Criptógrafos, computadores quânticos e a guerra pela informação

Neste vislumbre do nosso futuro tecnológico, o criptógrafo Craig Costello discute o potencial transformador de paradigmas dos computadores quânticos, que poderão destruir os limites impostos pelas máquinas atuais -- e dar aos decifradores de códigos uma chave mestra para o mundo digital. Veja como Costello e seus colegas criptógrafos estão trabalhando para reinventar a criptografia e proteger a internet.

Estou no ramo da segurança digital,

e isso inclui os segredos de vocês.

Os criptógrafos estão
na linha de frente da defesa

em uma guerra que acontece há séculos:

uma guerra entre os criadores de códigos

e os decifradores.

E essa é uma guerra sobre a informação.

O campo de batalha moderno
pela informação é digital.

E a guerra é travada em seus celulares,

seus computadores

e na internet.

Nosso trabalho é criar sistemas
que codificam seus e-mails,

números de cartão de crédito,
ligações de celular e mensagens de texto,

incluindo aquelas "selfies" atrevidas...

(Risos)

para que todas essas informações
sejam decodificadas

apenas pelo destinatário pretendido.

Bem, até recentemente,

pensávamos que havíamos
ganhado essa guerra em definitivo.

Neste momento, seus smartphones
estão usando criptografia

que pensávamos ser inquebrável,
e que permaneceria assim.

Nós estávamos errados,

porque os computadores quânticos
estão à caminho,

e eles mudarão completamente o jogo.

Ao longo da história,

a criptografia e a quebra de códigos
sempre foram um jogo de gato e rato.

Por volta de 1500,

a rainha Mary, da Escócia, pensou
estar enviando cartas encriptadas

que apenas seus soldados
poderiam decifrar.

Mas a rainha Elizabeth I, da Inglaterra,

tinha decifradores trabalhando nelas.

Eles descriptografaram as cartas de Mary,

viram que ela estava
tentando assassinar Elizabeth,

e, em seguida, decapitaram Mary.

Alguns séculos depois,
na Segunda Guerra Mundial,

os nazistas se comunicaram
usando o código Enigma,

um esquema de criptografia muito mais
complicado, que pensavam ser inquebrável.

Mas então, o bom e velho Alan Turing,

o mesmo cara que inventou
o que hoje chamamos de computador moderno,

construiu uma máquina
e a usou para quebrar o Enigma.

Ele decifrou as mensagens alemãs e ajudou
a acabar com Hitler e seu Terceiro Reich.

E, assim, essa história
tem se prolongado por séculos.

Os criptógrafos melhoram a criptografia,

e os quebradores de códigos revidam,
encontrando um meio de decifrá-la.

Isso tem sido como um cabo de guerra,
e de resultados bem apertados.

Bem, pelo menos até a década de 1970,

quando alguns criptógrafos
fizeram um enorme avanço.

Eles descobriram uma forma
extremamente poderosa de criptografar,

chamada: "criptografia de chave pública".

Diferentemente de qualquer
método já utilizado na história,

ele não requer que as duas partes
que vão trocar informações confidenciais

tenham enviado previamente
a senha uma para a outra.

A mágica da criptografia de chave pública
é que ela nos permite

que nos conectemos de forma segura,
com qualquer pessoa do mundo,

quer tenhamos trocado dados
com essa pessoa antes ou não,

e de maneira tão rápida
que nem percebemos que está acontecendo.

Seja quando mandamos mensagem
a um amigo para combinarmos uma cerveja,

ou quando um banco está transferindo
bilhões de dólares a outro,

a criptografia moderna permite
enviar dados que podem ser protegidos

em uma questão de milissegundos.

A ideia brilhante que torna
essa mágica possível

apoia-se em problemas
matemáticos complexos.

Criptógrafos se interessam profundamente
por coisas que calculadoras não fazem.

Por exemplo, as calculadoras
podem multiplicar quaisquer dois números,

não importa o tamanho deles.

Mas ir na direção oposta...

começar com o produto, e então perguntar:

"Quais dois números multiplicar
para chegar a esse?",

isso é um problema realmente complexo.

