braços e sentia
que estava a gritar há duas horas. -
11:42 - 11:47Já estava escuro mas por fim
as luzes de pesquisa encontraram-na -
11:47 - 11:49e atiraram-lhe uma corda,
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11:49 - 11:54espantados por verem
uma mulher agarrada a dois bebés. -
11:55 - 11:58Içaram-na para o barco,
foram buscar oxigénio e cobertores. -
11:58 - 12:02Veio um helicóptero grego buscá-las
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12:02 - 12:04e levou-as para a ilha de Creta.
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12:04 - 12:08Mas Doaa olhou à roda e perguntou:
"Como está Malek?" -
12:08 - 12:12Disseram-lhe que a bebé
não tinha sobrevivido, -
12:12 - 12:16tinha dado o último suspiro
na clínica do barco. -
12:16 - 12:19Mas Doaa tinha a certeza de que,
-
12:19 - 12:22quando as tinham içado
para o barco de salvamento, -
12:22 - 12:25a bebé estava a sorrir.
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12:27 - 12:33Só sobreviveram 11 pessoas
do naufrágio, das 500. -
12:34 - 12:39Nunca houve uma investigação
internacional ao que acontecera. -
12:39 - 12:43Houve algumas notícias nos "media"
sobre um assassínio em massa no mar, -
12:43 - 12:45uma tragédia terrível.
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12:45 - 12:47mas isso durou apenas um dia.
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12:47 - 12:51Depois as notícias
passaram para outra coisa. -
12:53 - 12:57Entretanto,
num hospital pediátrico em Creta, -
12:57 - 13:00a pequena Masa estava à beira da morte.
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13:02 - 13:05Estava muito desidratada.
Os rins estavam a falhar. -
13:05 - 13:08Os níveis de glucose
estavam perigosamente baixos. -
13:08 - 13:11Os médicos fizeram tudo
o que puderam para a salvar, -
13:11 - 13:15e as enfermeiras gregas
não saíam do pé dela, -
13:15 - 13:17com ela ao colo,
abraçando-a, cantando-lhe. -
13:17 - 13:22Os meus colegas também a visitaram
e disseram-lhe palavras simpáticas em árabe. -
13:23 - 13:26Espantosamente, a pequena Masa sobreviveu.
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13:28 - 13:34Em breve a imprensa grega começou
a dar noticias sobre a bebé milagre, -
13:34 - 13:40que tinha sobrevivido quatro dias na água
sem alimento nem nada para beber, -
13:40 - 13:45e apareceram ofertas
de todo o país para a adotar. -
13:45 - 13:49Entretanto Doaa estava
noutro hospital em Creta, -
13:49 - 13:51magra, desidratada.
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13:52 - 13:57Uma família egípcia levou-a para casa
quando lhe deram alta. -
13:58 - 14:03Em breve se espalhou
a notícia da sobrevivência de Doaa -
14:03 - 14:07e foi publicado um número de telefone
no Facebook. -
14:07 - 14:10Começaram a chegar mensagens.
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14:11 - 14:15"Doaa, sabe o que aconteceu ao meu irmão?
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14:16 - 14:21"À minha irmã? Aos meus pais?
Aos meus amigos? -
14:21 - 14:23"Sabe se eles sobreviveram?"
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14:23 - 14:27Uma dessas mensagens dizia:
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14:27 - 14:31"Acho que salvou a minha sobrinha, Masa".
-
14:32 - 14:35E trazia esta foto.
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14:36 - 14:38Era do tio de Masa,
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14:38 - 14:43um refugiado sírio que tinha conseguido
ir para a Suécia com a família -
14:43 - 14:45e com a irmã mais velha de Masa.
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14:46 - 14:51Em breve, segundo esperamos,
Masa estará junto dele na Suécia. -
14:52 - 14:57Até lá, está a ser tratada
num ótimo orfanato em Atenas. -
14:58 - 15:04E Doaa? Também se espalhou
a notícia da sua sobrevivência. -
15:05 - 15:09Os "media" escreveram
sobre aquela modesta mulher, -
15:09 - 15:13e não imaginavam como é que ela
tinha sobrevivido tanto tempo -
15:13 - 15:16naquelas condições, no mar
-
15:16 - 15:19e ainda tinha salvo outra vida.
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15:20 - 15:26A Academia de Atenas, uma das instituições
mais prestigiadas da Grécia, -
15:26 - 15:29deu-lhe um prémio pela bravura,
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15:29 - 15:32e ela merece esse elogio
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15:32 - 15:35e merece uma segunda hipótese.
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15:36 - 15:40Mas ela continua
a querer ir para a Suécia. -
15:40 - 15:43Quer reunir-se lá à sua família.
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15:43 - 15:48Também quer trazer do Egito.
a mãe, o pai e os irmãos mais novos -
15:48 - 15:52E acredito que ela vai conseguir.
