-
Title:
Como reavivar a fé na democracia
-
Description:
Eric Liu, evangelista cívico, partilha uma poderosa forma de reacender o espírito de cidadania e a fé de que a democracia ainda funciona. Juntem-se a ele numa viagem até ao "Sábado Cívico" e aprendam mais sobre como tornar o compromisso cívico num hábito semanal pode ajudar a construir comunidades baseadas em valores comuns e num caminho de pertença.
-
Speaker:
Eric Liu
-
Trago-vos cumprimentos
-
da 52.ª nação mais livre da Terra.
-
Como americano, irrita-me que
a minha nação continue a afundar-se
-
nas avaliações anuais
publicadas pela Freedom House.
-
Sou filho de imigrantes.
-
Os meus pais nasceram na China,
durante a guerra e a revolução,
-
foram para Taiwan e depois
vieram para os EUA.
-
Ou seja, toda a minha vida
-
estive perfeitamente consciente
de que a liberdade é uma herança frágil.
-
É por isso que passo o meu tempo
-
a ensinar, a pregar
e a praticar a democracia.
-
-
Por todo o mundo, neste momento,
-
há pessoas a duvidar
de que a democracia resulte.
-
Autocratas e demagogos
parecem encorajados,
-
convencidos, até
-
de que o mundo livre se sente sem líder.
-
E ainda assim, mantenho-me esperançado,
¶
-
não digo otimista.
-
O otimismo é para espetadores.
-
A esperança implica ação.
-
Diz que eu posso influir o resultado.
-
A esperança democrática requer fé
-
não num homem forte
ou num salvador carismático,
-
mas uns nos outros.
-
E força-nos a perguntar:
Como podemos merecer tal fé?
¶
-
Acredito que estamos num momento
de acordar moralmente,
-
do género que chega quando
certezas antigas colapsam.
-
No centro desse acordar, está
o que eu chamo "religião cívica".
-
E hoje, quero falar sobre o que é
a religião cívica,
-
como a praticamos,
-
e por que razão é hoje
mais importante do que nunca.
-
Vou começar com o que é.
¶
-
Defino religião cívica como um sistema
de credos partilhados e práticas coletivas
-
através das quais membros
de uma comunidade autogovernada
-
escolhem viver como cidadãos.
-
Agora, quando digo "cidadão",
não me refiro a papéis ou passaportes,
-
estou a falar de uma conceção
mais profunda, abrangente e ética
-
de contribuir para uma comunidade,
de ser membro de um corpo.
-
Falar de religião cívica como religião
não é uma liberdade poética.
-
Porque a democracia
-
é uma das atividades humanas
mais alimentadas pela fé que existe.
-
A democracia só resulta
-
quando suficientes pessoas
acreditam que ela resulta.
-
É ao mesmo tempo
uma aposta e um milagre.
-
A sua legitimidade não provém
de regras constitucionais
-
mas sim do espírito cívico.
-
A religião cívica, como qualquer outra,
-
possui um credo sagrado,
atos e rituais sagrados.
-
O meu credo inclui palavras
como "proteção igualitária da lei"
¶
-
e "nós, os cidadãos".
-
A minha chamada aos atos sagrados
inclui a abolição, o sufrágio feminino,
-
o movimento dos direitos civis,
-
o desembarque dos Aliados na Normandia,
-
a queda do Muro de Berlim.
-
E tenho um novo ritual cívico
de que vos vou falar mais tarde.
-
De onde quer que vocês sejam
¶
-
podem encontrar ou criar o vosso
conjunto de crenças, atos e rituais.
-
A prática de religião cívica
não requer veneração ao Estado
-
ou obediência a um partido governante.
-
Requer um compromisso mútuo
-
e com os nossos ideais comuns.
-
A santidade da religião cívica não tem
a ver com divindade ou sobrenatural.
-
Tem a ver com um grupo
de pessoas diferentes
-
que, ao dialogar, encontram
as suas semelhanças
-
e a sua coletividade.
-
Talvez estejam preocupados
¶
-
porque pensam que vos quero
vender a ideia de um culto.
-
Relaxem, não quero.
-
Não preciso de vender nada.
-
Como humanos, vocês estão sempre
no mercado para um culto,
-
para uma qualquer experiência
religiosa diferente.
-
Estamos programados para procurar
explicações cosmológicas,
-
para sacralizar crenças que nos unem
num objetivo transcendente.
-
Os seres humanos criam religião
porque os humanos criam grupos.
-
Resta-nos escolher se utilizamos
essa coletividade para o bem.
-
Se vocês são pessoas devotas, sabem isso.
-
Se não são,
-
se já não frequentam serviços de oração
-
ou nunca o tenham feito,
-
então talvez acreditem
que o ioga é a vossa religião
-
ou a Primeira Liga de futebol
-
ou o tricô, a codificação ou as TED Talks.
-
Mas quer acreditem num Deus
ou na ausência de deuses,
-
a religião cívica não exige
que renunciem às vossas crenças.
