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A tirania do mérito

  • 0:01 - 0:04
    Eis uma pergunta
    que todos devíamos fazer:
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    O que é que correu mal?
  • 0:05 - 0:07
    Não só com a pandemia
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    mas também com a nossa vida cívica.
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    O que nos trouxe a este momento político
    polarizado e rancoroso?
  • 0:15 - 0:17
    Nas últimas décadas,
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    a divisão entre vencedores e falhados
    tem-se aprofundado,
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    envenenando a nossa política,
  • 0:23 - 0:25
    separando-nos.
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    Em parte, esta divisão surge
    por causa da desigualdade.
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    Mas também surge por causa
    das atitudes face a ganhar e perder
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    que a têm acompanhado.
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    Quem alcançou o topo
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    passou a crer que o sucesso
    foi um feito seu,
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    é uma medida do seu mérito,
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    e que quem saiu a perder
    só tem de se culpar a si próprio.
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    Esta forma de pensar no sucesso
  • 0:53 - 0:56
    emerge de um princípio
    aparentemente atraente.
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    Se todos têm as mesmas oportunidades,
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    os vencedores merecem as suas vitórias.
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    É esta a essência do ideal meritocrático.
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    Na prática, claro, as coisas
    são muito diferentes.
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    Nem todos têm as mesmas
    oportunidades para subir.
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    Os filhos de famílias pobres
    costumam manter-se pobres ao crescer.
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    Os pais abastados conseguem
    passar as suas vantagens aos filhos.
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    Nas universidades da Ivy League,
    por exemplo
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    — as de maior prestígio nos EUA —
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    há mais estudantes
    do um por cento do topo
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    do que de toda a metade inferior
    do país em conjunto.
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    Mas o problema não é só
    não conseguirmos estar à altura
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    dos princípios meritocráticos
    que proclamamos.
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    O ideal em si tem falhas.
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    Tem um lado negro.
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    A meritocracia corrói o bem comum.
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    Leva à arrogância entre os vencedores
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    e à humilhação entre quem sai a perder.
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    Encoraja quem tem sucesso
    a inalá-lo demasiado profundamente,
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    a esquecer a sorte e a boa fortuna
    que os ajudou pelo caminho.
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    E leva-os a desprezar
    os menos afortunados,
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    os menos credenciados que eles.
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    Isto é importante para a política.
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    Umas das fontes mais potentes
    de revolta popular
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    é a sensação, entre muitos trabalhadores,
    de que a elite os despreza.
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    É uma queixa legítima.
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    Mesmo quando a globalização
    trouxe um agravamento da desigualdade
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    e a estagnação dos salários,
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    os seus defensores deram aos trabalhadores
    um conselho estimulante.
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    "Se querem competir e vencer
    na economia global,
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    "vão para a universidade."
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    "O que ganham depende do que aprendem."
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    "Se tentarem, podem ter sucesso."
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    Escapa a estas elites o insulto
    implícito nestes conselhos.
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    Se não forem para a universidade,
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    se não prosperarem na nova economia,
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    o vosso fracasso é culpa vossa.
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    É essa a implicação.
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    Não é de admirar que muitos trabalhadores
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    se tenham revoltado
    contra as elites meritocráticas.
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    Então, o que devemos fazer?
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    Precisamos de repensar três aspetos
    da nossa vida cívica.
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    O papel da universidade,
  • 3:43 - 3:44
    a dignidade do trabalho
  • 3:45 - 3:47
    e o significado do sucesso.
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    Devíamos começar por repensar
    o papel das universidades
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    enquanto árbitros da oportunidade.
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    Para quem passa os dias
    na companhia dos credenciados,
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    é fácil esquecer um facto simples:
  • 4:05 - 4:09
    a maioria das pessoas não tem
    um curso universitário de quatro anos.
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    De facto, quase dois terços
    dos americanos não os têm.
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    Portanto, é uma insensatez
    criar uma economia
  • 4:18 - 4:23
    que faz de um diploma universitário
    uma condição necessária
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    para um trabalho digno e uma vida decente.
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    Encorajar as pessoas a ir