Se eu perguntasse
quais números de dois dígitos

devemos multiplicar para chegar a 851,

mesmo com uma calculadora,

a maioria aqui teria dificuldade
para responder até o fim desta palestra.

E, se eu aumentar um pouco os números,

não há calculadora na Terra
que poderá fazer essa tarefa.

De fato, até o supercomputador
mais veloz do mundo

levaria mais do que o tempo
de vida do universo

para encontrar os dois números
que se multiplica para chegar a esse.

E esse problema, chamado
de "fatoração de inteiros",

é exatamente o que cada um
de seus smartphones e laptops usa agora

para manter seus dados protegidos.

Essa é a base da criptografia moderna.

E o fato de todo o poder computacional
do mundo combinado não poder resolver isso

é a razão pela qual pensávamos ter achado

um meio de estar de vez
à frente dos decifradores.

Talvez tenhamos ficado
levemente arrogantes,

pois justo quando pensávamos
ter vencido a guerra,

um bando de físicos do século 20
juntaram-se à festa,

e revelaram que as leis do universo,

as mesmas sobre as quais
a criptografia moderna foi construída,

não são como pensávamos que eram.

Achávamos que um objeto não poderia
estar em dois lugares ao mesmo tempo.

Esse não é o caso.

Achávamos que não havia como algo
rodar no sentido horário e anti-horário

simultaneamente.

Mas isso está incorreto.

E pensávamos que dois objetos
em lados opostos do universo,

a anos-luz de distância um do outro,

não poderiam de forma alguma influenciar
um ao outro instantaneamente.

De novo, estávamos errados.

E não é sempre assim
que a vida parece caminhar?

Justo quando pensamos ter alcançado
tudo o que queremos,

um bando de físicos chega e revela

que as leis fundamentais do universo são
totalmente diferentes do que pensávamos?

E isso estraga tudo.

(Risos)

Vejam, no incrivelmente minúsculo
reino subatômico,

a nível de elétrons e prótons,

as leis clássicas da física,

aquelas que todos conhecemos e amamos,

vão por água abaixo.

E é aqui que aparecem
as leis da mecânica quântica.

Na mecânica quântica,

um elétron pode estar girando nos sentidos
horário e anti-horário ao mesmo tempo,

e um próton pode estar
em dois lugares de uma só vez.

Isso soa como ficção científica,

mas é apenas porque a louca
natureza quântica do nosso universo

se esconde de nós.

E ela se manteve escondida
de nós até o século 20.

Mas agora que nós a vimos, o mundo inteiro
está em uma corrida armamentista

para tentar construir
um computador quântico...

um computador que pode aproveitar o poder
do bizarro e louco comportamento quântico.

Essas coisas são tão revolucionárias

e tão poderosas,

que tornarão o supercomputador
mais rápido de hoje

inútil, em comparação.

De fato, para certos problemas
que são de grande interesse para nós,

o supercomputador mais rápido de hoje
está mais próximo de um ábaco

do que de um computador quântico.

Isso mesmo, falo daqueles
instrumentos de madeira com bolinhas.

Os computadores quânticos podem simular
processos químicos e biológicos

que estão muito além do alcance
dos nossos computadores clássicos.

E, como tal, prometem ajuda para resolver
alguns dos maiores problemas do planeta.

Eles nos ajudarão a combater
a fome no mundo,

a enfrentar a mudança climática;

a encontrar curas para doenças e pandemias
que ainda não conseguimos contornar;

a criar inteligência artificial
sobre-humana;

e, talvez, até mais importante
do que todas essas coisas,

eles nos ajudarão a entender
a própria natureza de nosso universo.

Mas com esse potencial incrível

vem um risco igualmente incrível.

Lembram-se dos grandes números
que mencionei antes?

Não estou falando sobre o 851.

Inclusive, se alguém aqui está distraído

tentando fatorar esse número,

eu vou acabar com a sua aflição
e contar que é o produto de 23 e 37.

(Risos)

Estou falando sobre o número muito maior
que veio depois dele.

Enquanto o supercomputador
mais rápido de hoje

não poderia encontrar esses fatores
no tempo de vida do universo,

um computador quântico
poderia facilmente fatorar números

muito, muito maiores que esse.