-
Apenas exige que estejam
presentes como cidadãos.
-
O que me leva ao segundo tópico:
¶
-
como podemos praticar
religião cívica de forma produtiva.
-
Vou falar-vos sobre
o meu novo ritual cívico.
-
Chama-se "Sábado Cívico"
-
e é parecido com uma reunião de fé.
-
Cantamos juntos,
-
discutimos questões comuns
com pessoas que não conhecemos,
-
ouvimos poesia e escritura,
-
há um sermão que relaciona esses textos
-
com as escolhas éticas
e controvérsias do nosso tempo.
-
Mas a música, a escritura e o sermão
-
não provêm de uma igreja,
sinagoga ou mesquita.
-
São cívicos,
-
retirados dos ideais cívicos
que partilhamos
-
e de uma história comum em que
os reivindicamos e contestamos.
-
Depois, formamos círculos para
organizar comícios, registar eleitores,
-
aderir a novos clubes
e fazer novos amigos.
-
Os meus colegas e eu começámos
a organizar Sábados Cívicos
¶
-
em Seattle, em 2016.
-
Desde então, espalharam-se
por todo o continente.
-
Podem aparecer centenas de pessoas,
outras vezes dezenas.
-
Acontecem em bibliotecas,
-
centros comunitários
e locais de trabalho,
-
sob tendas festivas
e dentro de grandes salões.
-
Não existe alta tecnologia
nesta tecnologia social.
-
É um desejo humano básico
de interação cara a cara.
-
Atrai jovens e idosos,
esquerda e direita,
-
pobres e ricos, devotos e não devotos,
-
de todas as etnias.
-
Quando vão a um Sábado Cívico
e são convidados a discutir algo como:
-
"Por quem somos responsáveis?"
-
ou "O que estamos dispostos a arriscar
ou a perder pela nossa comunidade?"
-
Quando isso acontece, algo muda.
-
Vocês mudam.
-
Começam a contar a vossa história.
-
Começamos a ver-nos uns aos outros.
-
Percebemos que os sem-abrigo,
a violência das armas, a gentrificação,
-
o trânsito horrível, a desconfiança
de recém-chegados e as "fake news",
-
essas coisas não são
problemas de outras pessoas,
-
são o conjunto dos nossos
próprios hábitos e omissões.
-
O nosso comportamento
transforma a sociedade.
-
Nunca nos pedem para refletir
sobre a nossa cidadania.
¶
-
Muitos de nós nunca somos convidados
a fazer mais ou a ser mais,
-
e muitos de nós nem imaginam
como desejamos esse convite.
-
Desde então criámos um seminário cívico
¶
-
para começar a instruir toda a gente
para liderar as reuniões do Sábado Cívico,
-
por conta própria, nas suas cidades.
-
Na comunidade de Athens, no Tennessee,
-
uma líder vivaz chamada
Whitney Kimball Coe
-
lidera reuniões numa
loja de arte e molduras
-
com um grupo coral de jovens
e muitas bandeiras pequenas.
-
Um jovem ativista chamado Berto Aguayo
-
liderou um Sábado Cívico
numa esquina de rua
-
no bairro Back of the Yards, em Chicago.
-
O Berto já se envolveu com gangues.
-
Agora, mantém a paz
-
e organiza campanhas políticas.
-
Em Honolulu, Rafael Bergstrom,
-
um ex-jogador profissional de basebol
que é agora fotógrafo e conservacionista,
-
lidera reuniões com a mensagem
"Civismo É Sexy".
-
É mesmo.
-
-
Às vezes até os nossos
seminaristas me perguntam:
¶
-
"Não é perigoso usar linguagem religiosa?"
-
"Não tornará a nossa política
ainda mais dogmática e presunçosa?"
-
Mas este ponto de vista assume
-
que toda a religião
é um fundamentalismo fanático.
-
Não é.
-
Religião também é discernimento moral,
-
aceitação de dúvida,
-
um compromisso de nos desligarmos
de nós mesmos para servir outros,
-
um desafio para restaurar o mundo.
-
Neste sentido, a política podia ser
um pouco mais como a religião,
-
não menos.
-
Portanto, o meu último tópico hoje:
¶
-
por que razão a religião cívica
é importante agora.
-
Quero dar-vos duas razões.
-
Uma é para contrariar
a cultura de hiperindividualismo.
-
Cada mensagem que recebemos
em todos os ecrãs e superfícies
-
do mercado moderno
-
diz-nos que estamos sozinhos,
-
somos um agente livre,
-
livre para gerir as nossas marcas,
-
livre para viver debaixo da ponte,
-
livre para ter um trabalho extra,
-
livre para morrer sozinho sem seguro.
-
O mercado liberal diz-nos que somos
mestres e não devemos nada a ninguém
-
mas depois escraviza-nos
-
no horrível isolamento do consumismo
e ansiedade do estatuto.
