O poder do veneno e como um dia ele pode salvar sua vida

O veneno pode matar... ou curar. Nesta palestra fascinante, a bióloga química marinha Mandë Holford compartilha sua pesquisa sobre o veneno animal, de caracóis marinhos assassinos a ornitorrincos e Nycticebus, e explora seu potencial para um dia tratar doenças humanas como o câncer. O mecanismo por trás dessa substância poderosa ainda é um mistério, diz Holford, mas: "Algum dia, o veneno de caracol pode salvar sua vida".

Como um caracol marinho pega um peixe?

Quero dizer, por ser um caracol, é lento,

e o peixe não é.

Mas, ainda assim, isso acontece.

Escondido sob a areia,
está um caracol-do-cone.

Essa coisa laranja que vemos
é como uma língua.

Nós a chamamos de probóscide.

Ele a utiliza para rastrear e dominar
esse peixe desprevenido.

Nessa interação predador-presa,

esses não são claramente
escargots comuns.

São assassinos do mar.

A arma de escolha deles é o veneno.

Veneno, como o que encontramos
em escorpiões e cobras venenosas,

esses caracóis do mar o utilizam
para dominar peixes, vermes

e outros caracóis.

O veneno desses caracóis
não é uma coisa só.

É, na verdade, um coquetel
de moléculas tóxicas

embaladas e distribuídas
por um dente falso chamado rádula.

Podemos pensar nas rádulas
como agulhas hipodérmicas.

Não se preocupe,

esses caracóis seguem o protocolo,

pois cada rádula é usada apenas uma vez.

Com base em nosso conhecimento
sobre organismos venenosos

e no vídeo da matança do peixe
de tirar o sono que acabei de mostrar,

podemos achar que o veneno
é perigoso e totalmente ruim.

Bem, sim e não.

Um modo mais preciso
de considerar o veneno

é pensar nele como um supervilão
e um super-herói.

Em meu laboratório, estudamos a evolução
do veneno desses caracóis marinhos

como uma força para o bem.

Parece exagero,

ou talvez até "óleo de cobra",

mas, na verdade,

enquanto houver cobras envolvidas,
o produto é legítimo.

Um dos motivos de sucesso
do produto do veneno

é que ele transforma uma guerra física
em uma guerra bioquímica.

Nos casos em que geralmente a interação
predador-presa é de força bruta,

o veneno a leva a uma escala molecular.

Não é o tamanho que importa,

mas a mistura do arsenal de veneno.

A química das toxinas do arsenal

é o que permitirá a Davi vencer Golias.

Em nosso cenário,
Davi é claramente o caracol.

Outra característica do veneno
que o torna tão bem-sucedido

é que as toxinas funcionam
com a precisão de um canivete suíço.

Essas toxinas chegam a fortalezas
que ajudam um organismo a funcionar.

O alvo delas é o sangue,
o cérebro e as membranas.

Quer seja veneno de caracol
ou veneno de cobra,

cada um deles tem componentes
capazes de fazer coisas

como causar a coagulação do sangue,

o que chamamos de "hemotóxicos".

Ou eles fazem com que os neurônios
do cérebro não funcionem normalmente,

o que chamamos de "neurotóxicos".

Ou eles têm toxinas que farão buracos
nas membranas das células,

fazendo com que se rompam
e, basicamente, explodam,

o que chamamos de "citotóxicos".

Explosão celular, pessoal.

Se tudo isso não é poderoso e presente,

nada é.

Agora, um pouco sobre mim,

e por que sou tão obcecada por veneno.

Cresci na cidade de Nova York

com acesso forçado
ao Museu de História Natural.

Digo "acesso forçado"

porque sou uma de cinco filhos,

e meus pais usavam os museus
como forma de cuidar das crianças.

Havia duas regras:

não perder ninguém

e encontrar mamãe e papai
nos elefantes africanos

às 17h30, quando o museu fecha.

Aqueles dias totalmente sem supervisão
correndo pelos corredores do museu

foram repletos de aventura e exploração.

E é assim que me sinto
quando estudo veneno.

É uma aventura científica.

Exploramos com ousadia essa entidade
que conecta a natureza e a humanidade.

Outra razão pela qual
sou obcecada por veneno

é a dualidade dele.

Quando injetamos os componentes
de um arsenal de veneno em um organismo,

ele pode matar ou curar.

Em nível molecular,
várias coisas podem acontecer.

Vimos uma coisa: paralisia no peixe.

Isso estava acontecendo
porque as toxinas do veneno

atacavam a forma de comunicação
entre as células do peixe,

impedindo-o de escapar.

Há outras coisas que eu gostaria
de atacar com veneno?

Com certeza.

Uma delas é o câncer.

Tumores cancerosos são células.

Como todas as células,

elas se comunicam consigo mesmas
e com o ambiente ao redor.

Gostaríamos de encontrar
componentes do veneno

que sejam muito bons em interromper
a comunicação entre células tumorais,

assim como o veneno interrompeu
a comunicação entre as células do peixe,

e o peixe não conseguiu escapar.