Os computadores quânticos desmantelarão
toda a criptografia usada hoje

para proteger vocês e a mim dos hackers.

E eles o farão com facilidade.

Deixe-me colocar assim:

se a computação quântica fosse uma lança,

então a criptografia moderna,

o mesmo sistema inquebrável
que tem nos protegido há décadas,

seria como um escudo
feito de lenço de papel.

Qualquer um com acesso a um computador
quântico terá a chave mestra

para desbloquear o que quiser
em nosso mundo digital.

É possível roubar dinheiro
de nossos bancos

e controlar as economias.

É possível desligar a energia
de hospitais ou lançar armas nucleares.

Ou apenas se sentar e assistir a todos
em suas próprias webcams

sem que sequer suspeitemos
que isso está acontecendo.

A unidade fundamental de informação
dos computadores que estamos acostumados,

como este aqui,

é chamada de "bit".

Um bit comum pode estar
em um de dois estados:

ele pode ser zero ou um.

Quando converso via FaceTime
com minha mãe, do outro lado do mundo...

ela vai me matar por ter
colocado esse slide aqui...

(Risos)

na verdade, estamos mandando um ao outro
uma longa sequência de "zeros" e "uns",

que saltam de computador para computador,
satélite para satélite,

e transmitem nossos dados
em um ritmo rápido.

Os bits certamente são muito úteis.

Na verdade, tudo o que fazemos
atualmente com a tecnologia

é devido à utilidade dos bits.

Mas estamos começando a perceber

que bits são muito pobres ao simular
moléculas e partículas complexas.

Isso porque, de certa forma,

processos subatômicos podem estar
fazendo duas ou mais coisas opostas

simultaneamente, à medida que seguem
as bizarras regras da mecânica quântica.

Então, no final do século passado,

alguns físicos muito inteligentes
tiveram esta ideia brilhante:

em vez de usar bits,

construir computadores baseados
nos princípios da física quântica.

Bem, a unidade fundamental
de um computador quântico

é chamada de "qubit".

É a abreviação de "quantum bit",
ou "bit quântico".

Em vez de ter dois estados,
como zero ou um,

um qubit pode ter
um número infinito de estados.

E isso corresponde a ele ser
alguma combinação de tanto zero quanto um

ao mesmo tempo,

um fenômeno que chamamos
de "sobreposição".

E quando nós temos
dois qubits em sobreposição,

estamos de fato trabalhando
com todas as quatro combinações

de zero-zero, zero-um, um-zero e um-um.

Com três qubits,

estamos trabalhando em sobreposição
através de oito combinações,

e por aí vai.

A cada vez que adicionamos um único qubit,
dobramos o número de combinações

com que podemos trabalhar
com a sobreposição, ao mesmo tempo.

E quando ampliamos a escala
para trabalhar com muitos qubits,

podemos fazê-lo com um número exponencial
de combinações ao mesmo tempo.

E isso é apenas um indicativo
do poder da computação quântica.

Bem, na criptografia moderna,

nossas senhas, assim como os dois fatores
daquele número grande,

são apenas longas sequências
de "zeros" e "uns".

Para descobri-las,

um computador clássico deve passar
por cada uma das combinações,

uma após a outra,

até que encontre aquela que funciona
e quebra nossa criptografia.

Mas, em um computador quântico,

com qubits suficientes em sobreposição,

a informação pode ser extraída
de todas as combinações ao mesmo tempo.

Em apenas poucos passos,

um computador quântico pode deixar de lado
todas as combinações incorretas,

separar a que está certa,

e, então, destravar
nossos preciosos segredos.

Agora, a um nível quântico maluco,

algo realmente incrível
está acontecendo aqui.

A sabedoria convencional compartilhada
por muitos dos principais físicos...

e vocês precisam prestar atenção, agora...

é de que cada combinação, na verdade,
é examinada em um computador quântico

dentro de seu próprio universo paralelo.

Eles adicionam cada combinação dessas
como ondas em uma poça d'água.

As combinações erradas

cancelam-se entre si.

E as combinações certas

reforçam umas às outras, e se amplificam.