-
-
Milhões de nós já perceberam o truque.
¶
-
Estamos a perceber agora
-
que livre para todos não significa
liberdade para todos.
-
-
O que nos torna realmente livres
é a ligação aos outros
¶
-
no apoio e obrigação mútuos,
-
resolver as coisas da melhor forma
nos nossos bairros e cidades,
-
como se os nossos destinos
estivessem ligados
-
- porque estão -
-
como se não pudéssemos
separar-nos uns dos outros,
-
porque, no final, não podemos.
-
Juntarmo-nos desta forma liberta-nos.
-
Revela que somos iguais na dignidade.
-
Relembra-nos que os direitos
vêm com responsabilidades.
-
Relembra-nos, de facto,
-
que os direitos entendidos corretamente
são responsabilidades.
-
A segunda razão por que
a religião cívica é importante agora
¶
-
é que oferece a história mais
saudável possível entre nós e eles.
-
Hoje falamos de política de identidade
como se fosse algo novo,
-
mas não é.
-
Toda a política é de identidade,
-
uma luta interminável para definir
quem pertence realmente.
-
Em vez de mitos tóxicos de sangue e solo
que marcam alguns como eternos intrusos,
-
a religião cívica oferece a todos
um caminho de pertença
-
baseado apenas numa crença universal
de contribuição, de participação,
-
de inclusão.
-
Na religião cívica, "nós"
são aqueles que querem servir,
-
fazer voluntariado,
votar, ouvir, aprender,
-
sentir empatia, discutir melhor,
-
fazer circular o poder
em vez de o acumular.
-
O "eles" são aqueles
que não o querem fazer.
-
Podemos julgá-los severamente,
-
mas não é necessário,
-
porque, em qualquer altura,
um deles pode tornar-se um de nós
-
simplesmente escolhendo
viver como um cidadão.
-
Por isso, vamos dar-lhes as boas vindas.
¶
-
Whitney, Berto e Rafael são ótimos nisso.
-
Cada um tem uma forma
distinta e enraizada
-
de fazer os outros entender
a fé na democracia.
-
A gíria deles pode ser dos Apalaches,
do South Side ou do Havai.
-
A mensagem é a mesma:
-
amor cívico, espírito cívico,
responsabilidade cívica.
-
Podem pensar que tudo isto
sobre religião cívica
¶
-
é apenas para americanos
de segunda geração, cautelosos como eu.
-
Mas, na verdade, é para qualquer um,
onde quer que esteja,
-
que queira estimular
os laços de confiança,
-
de afeto e de ação conjunta
-
necessários para nos
governarmos na liberdade.
-
Os Sábados Cívicos podem
não ser para vocês.
-
Não faz mal.
-
Encontrem a vossa própria forma
de adotar hábitos cívicos do coração.
-
Estão a florescer várias formas
de comunidades cívicas amorosas
¶
-
nesta era de consciencialização.
-
Grupos como Community Organizing Japan,
-
que utiliza rituais criativos
de contar histórias
-
para promover a igualdade das mulheres.
-
Na Islândia, confirmações civis,
-
em que os jovens são liderados
por alguém mais velho
-
para aprender a história
e as tradições cívicas da sociedade,
-
culminam numa cerimónia
de ritual de passagem
-
semelhante ao crisma.
-
Círculos Ben Franklin nos EUA,
-
onde todos os meses se juntam amigos
-
para discutir e refletir sobre
as virtudes que Franklin listou
-
na sua autobiografia,
-
como justiça, gratidão e perdão.
-
Sei que religião cívica não é o suficiente
¶
-
para solucionar as desigualdades
extremas do nosso tempo.
-
É necessário poder para isso.
-
Mas o poder sem carácter
é uma cura pior que a doença.
-
Sei que só a religião cívica
não consegue acabar com a corrupção,
-
mas reformas institucionais
sem novas normas não vão durar.
-
A cultura fica a montante da lei.
-
O espírito fica a montante da política.
-
A alma fica a montante do estado.
-
Não podemos despoluir a nossa política
se apenas limparmos a jusante.
-
Temos de chegar à fonte.
-
A fonte são os nossos valores
-
e no que toca a valores,
o meu conselho é simples: tenham alguns.
-
-
-
Certifiquem-se que
esses valores são pró-sociais.
¶
-
Coloquem-nos em prática,
-
e façam-no na companhia de outros,
-
com uma estrutura de crença,
de atos e de rituais alegres
-
que vos farão continuar a voltar.
-
Aqueles que acreditam na democracia
e que esta ainda é possível
¶
-
têm o fardo de o provar.
-
Mas lembrem-se,
não é de todo um fardo
-
fazer parte de uma comunidade
que nos vê como integralmente humanos,
-
em que temos uma palavra a dizer
sobre as coisas que nos afetam
-
e em que não precisamos de ser
influentes para sermos respeitados.
-
Isso é uma bênção
-
e está disponível
para todos os que acreditam.
-
-