-
15:52 - 15:54Quer vir a ser advogada ou política
-
15:54 - 15:59ou qualquer coisa que possa
ajudar a combater a injustiça. -
15:59 - 16:02É uma sobrevivente extraordinária.
-
16:03 - 16:06Mas eu tenho que perguntar:
-
16:06 - 16:08E se ela não tivesse
que correr aquele risco? -
16:08 - 16:11Porque é que ela teve
que passar por tudo aquilo? -
16:11 - 16:16Porque é que não havia uma forma legal
de ela estudar na Europa? -
16:17 - 16:21Porque é que Masa não pôde apanhar
um avião para a Suécia? -
16:21 - 16:24Porque é que Bassem
não pôde arranjar trabalho? -
16:24 - 16:30Porque é que não há um grande programa
de instalação para os refugiados sírios, -
16:30 - 16:34que são vítimas
da pior guerra da nossa época? -
16:34 - 16:38O mundo não fez isso
pelos vietnamitas nos anos 70? -
16:38 - 16:40Porque não para nós agora?
-
16:41 - 16:45Porque é que há tão pouco investimento
nos países vizinhos -
16:45 - 16:48que acolhem tantos refugiados?
-
16:49 - 16:52E porquê, é a pergunta fundamental,
-
16:52 - 16:59está a fazer-se tão pouco
para parar com as guerras, a perseguição -
16:59 - 17:03e a pobreza que está
a empurrar tanta gente -
17:03 - 17:05para as praias da Europa?
-
17:06 - 17:09Enquanto estes problemas
não forem resolvidos, -
17:09 - 17:12as pessoas continuarão a fazer-se ao mar
-
17:12 - 17:15e a procurar segurança e asilo.
-
17:16 - 17:18O que acontecerá a seguir?
-
17:18 - 17:21Essa é fundamentalmente
uma opção da Europa. -
17:21 - 17:24Eu compreendo os receios do público,
-
17:25 - 17:28As pessoas preocupam-se
com a sua segurança, -
17:28 - 17:31a sua economia, as mudanças de cultura.
-
17:32 - 17:36Mas isso é mais importante
do que salvar vidas humanas? -
17:37 - 17:40Porque há aqui uma coisa fundamental
-
17:40 - 17:43que eu penso que ultrapassa todo o resto.
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17:43 - 17:46Trata-se da nossa humanidade comum.
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17:47 - 17:51Nenhuma pessoa que foge
da guerra ou da perseguição -
17:51 - 17:56devia ter que morrer a atravessar
o mar para obter segurança. -
17:57 - 18:00(Aplausos)
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18:03 - 18:04Uma coisa é certa,
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18:04 - 18:07nenhum refugiado estaria
naqueles barcos perigosos -
18:07 - 18:09se pudessem viver onde estão.
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18:10 - 18:13Nenhum migrante faria
aquela perigosa viagem -
18:13 - 18:17se tivessem comida suficiente
para si e para os seus filhos. -
18:17 - 18:20Ninguém poria todas as suas poupanças
-
18:20 - 18:22nas mãos destes conhecidos contrabandistas
-
18:22 - 18:25se houvesse uma forma legal de emigrar.
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18:25 - 18:28Por isso, em nome da pequena Masa
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18:29 - 18:32em nome de Doaa
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18:32 - 18:34e de Bassem
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18:34 - 18:39e daquelas 500 pessoas
que se afogaram com ele, -
18:39 - 18:42podemos garantir
que eles não morreram em vão? -
18:42 - 18:46Podemos ser inspirados pelo que aconteceu
-
18:46 - 18:53e defender um mundo
em que todas as vidas são importantes. -
18:53 - 18:54Obrigada.
-
18:55 - 18:59(Aplausos)
- Title:
- Um barco com 500 pessoas afundou-se no mar. A história de duas sobreviventes.
- Speaker:
- Melissa Fleming
- Description:
-
A bordo de um barco sobrecarregado, que transportava mais de 500 refugiados, uma rapariga torna-se numa heroína improvável. Esta história singela e ponderosa, contada por Melissa Fleing, da organização de refugiados das Nações Unidas, dá um rosto humano aos terríveis números de seres humanos que tentam fugir para uma vida melhor... enquanto os barcos de refugiados continuam a chegar.
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 19:15
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for A boat carrying 500 refugees sunk at sea. The story of two survivors | ||
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Margarida Ferreira approved Portuguese subtitles for A boat carrying 500 refugees sunk at sea. The story of two survivors | ||
Margarida Ferreira accepted Portuguese subtitles for A boat carrying 500 refugees sunk at sea. The story of two survivors | ||
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for A boat carrying 500 refugees sunk at sea. The story of two survivors | ||
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