    para a universidade é uma coisa boa.
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    Alargar o acesso a quem
    não tem meios para a pagar
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    é ainda melhor.
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    Mas isto não é uma solução
    para a desigualdade.
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    Devíamos focar-nos menos
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    em armar as pessoas
    para o combate meritocrático,
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    e focarmo-nos mais em melhorar a vida
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    de quem não tem um diploma
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    mas que faz contribuições fundamentais
    para a nossa sociedade.
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    Devíamos renovar a dignidade do trabalho
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    e colocá-la no centro da nossa política.
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    Devíamos lembrar-nos de que o trabalho
    não é só sobre ganhar a vida.
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    É também sobre contribuir
    para o bem comum
  • 5:10 - 5:13
    e obter reconhecimento por isso.
  • 5:13 - 5:17
    Robert F. Kennedy expressou bem isto
    há meio século.
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    Comunhão, comunidade,
    patriotismo partilhado.
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    Estes valores fundamentais não aparecem
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    só por comprarmos e consumirmos
    bens juntos.
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    Aparecem a partir de um emprego digno,
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    de um salário decente.
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    O tipo de emprego
    que nos permita dizer:
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    "Eu ajudei a construir este país.
  • 5:40 - 5:44
    "Participo nos seus grandes
    empreendimentos públicos."
  • 5:45 - 5:48
    Este sentimento cívico
  • 5:48 - 5:52
    está largamente em falta
    na nossa vida pública de hoje.
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    Muitas vezes, assumimos
    que o dinheiro que as pessoas ganham
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    é a medida da sua contribuição
    para o bem comum.
  • 6:01 - 6:03
    Mas isto é um erro.
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    Martin Luther King Jr. explicou porquê.
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    Refletindo sobre uma greve
    de trabalhadores de saneamento
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    em Memphis, no Tennessee,
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    pouco antes de ser assassinado,
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    King disse:
  • 6:18 - 6:23
    "A pessoa que apanha o nosso lixo
    é, em última análise,
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    "tão importante quanto o médico,
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    "pois, se não fizer o seu trabalho,
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    "as doenças assumem
    proporções devastadoras.
  • 6:32 - 6:35
    "Todos os trabalhos têm dignidade."
  • 6:36 - 6:38
    A pandemia de hoje torna isto claro.
  • 6:39 - 6:42
    Revela o quão profundamente dependemos
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    de trabalhadores que,
    muitas vezes, ignoramos.
  • 6:46 - 6:47
    Distribuidores,
  • 6:47 - 6:49
    técnicos de manutenção,
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    empregados de balcão de mercearias,
  • 6:51 - 6:53
    empregados de armazém,
  • 6:53 - 6:54
    camionistas,
  • 6:54 - 6:56
    auxiliares de enfermagem,
  • 6:56 - 6:57
    educadores de infância,
  • 6:57 - 7:00
    prestadores de cuidados de saúde
    ao domicílio.
  • 7:00 - 7:05
    Não são os trabalhadores mais bem pagos
    nem os mais reverenciados.
  • 7:05 - 7:10
    Mas, agora, reconhecemos
    que são trabalhadores essenciais.
  • 7:10 - 7:14
    Este é um momento para um debate público
  • 7:14 - 7:20
    sobre como alinhar
    o seu salário e reconhecimento
  • 7:20 - 7:22
    com a importância do seu trabalho.
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    Também é tempo de uma viragem
    moral e até espiritual,
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    de questionarmos
    a nossa arrogância meritocrática.
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    Moralmente, mereço os talentos
    que me permitiram prosperar?
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    É obra minha
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    eu viver numa sociedade
    que valoriza os talentos
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    que, por acaso, eu tenho?
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    Ou tive muita sorte?
  • 7:49 - 7:53
    Insistir que o meu sucesso
    só a mim se deve
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    dificulta o exercício de me colocar
    no lugar dos outros.
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    Apreciar o papel da sorte na vida
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    pode instigar uma certa humildade.
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    Cheguei ali por ter nascido onde nasci,
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    ou pela graça de Deus,
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    ou pelo mistério do destino.
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    Este espírito de humildade
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    é a virtude cívica que faz falta agora.
  • 8:18 - 8:21
    É o início do caminho de regresso
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    da dura ética de sucesso
    que nos afasta.
  • 8:25 - 8:29
    Remete-nos para lá da tirania do mérito,
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    para uma vida pública
    menos rancorosa e mais generosa.
Title:
A tirania do mérito
Speaker:
Michael Sandel
Description:

O que explica a nossa vida pública polarizada, e como é que podemos começar a saná-la? O filósofo político Michael Sandel oferece uma resposta surpreendente: quem prosperou precisa de se ver ao espelho. Sandel explora como a "arrogância meritocrática" leva muitos a acreditar que o sucesso é um feito seu e a desprezar os que não tiveram sucesso, provocando ressentimentos e inflamando a linha divisória entre "vencedores" e "falhados" na nova economia. Ouçam por que motivo precisamos de reconsiderar o significado do sucesso e de reconhecer o papel da sorte, de forma a criarmos uma vida cívica menos rancorosa, e mais generosa.

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TEDTalks
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08:47
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