Então, ao final do programa
de computador quântico,

tudo o que sobra é a resposta correta,

que nós podemos observar aqui,
neste universo.

Agora, se isso não faz total sentido
para vocês, não se preocupem.

(Risos)

Vocês estão bem acompanhados.

Niels Bohr, um dos pioneiros dessa área,

disse certa vez que qualquer um
que contemplasse a mecânica quântica

sem ficar profundamente chocado

não a tinha compreendido.

(Risos)

Mas dá para ter uma ideia
do que estamos enfrentando,

e por que é a hora de nós, criptógrafos,

elevarmos nosso nível de vez.

E temos de fazer isso rápido,

porque os computadores quânticos

já existem em laboratórios do mundo todo.

Felizmente, neste momento,

eles existem apenas em uma escala
relativamente pequena,

ainda insignificante para desmantelar
nossas chaves criptográficas mais amplas.

Mas podemos não estar
seguros por muito tempo.

Alguns colegas creem
que agências governamentais secretas

já construíram um grande suficiente,

e apenas não contaram a ninguém.

Alguns especialistas dizem
que eles chegarão em 10 anos.

Algumas pessoas dizem que levarão 30 anos.

E podem achar que se eles
chegarão daqui a 10 anos,

haverá tempo suficiente
para nós, criptógrafos,

descobrirmos como proteger a internet.

Mas, infelizmente, não é tão fácil.

Mesmo se ignorarmos
os muitos anos que levam

para padronizar e então distribuir
nossa nova tecnologia de criptografia,

em alguns aspectos,
já pode ser tarde demais.

Criminosos digitais espertos
e agências governamentais

já podem estar armazenando
nossos dados encriptados mais sensíveis,

antecipando o futuro quântico.

As mensagens de líderes estrangeiros,

generais de guerra,

ou de indivíduos que questionam o poder

estão encriptadas, por hora.

Mas, assim que chegar o dia

em que alguém coloque as mãos
em um computador quântico,

essa pessoa pode decifrar retroativamente
qualquer coisa do passado.

Em certos setores
governamentais e financeiros,

ou em organizações militares,

dados sensíveis têm que permanecer
secretos por 25 anos.

Então, se um computador quântico
realmente existir em 10 anos,

esses caras já estão 15 anos atrasados

para proteger quanticamente
sua criptografia.

Enquanto muitos cientistas no mundo

estão correndo para tentar
construir um computador quântico,

nós, criptógrafos, estamos urgentemente
tentando reinventar a criptografia

para nos proteger muito antes
da chegada desse dia.

Estamos procurando por novos
e desafiadores problemas matemáticos.

Estamos procuramos por problemas
que, assim como a fatoração,

possam ser usados em nossos
smartphones e laptops de hoje.

Mas, diferentemente da fatoração,
precisamos que esses problemas

sejam tão difíceis que sejam inquebráveis
mesmo com um computador quântico.

Nos últimos anos, temos procurando
num espectro bem mais amplo da matemática

para encontrar problemas desse tipo.

Temos observado números e objetos
muito mais exóticos e bem mais abstratos

do que aqueles que estamos acostumados,
como os de nossas calculadoras.

E acreditamos ter encontrado
alguns problemas geométricos

que podem ser a solução.

Ao contrário dos problemas geométricos
bi ou tridimensionais

que costumávamos resolver com caneta
e papel quadriculado no colegial,

a maioria desses problemas estão definidos
em bem mais de 500 dimensões.

Além de serem mais difíceis de retratar
e resolver em papel quadriculado,

também acreditamos que eles estejam
fora do alcance de um computador quântico.

Assim, embora seja o começo,

estamos depositando nossa esperança aqui
ao tentarmos proteger nosso mundo digital,

enquanto caminhamos
para o futuro quântico.

Assim como todos os outros cientistas,

nós, criptógrafos, estamos
tremendamente empolgados

com o potencial de viver em um mundo
ao lado dos computadores quânticos.

Eles podem ser uma força para tanto bem...

Mas, não importa em qual
futuro tecnológico nós vivamos,

nossos segredos sempre serão
uma parte de nossa humanidade.

E isso é algo que vale a pena proteger.

Obrigado.

(Aplausos)