Em meu laboratório, estudamos
o câncer como uma canalopatia.

Isso significa, basicamente,
que procuramos componentes do veneno

cujo alvo são canais superexpressos
em células tumorais

comparado a células normais.

O câncer em que estamos mais focados agora

é o câncer de fígado.

Isso se deve ao fato
de que, desde a década de 1980,

a taxa de mortalidade
por câncer de fígado dobrou

e é uma ameaça emergente
nos Estados Unidos.

Num teste em que havia
células de câncer cervical,

neuroblastoma,

câncer de próstata e de fígado,

encontramos um composto
de um caracol terebrid

que parece atacar células
cancerosas do fígado,

apenas essas células,

e nenhuma das outras que foram testadas.

Quando pegamos esse composto
e o injetamos em modelos de camundongos

que manifestavam
células cancerosas do fígado,

ele inibiu significativamente
o crescimento dos tumores.

Ainda não temos certeza
de como isso funciona,

ainda estamos investigando o mecanismo

e como podemos tornar
esse composto mais eficaz,

para que você não corra até a farmácia

e solicite um tratamento de terapia
de câncer de fígado do caracol assassino.

Ainda não.

Basicamente, achamos que o composto
bloqueia um canal específico,

proibindo a transmissão
de uma substância química específica

que leva à sinalização a jusante,

o que permite ao tumor se multiplicar
e atrair sangue para si.

O que estamos fazendo ao estudar
os componentes do veneno

para encontrar tratamentos
para doenças e distúrbios humanos,

não é novo,

Chamamos de descoberta
de medicamentos de produtos naturais,

e vem acontecendo há séculos

e em culturas em todo o mundo.

Os venenos não só nos dão
novos compostos legais,

mas também novas maneiras de considerar

o tratamento de doenças
e distúrbios humanos.

Vou lhe dar três exemplos.

O primeiro, é claro,
é de caracóis assassinos.

Assim, o primeiro medicamento
desses caracóis que está no mercado

é chamado ziconotida, ou Prialt,

e é usado para tratar a dor crônica
em pacientes com HIV e câncer.

Prialt é uma terapia para dor
que não causa dependência.

São palavras mágicas quando pensamos
em como tratamos a dor atualmente.

Usamos coisas que têm
um custo enorme de dependência.

Pense na morfina

ou em qualquer um
de seus opioides favoritos.

O que os caracóis têm feito

é nos mostrar uma maneira
de tratar a dor sem a dependência,

o que é extraordinário.

O próximo exemplo vem da jararaca-da-mata.

Dessas cobras, derivamos
um composto chamado captopril.

O captopril é usado
para tratar a hipertensão

e é um medicamento inovador.

Mas não apenas por si só,

mas porque promoveu
toda uma classe de medicamentos,

que conhecemos como IECAs,

que são os mais comumente prescritos
para tratamento de hipertensão

e insuficiência cardíaca.

O último exemplo é do monstro-de-gila,

um exemplo muito interessante
de entender a ecologia desses organismos

e combiná-la com a descoberta
de medicamentos eficazes.

Monstros-de-gila
são comedores compulsivos.

Quando comem uma refeição grande,

eles liberam coisas em seu veneno
que reduzem o açúcar no sangue.

Qual é o medicamento que você acha
que descobrimos do monstro-de-gila?

Um composto usado para reduzir o açúcar
no sangue de pacientes diabéticos.

Esses são três exemplos maravilhosos,

mas estamos apenas começando a descobrir.

Há muito mais veneno por aí
para estudarmos.

Na verdade, achamos que 15%
de todos os animais do planeta

são peçonhentos.

Acho que é uma estimativa baixa,

considerando que não pesquisamos
todos os animais do planeta.

Mas a natureza parece
ter encontrado algo que aprecia

e vem repetindo isso várias vezes,

levando à vasta gama de animais
que vemos ao nosso redor

e por toda a árvore da vida.

Portanto, quer estejamos falando
de meu favorito, caracóis assassinos,

ou de água-viva,

ou das larvas de borboletas e mariposas,

ou de ornitorrincos ou Nycticebus,

seja por mar, terra ou ar,

com certeza encontraremos
uma criatura venenosa.

Lembra-se de quando eu disse

que o veneno pode ser
um super-herói e um supervilão,

e você duvidou de mim?

Hum.

Estamos numa corrida para aproveitar
toda a benignidade do veneno

antes de perder a grande maioria
dos animais de nosso planeta.

É um processo holístico.

Não podemos ter os tratamentos
terapêuticos sem ter os animais.

E não podemos ter os animais

sem ter seus ecossistemas.

Para mim e para os caracóis,

isso significa que temos
que salvar os oceanos.

Como encontramos animais
peçonhentos por toda parte,

temos basicamente que salvar o planeta.

Faça isso pelos animais peçonhentos,

se não quiser fazer por si mesmo.

E, quem sabe,

algum dia, o veneno de caracol
pode salvar sua vida.

Obrigada.